De Porangaba para os palcos da vida

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Nesta semana, o nosso entrevistado é um grande músico, que nasceu em Porangaba e viveu em Tatuí. Foi para São Paulo, onde trabalhou na noite paulistana, e voltou para a nossa cidade, onde se dedica à seresta e ao choro.

Como a autobiografia está completa, resolvi apresentá-la a vocês, para que o conheçam. Ele me confessou que, por ter sido músico profissional na noite, o seu relógio biológico acostumou, e ele não consegue dormir antes das 3h da manhã.

É apaixonado pela música e, no silêncio da madrugada, escreve letras incríveis. Dentre elas, a valsa “Almanaque”, uma declaração de amor a Tatuí. Muito em breve, nós vamos publicá-la e até cantá-la na noite da seresta.

Francisco de Souza Bueno (Pacheco) nasceu em Porangaba, em 11 de julho de 1936. Iniciou a vida musical aos 13 anos, tocando cavaquinho, na Rádio Difusora de Tatuí. Aos 17, passou a tocar no conjunto “Ritmos de Mário Edson”, de Tatuí.

Em 1955, mudou-se para Osasco, onde passou a integrar grupos amadores de choro da região. Já em São Paulo, convidado pelo músico Esmeraldino Salles, ingressou no Regional Tupy, em 1959.

Na Rádio e TV Tupy, acompanhou cantores considerados históricos, como Cauby Peixoto, Hebe Camargo, Orlando Silva, Ângela Maria, Nélson Gonçalves, Luiz Gonzaga, Agnaldo Rayol, Jamelão, Jackson do Pandeiro, Linda Batista, Rolando Boldrin, Germano Mathias, Ivon Curi, entre outros ícones.

Durante um bom tempo, trabalhou em muitas boates, bares e casas noturnas de São Paulo. Entre elas O Beco, La Ronde, Boate Oásis, Jardim de Inverno Fasano, Avenida Danças, Afrian Boate, Brasilian’s Bar e inúmeras outras.

Nessa época, tocou nos conjuntos do sambista Caco Velho e do acordeonista italiano Uccio Gaeta. Trabalhando nos conjuntos citados, acompanhou grandes cantores e músicos famosos, como Zé Kéti, Agnaldo Timóteo, Sérgio Reis, Pery Ribeiro, Sivuca, Altemar Dutra, Waldyr Azevedo, Jair Rodrigues, Gregório Barrios, Izaurinha Garcia e Wanderley Cardoso.

Nos anos 60, ingressou no melhor conjunto de bailes do Brasil da época, o Super Som T. A., com o qual tocou durante 15 anos e encerrou a carreira musical. Nele, era o arranjador.

Participou de diversos programas de TV, como: “Almoço com as Estrelas”; “Club dos Artistas”; “Programa Flávio Cavalcanti”, da TV Tupy; “Astros do Disco”, da TV Record; “Programa Bibi Ferreira”, da TV Excelsior; do Jô Soares e de Sílvio Santos, do SBT. Em todos, acompanhando cantores de renome.

Atuou em várias capitais e no interior do Brasil. Também tocou no exterior, em vários países, como Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Estados Unidos e Peru.

Lecionou violão, guitarra, contrabaixo e cavaquinho no Conservatório Musical “Villa-Lobos”, da Fito, de Osasco, entre os anos de 1984 e 2001. Atualmente, dedica-se à sua grande paixão, o choro, o mais brasileiro dos gêneros musicais.

Por que Pacheco?

Pacheco – É porque, quando eu era pequeno, perguntavam meu nome, e eu dizia: Francisco. Só que eu falava “Fachico”. Soava Pachico, mas, depois, virou Pacheco.

Quando começou a estudar música, onde, qual foi o seu primeiro instrumento e quem foi seu primeiro mestre (a)?

Pacheco – Na verdade, comecei a estudar música com certa idade. Já era músico e tocava de ouvido. Estava em São Paulo. Aqui em Tatuí, no ano que era para eu ingressar no Conservatório, fui embora da cidade. Cheguei a me inscrever e tudo, mas mudei-me para a capital.

Porangaba é conhecida como cidade sinfonia, pois, também, tem grande gama de músicos. Eu me lembro de um disco de chorinho, com um clarinetista de Porangaba, o Luizinho. É um vinil de 1976. Você o conheceu?

Pacheco – Conheço o Luiz. Ele é vivo ainda, e tem mais dois irmãos que são músicos. Domingos é um guitarrista de primeira linha. E outro, é chamado de Dango. Nunca mais vi os dois.

Conheci o guitarrista José Luiz Biagioni, com quem viajei por dez anos com o New Sound Six. Depois, o saxofonista José Carlos Ramos, o Bigorna, e o Maé. A que se deve essa energia musical que fez você e muitos outros viajarem pelo Brasil e fora dele levando o nome de Porangaba?

Pacheco – Acho que Porangaba é um lugar bonito, não é? Eu gosto de Porangaba. Nunca me esqueci dela. Mesmo estando fora, viajando, sempre voltava. Tanto que me casei com uma porangabense.

Acho que, em Porangaba, a formação de músicos se deve, justamente, pelas bandas de coreto. A cidade sempre teve grandes grupos. Aí, a formação era dos velhos que iam passando para a moçada o segredo da música.

Inclusive, temos uma grande referência, o músico que fez muito pela música da nossa região, que é o maestro Pingo. Ele é um porangabense fantástico.

Como foi sua trajetória para se tornar músico profissional na década de 60?

Pacheco – Comecei aqui, em Tatuí, tocando num grupo de chorinho. Acompanhava os seresteiros. Isso aí foi em 1950. Como tinha o negócio do Carnaval em Tatuí, que era muito forte, nós nos preparávamos para tocar. Então, a formação dos grupos de choro e de seresta vinha tudo disso, de pensar e tocar no Carnaval. Lá, a gente se conhecia e ia trocando experiências.

Qual foi o primeiro conjunto para o qual tocou?

Pacheco – Era um grupo de baile daqui, que se chamava Ritmos de Mário Edson.

Conte-nos um pouco sobre como era tocar na época na qual os instrumentos eram fabricados de forma artesanal e os equipamentos, à base de válvula.

Pacheco – Era difícil, porque era tudo meio precário. As pessoas, muitas delas, fabricavam os seus próprios equipamentos. Quando quebrava no meio da apresentação, era um “perereco” (risos). Ninguém sabia o que fazer, mas a gente se virava, dava um jeito.

Você começou como músico profissional vivendo de música ou trabalhou em outra profissão e a música era um bico?

Pacheco – Trabalhei em outros setores quando fui para São Paulo. Lá, ingressei na Santista Têxtil, que também tem unidade em Tatuí. Na época, concluí um curso para trabalhar em outro departamento da fábrica. Justamente quando me formei, apareceu a música na minha vida. Foi então que tive que decidir. Daí, fui para a música.

Dentre os milhares de grupos, cantores e orquestras que você tocou, consegue citar alguns?

Pacheco – Tem muita gente. Dos nomes mais antigos, acompanhei o Orlando Silva, que é uma lenda. Também toquei com o Sílvio Caldas, o Cauby Peixoto, que faleceu há pouco tempo. Acompanhei todo esse pessoal. Na maioria das vezes, em viagens por diversos lugares. Alguns, bem longe.

Quando iniciei na vida musical, com meu conjunto The Johnnies, ouvi falar no Super Som T. A. (Transaméricas). Era o maior grupo de baile da década. Quando você começou a tocar lá e por quanto tempo permaneceu?

Pacheco – Comecei a tocar na Super Som em 1966. Fiquei 15 anos como arranjador.

Conte-nos um pouco das viagens internacionais que fez com a banda.

Pacheco – Percorremos, praticamente, toda a América do Sul. Por ela, viajamos pelos principais países e mais conhecidos. Fomos, também, para os Estados Unidos. Tocamos lá durante um bom tempo, e voltamos outras duas vezes.

Com a banda, viajei bastante para fora e pelo Brasil todinho. E olhe que naquela época era difícil viajar, não havia estrada. Pulávamos, literalmente, os rios (risos).

Hoje, os músicos sofrem com falta de locais para mostrar a arte. Você, como alguém experiente, poderia orientar os músicos que pretendem viver da e de música?

Pacheco – Hoje em dia, é mais difícil ser músico, eu reconheço isso. No meu tempo, a gente aprendia o básico e se virava. Atualmente, isso é muito difícil, até porque a concorrência está muito grande. Existem muitos músicos, e bons, na praça. Sempre existiram, mas, agora, a moçada está levando muito a sério a música. O conselho é que tem que estudar, senão não tem chance.

Por uma graça divina – e como Deus é tatuiano -, você veio morar em Tatuí. Desde quando está aqui?

Pacheco – Na verdade, Tatuí é o meu lugar. Viajei o mundo todo, mas a minha paradinha é sempre aqui. Nunca deixei de vir, e acho que não deixarei.

Alguém da sua família toca algum instrumento?

Pacheco – Sim, mas vamos dizer que toca mais por brincadeira. Meu irmão toca bem instrumento de percussão. Meu pai era violeiro, e dos bons. Eu tenho muito orgulho de falar dele porque me ensinou muita coisa, Salvador Siaca.

Para você, quem é o melhor contrabaixista do Brasil e fora dele?

Pacheco – Tem muitos. Eu não quero cometer injustiça falando o nome de um ou de outro. Conheci muitos contrabaixistas incríveis, mas tem um que marcou para mim, pela técnica e pela simplicidade. Ele se chamava Luiz Maia (Luiz Oliveira da Costa Maia). Era contrabaixista da Elis Regina. Ela o adorava.

Em Porangaba, você descobriu outro talento. Aconteceu por acaso?

Pacheco – Foi por acaso. De repente que eu conheci o flautista Henrique. Nós nos encontramos na casa de um amigo do Thiers. Fui até lá e a pessoa me recomendou o jovem músico. Quando ouvi, vi que era tudo verdade. Ele tem futuro.

Você chegou a gravar com alguém?

Pacheco – Gravei com um monte de gente, músicos bem conhecidos mesmo. Se for falar aqui, corro o risco de nem lembrar direito quantos foram.

Em São Paulo, gravei com um guitarrista chamado Boneca. Além de ser um grande músico, era uma pessoa fantástica. Tenho uma passagem com ele que foi muito engraçada.

Nós fomos gravar acompanhando Sérgio Cardoso, que era um ator famoso. Ele precisava de um grupo, e nós tocamos uma música italiana. O guitarrista que tocava com a gente ficou doente e não pôde ir. Ficamos apavorados, porque tinha que ser algo bom. O serviço era de categoria.

Em uma conversa, alguém recomendou o Boneca. Eu não o conhecia, só de nome. Nós começamos a gravar e, num determinado pedaço, todo mundo se desencontrava. Ia um para um lado e outro para outro. O Boneca descobriu onde estava o erro. Havia um compasso a mais na partitura dele. Para resolver, ele rasgou o cantinho da folha, jogou fora e nós gravamos com perfeição.

Bem, meu amigo Pacheco, você é uma enciclopédia musical, com uma trajetória invejável e inigualável. O que mais chama atenção em você é a sua humildade.

Gostaria de agradecer a você por essa entrevista, por estar em Tatuí conosco, repartindo emoções com o talento que você tem.

Pacheco – A minha carreia musical toda não foi nada pensada. Ela foi acontecendo, do mesmo jeito que saiu essa entrevista. Nunca preparei nada na minha vida. Não sei se isso é uma virtude ou um defeito, mas, de qualquer forma, agradeço a sua presença em casa.