Do ábaco ao 5G, a revolução digital

O amigo, linguista e etimólogo Deonísio da Silva, em “De Onde Vêm as Palavras” (Lexicon, 17ª ed.) explica que ábaco é palavra que vem do grego “ábakos” e do latim “abacu”, com origem remota no hebraico “ábác”. “Instrumento destinado a operações algébricas elementares”. Foi uma ferramenta usada da Europa ocidental à Rússia e China, um auxílio ao cálculo que consistia em uma moldura de madeira com várias hastes por onde deslizam contas coloridas. E ainda se vê em uso o soroban (“bandeja de contar”), do “suanpan” chinês, levado para o Japão no século 14.

Blaise Pascal (1623-1662), um dos precursores da teoria da probabilidade, aos 19 anos criou uma dessas máquinas de calcular, apelidada “pascalina”. Na Inglaterra, Charles Babbage (1791-1871), filósofo, inventor e cientista, criou uma calculadora programável de grandes dimensões, um pré-computador. Em 1890, o norte-americano Hermann Hollerith inventou um tabulador eletromecânico de perfurar cartões, dispositivo que possibilitou avanços nos censos e, na esteira dos efeitos colaterais da revolução industrial, servia também à leitura de cartões de ponto, que eram marcados pelos trabalhadores na entrada e saída de seus serviços para contabilidade de presenças, faltas e a paga no final do mês. (Em São Paulo e alguns estados emprega-se o termo holerite para designar o recibo de pagamento, conforme a frequência assinalada no livro de ponto, no sistema eletrônico ou biométrico. No Rio, diz-se contracheque).

Em 1944, os cientistas norte-americanos Howard Aiken, da Harvard, e Eckert e Mauchly, da Universidade da Pensilvânia, construíram, respectivamente, o Mark I (um primitivo e enorme microcomputador digital da IBM) e o Eniac (Electronic Numerical Integrator and Computery), capaz de grande número de cálculos. Foi cooptado como acessório vital à indústria de guerra norte-americana, inclusive a nuclear, em gestação. Eckert e Mauchly, cinco anos após a experiência, cravaram o grande marco no mundo dos computadores, o Univac (Universal Automatic Computer). Com cerca de 6.000 chaves, o aparelho chamou a atenção do Pentágono, que encomendou uma unidade aos inventores.

Graças ao advento dos transístores e logo dos circuitos integrados, as enormes máquinas passaram a ser cada vez menores. Essas inovações foram responsáveis por também reduzirem o tamanho de várias gerações de inúmeros aparelhos. (O transistor é invenção de 1947 dos norte-americanos Brattain, Schockley e Bardeen, recipientes do Nobel de física de 1956, um semicondutor que revolucionou o universo eletrônico das calculadoras, aparelhos de precisão, computadores, rádios e TVs, barateando-os e logrando reduzir suas dimensões).

Os atuais amantes do Finale, Sibelius ou Musescore, softwares editores de música e ferramentas comuns entre os compositores de hoje, bem como os que curtiam os velhos minimoogs e sintetizadores na era do rock, talvez não saibam que já em 1964 o professor Shigeru Watanabe, de Tóquio, tinha produzido algumas máquinas para composição de músicas. Anos depois, vieram os microprocessadores, e, no início dos anos 1970, surgiram as calculadoras de bolso e computadores mais avançados. Essas invenções passaram a estar presentes dos relógios de pulso a aeronaves e um sem fim de outras aplicações.

Os limites da tecnologia tornaram-se intangíveis, passou-se a avançar em proporção geométrica até o ponto em que nos encontramos. Eu, como tantos outros, fiz o roteiro TK-3000/XT/AT/286/386/486. Só vim a experimentar a Internet com uma espécie de e-mail via DOS, o que ensejou um curso no CCE da USP para embasbacados docentes, no final dos anos 1980.

E vieram os celulares. Primeiro os tijolões, depois modelos reduzidos de forma gradativa – mais velozes, eficientes e com maior capacidade. Em 1998, veio o Wi-Fi (“Wireless Fidelity”, “fidelidade sem fio”, lembrando o velho Hi-Fi, alta fidelidade), que fez desses aparelhos “smartphones”, celulares inteligentes. Esses pequenos computadores de mão passaram a operar na Internet por meio do H+, 2G (segunda geração), 3G e 4G, até um salto preparatório (4,5G) rumo ao grande impacto do 5G, modernidade que sinaliza avanços absurdos, como a transmissão de dados em ida e volta com “delay” (atraso) de meros 25 milésimos de segundo! (Imagine um trio de piano, cello e violino ensaiando via celular entre NY, Tóquio e São Paulo). Claro, haverá severos efeitos colaterais, como a absoluta perda de privacidade, o controle total das pessoas e a possibilidade de espionar os cidadãos nas ruas ou banheiros (“Eu sou Alpha-Soixante, o controle dos habitantes”, dizia a poderosa máquina de Alphaville, filme premonitório (1965) de Jean-Luc Godard).

O atual presidente americano empreende uma guerra fria com a China, cuja monumental Huawei está lançando seu celular e transmissores na tecnologia 5G, fora do império dos iOS e Androids. Uma derrota do mandatário da terra do Tio Sam para o gigantesco complexo de 118 prédios imitando 12 cidades europeias, com 25 mil funcionários, a mais alta tecnologia e um número absurdo de engenheiros! Jogou a Apple para escanteio e tem na sua alça de mira a Samsung. Bode expiatório da fúria trumpiana, a Huawei teria negociado com Irã, o que motivou um pedido de prisão da diretora Meng Wanzhou no Canadá. Os EUA bloquearam a exportação de componentes para a China, um prejuízo de US$ 30 bi à Huawei. No G20, em Tóquio, relativizou a questão mas não bateu o martelo. O que virá nos próximos capítulos tecnológicos e geopolíticos?