Corpo clí­nico expõe precariedade da Santa Casa





O Progresso

Médicos justificaram redução de internação e de cirurgias eletivas; também informaram que abriram mão de AIHs para auxiliar a entidade

 

Coube à médica ginecologista e obstetra Maria Laura Lavorato Matias, reeleita na semana passada diretora clínica da Santa Casa, a tarefa de conduzir entrevista coletiva à imprensa na tarde de quinta-feira, 16. O encontro, convocado pelos médicos do único hospital filantrópico da cidade, teve início às 10h, resultando na divulgação de informações alarmantes.

Na sala administrativa da Maternidade “Maria Odete Campos Azevedo”, a especialista sustentou haver “represamento” no Pronto-Socorro Municipal “Erasmo Peixoto”.

Também enfatizou que os médicos da Santa Casa não estão em greve, declarou que eles deixaram de internar todas as pessoas que precisam de atendimento por “questões técnicas” e pediu apoio ao hospital.

Maria Laura começou o encontro acompanhada pelos médicos Gianmarco Grandino (neurocirurgião), Milena Cristina Severi (ortopedista e traumatologista) e João de Oliveira Filho (pediatra). A coletiva ainda teve a presença de outros colegas, como o anestesiologista José Luis Barusso.

A médica explicou que os profissionais entenderam como necessária uma manifestação pública. Ela argumentou que precisava expor as condições de atendimento e trabalho para que a população compreendesse a situação real pela qual o hospital e eles estão passando.

Segundo Maria Laura, os médicos vêm alertando sobre a situação financeira da SC há tempos. Em maio, por exemplo, a diretoria clínica encaminhou notificação por escrito, à diretoria, detalhando os prejuízos no atendimento. “Fora as comunicações verbais que já vínhamos fazendo”, disse ela.

Nos documentos, os médicos alertaram para a falta de materiais, de medicamentos e problemas com equipamentos. Conforme ela, a situação já vinha gerando prejuízos à população e dificuldade no trabalho dos profissionais.

Como a situação do hospital não melhorou – ele vem acumulando déficit mensal de, pelo menos, R$ 566.779,85 –, a escassez piorou a condição de atendimento. “Nós chegamos, agora, no limite. Por isso, chamamos todo mundo, porque muitos de nós temos sido questionados, às vezes, individualmente”, falou.

Uma das principais perguntas feitas aos profissionais é com relação à internação. Por não ter medicamento, equipamento e outros itens básicos (como lençol para cama) em quantidade suficiente, a Santa Casa está deixando de internar pacientes.

Com isso, tem havido “represamento” no pronto-socorro. No entanto, a médica informou que as pessoas continuam sendo atendidas no ambulatório.

A diferença é que, caso precisem de um serviço mais especializado (com a retaguarda oferecida pela Santa Casa), ficam no pronto-socorro, dependendo do caso, ou são encaminhados para cidades de referência.

Mesmo não recebendo pelas AIHs (autorizações de internação hospitalar), como determinado em contrato, os médicos informaram que continuam atendendo. Conforme a médica, os atrasos nos repasses – por conta do hospital – chegam a quatro meses, conforme o tipo de atendimento.

Essa situação tem atingido os médicos que realizam as chamadas cirurgias eletivas. Elas contemplam operações de laqueadura e de vesícula, por exemplo.

Os procedimentos como esses são programados e, em função disso, deixaram de ser realizados pelo hospital. A equipe está concentrando os esforços e utilizando os parcos materiais que dispõem nas cirurgias de emergência.

“Neste mês, os médicos não receberam repasse das AIH’s. Mesmo assim, estão atendendo, trabalhado”, garantiu Maria Laura. Contudo, por conta de uma “questão técnica” (a falta dos itens necessários para atendimento), ela declarou que estão impedidos de internar “todas as pessoas que gostariam”.

Até o momento, estão fora dessa realidade os atendimentos de urgência e emergência e os procedimentos realizados na maternidade. O motivo é que o SUS (Sistema Único de Saúde) não prevê partos realizados com agendamento.

“Na maternidade, não tem como ser diferente. Ninguém programa para entrar em trabalho de parto, mas a parte eletiva de pessoas que podem ser internadas ou as patologias não apresentam risco iminente à vida do paciente, nós solicitamos transferência para outro hospital, porque faltam recursos”, informou.

No fim da semana passada, a provedoria comunicou aos médicos que só dispunha de 15 ampolas de marcaína, anestésico usado para a cesariana (em raquianestesia).

“Em tese, tínhamos 15 possibilidades de fazer procedimento. Aí, nós priorizamos a maternidade, por conta das cesarianas, que são um procedimento complicado de se fazer com anestesia geral”, disse a médica.

Além de anestésicos, há falta de uma série de antibióticos na Santa Casa. Dependendo dos casos, a médica relatou que os médicos precisam buscar caminhos alternativos.

Este é o caso de um bebê, de dois quilos, que permaneceu no hospital até a tarde de quarta-feira, 15. “Ele poderia estar tomando uma medicação na veia, mas tomou outra, intramuscular, porque não temos o antibiótico, aqui”, contou.

As soluções são consideradas emergenciais, mas precisam estar preconizadas nos protocolos que os médicos têm de seguir. Ela ressaltou tratarem-se de normas que existem para “garantir a segurança do atendimento da população”. “Nós não conseguimos segui-los, porque muitas das medicações estão faltando dentro do hospital”, argumentou.

Em função disso, a médica argumentou que os médicos estão “de mãos atadas”. Conforme ela, os profissionais não podem “improvisar” um tratamento.

“Não dá, é saúde, não tem gambiarra. Ou tratamos direito, ou, na verdade, vamos piorar a situação do paciente, o que é contra o princípio básico da medicina”.

As dificuldades das equipes de atendimento estão aumentando porque o hospital não tem recursos para empregar no conserto de equipamentos.

Conforme a médica, duas máquinas da lavanderia estão quebradas. Por conta disso, não há lençóis para serem utilizados nos leitos e roupas para as cirurgias.

O uso de material para operações também ficou restrito, porque a Santa Casa dispõe apenas de uma autoclave (usada para esterilização) pequena. A outra está quebrada.

Também faltam alimentos e água engarrafada para servir aos médicos e pacientes. A escassez tem obrigado as equipes da cozinha a manter um cardápio sem muitas opções aos internados.

“Como médicos, estamos fazendo o que é necessário. As urgências e emergências estão sendo atendidas. Que a situação é calamitosa? Sem dúvida nenhuma, mas nós continuamos fazendo aquilo que nos é permitido, o que conseguimos fazer, e continuamos fazendo”, afirmou Grandino.

O médico relatou que a situação vem “se arrastando”, mas que os médicos não podem fazer muito para tentar remediá-la. O vice-diretor clínico do hospital também reforçou o posicionamento de Maria Laura e enfatizou que os profissionais continuam trabalhando e não deixarão de atender.