Clínica é interditada por irregularidades





Polícia Civil

Clínica interditada oferecia condições inadequadas para abrigar pacientes que estavam em recuperação

 

Trinta e quatro pessoas que estavam internadas em uma clínica de recuperação no bairro Guarapó aguardam a vinda de parentes para voltar a seus lares.

Elas já prestaram depoimento, nos dias 16 e 17, em inquérito policial que resultou no indiciamento de quatro pessoas. O proprietário do local e três ex-internos são acusados de ter cometido pelo menos seis crimes.

Eles receberam voz de prisão de guardas civis municipais que acompanharam ação de fiscalização realizada pela Vigilância Sanitária. A equipe municipal deslocou-se ao estabelecimento para averiguar as condições de funcionamento da clínica e dos internos que estavam custodiados.

Durante a vistoria, os guardas e os fiscais constataram “inúmeras irregularidades”. Entre elas, a presença de um menor de idade, de 17 anos, que havia sido internado por parentes. O adolescente reside na cidade de Cerquilho e teria sido levado ao local por conta de problemas de dependência química.

Na clínica “Liberdade de Vida”, as equipes ouviram relatos que contribuíram para o indiciamento do empresário Victor Custódio Ribeiro, 27, e dos ex-internos Elias Inácio de Souza, 24, Caio Antunes Lacerda, 20, e André Luis Campos Costa, 30.

Os três últimos atuariam dentro da clínica de recuperação nas funções de monitor, estagiário e auxiliar de produção, respectivamente.

Por se apresentarem aos agentes como responsáveis pelo local, os quatro responderão pelos crimes de lesão corporal, maus-tratos, sequestro e cárcere privado, tortura, exercício ilegal da profissão, formação de quadrilha e apropriação indébita.

Localizada na estrada Tatuí-Laranjal, a casa de repouso foi vistoriada por volta das 15h de quarta-feira, 16. No momento da chegada das equipes municipais, havia dez internos no local. Todos prestaram depoimento no plantão policial durante a elaboração do auto de prisão em flagrante.

A Polícia Civil ouviu os internos (naturais de diversas cidades do Estado de São Paulo e de outros Estados) como vítimas.

Antes disso, efetivou dois registros de ocorrência com base nos depoimentos de guardas, fiscais e uma representante de equipe médica do Pronto-Socorro Municipal “Erasmo Peixoto”.

De acordo com o BO, na clínica, os guardas localizaram “diversos medicamentos de uso controlado, receitas em nomes dos pacientes, lista de controle de entrega de medicamentos aos internos e livros ata de medicação”.

A Guarda acompanhou a vistoria em apoio à Vigilância Sanitária e ao Departamento de Fiscalização da Prefeitura. Os órgãos haviam recebido denúncias de maus-tratos, tortura e porte de arma. No local, os agentes solicitaram apresentação de documentações de permissão de funcionamento.

Segundo a GCM, os responsáveis pelo estabelecimento apresentaram “somente alguns documentos” às equipes. Enquanto conversavam com os indiciados, os guardas verificaram que havia um menor de idade na clínica. Por conta disso, solicitaram a presença de representantes do Conselho Tutelar.

Ainda durante a fiscalização, um dos internos teria procurado os guardas e relatado que havia sido deixado por dois dias somente de cueca dentro de uma sala da clínica.

O ambiente teria “sido mobiliado às pressas”, com uma maca. A GCM informou que a intenção era de simular que o local servia para atendimento ambulatorial.

O cômodo, porém, seria utilizado para punir pacientes. Quem entrava no local seria obrigado a dormir no chão, sem qualquer tipo de agasalho ou de cobertor.

Os internos seriam obrigados, também, a fazer as necessidades fisiológicas em um balde. Conforme a GCM, não havia torneira ou acesso à água no ambiente.

Ainda em conversas com os internos, os guardas constataram que vários deles teriam passado pela chamada “sala de contenção”. Um deles – de nome não divulgado – havia saído do local pela manhã. Segundo o BO, ele apresentava “hematomas de agressões constatadas em exames no pronto-socorro”.

Os guardas também informam, em boletim, que os responsáveis pela clínica agiam “de maneira ardilosa”. De acordo com a corporação, eles “desconversavam” quando eram questionados sobre as condições do local e não davam informações corretas sobre o ambiente no qual seriam praticadas torturas contra os internos, como meio de punição por mau comportamento.

A equipe informou que o empresário e os três funcionários disseram que o cômodo era utilizado como sala ambulatorial. A construção inacabada é descrita pelos guardas como “um cubículo sem vidros e sem móveis e com janelas apenas para entrada de ventilação, fora do padrão normal”.

O quarto possuía travas somente do lado de fora, onde as equipes encontraram uma maçaneta, um cadeado e um trinco próximo ao rodapé da única porta de entrada.

De acordo com a GCM, não havia maçaneta do lado de dentro da sala, o que descaracterizaria o uso do local inacabado como ambulatório.

Em conversas com os funcionários da clínica de recuperação, os fiscais verificaram que nenhum deles tinha registro em carteira e condições de trabalhar no local.

Também verificaram que os monitores teriam tentado “alterar as condições da sala de contenção”. Um dos fiscais disse aos guardas que os funcionários teriam colocado uma maca na sala que estava vazia antes da visita das equipes.

Outra situação irregular seria o fato de que os funcionários – que são ex-internos – estavam ministrando medicamentos aos demais pacientes. O trabalho era feito “sem acompanhamento de profissionais de saúde”.

Uma das drogas utilizadas pela clínica é um calmante de alto poder de sedação. Segundo o BO, a medicação “mantinha os internos dormindo por quase um dia todo”.

Em função das irregularidades, a GCM deu voz de prisão em flagrante ao proprietário e funcionários. A clínica já estava sendo investigada em inquéritos anteriores por maus-tratos. Há dois termos circunstanciados sobre a acusação.

Além da prisão das quatro pessoas, a GCM auxiliou a VS e os fiscais a realizarem interdição cautelar do local. Os internos permanecerão sob a custódia da Prefeitura, sendo realocados em entidades do município. Antes, todos foram encaminhados ao Pronto-Socorro Municipal para exame de corpo de delito.

No plantão central, os internos teriam confirmado a existência da sala de contenção e de que haviam sido vítimas de lesão corporal. Algumas das vítimas teriam dito, ainda, que estavam sendo submetidas a tratamento psiquiátrico. Entretanto, não havia a presença de médicos no momento da fiscalização.

Em função disso, o delegado plantonista, José Luiz Silveira Teixeira, elaborou auto de prisão em flagrante dos suspeitos. Ele considerou que todos os envolvidos trabalhando, remunerados ou não, estariam praticando os crimes.