Certezas! Ou não?





Diante do espetáculo da multiplicação dos votos a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff, transmitida ao vivo pela TV e que estava mais divertido que o “Domingão do Faustão”, surgiram algumas certezas e muitas dúvidas – como era de se esperar. Observemos apenas algumas:

O deputado Francisco Everardo Oliveira Silva, o simpático Tiririca, nunca pôde se sentir tão à vontade na Câmara dos Deputados. Acima de qualquer outro ali presente em performance cômica, ele poderia se colocar, finalmente, como o parlamentar mais experiente, dado ser palhaço de profissão e estar em meio a um verdadeiro circo… Ou não?

Até essa votação, cabia à presidente Dilma Rousseff o mérito pela total perda de credibilidade do Brasil na área econômica. Por conta do desprezo à chamada “responsabilidade fiscal” – que se resume a não gastar mais do que se ganha -, o governo dela colocou o país totalmente fora da rota dos investimentos, especialmente internacionais, intensificando a crise.

Porém, depois de a composição econômica descarrilar, aparece o trem doido das dedicatórias estapafúrdias e faz o Brasil perder a seriedade diante do mundo. Ou seja, o Executivo acabou com a credibilidade do país e o Legislativo, agora, tornou-o uma piada… Ou não?

Aliás, quem teria sido o sacana – um grande gozador, certamente – responsável pela ideia, aceita e praticada por todos os parlamentares, de que a votação de admissibilidade tinha tudo a ver com o “Show da Xuxa”, onde a criançada, quando em foco pela câmera, saia mandando beijo e abraço pro pai, pra mãe, pros coleguinhas do jardim da infância, pro gato, pro cachorro… Esse cara, convenhamos, que fez todos os deputados de otários, pelo poder de convencimento, deveria ser o próximo ministro da Casa Civil.

A despeito de os deputados não terem se lembrado da própria rainha dos baixinhos, as dedicatórias, tão prolixas quanto inócuas e ridículas, só expuseram o quão imatura, histérica e risível é a classe política brasileira, tal crianças que ainda carecem de muitas palmadas no bumbum e educação… Ou não?

Lula, divulgou-se na imprensa, ficou irritado com Tiririca, por ter acertado com o parlamentar o voto contra o impeachment. A indisposição, claro, é devida ao descumprimento de uma promessa…

E Lula tem razão em reclamar, afinal, “nunca antes na história deste país” houve um político tão coerente como ele… Ou não?

Entre os homenageados, destaque para o Todo Poderoso. Ele mesmo! Deus, lembrado por quatro em cada cinco parlamentares. É de se supor que o pessoal é muito religioso. Mas, se é, aquela história de que “não tomarás Teu nome em vão” não tá valendo mais?

Será que o Pai estava satisfeito vendo seus filhos atormentando-o a todo instante naquela cerimônia quase satânica? E o tal estado laico? Os parlamentares não sabem do que se trata, ou pouco se importam.

Pelo contrário, muitos evocavam suas “bancadas” de uma só denominação, como se essa fosse merecedora de mais respeito e maior atenção do Divino que os deputados católicos, protestantes, espíritas, budistas… Ou seja, também a crença de que Deus é “onipresente” já era… Ou não?

O tão verborrágico quanto alucinado Jair Bolsonaro – o mesmo que diz combater a corrupção, mas defende o emprego fantasma de um irmão na Assembleia de São Paulo -, “honrou” a memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra na dedicatória (necessária, claro!) de seu voto a favor do impeachment. Na sequência, quase foi alvejado por uma cusparada do colega Jean Wyllys.

Deputado… Deputado… Vai perder o decoro, cuspindo em um colega? Só porque ele homenageia um notório torturador, em seus segundos de glória na balbúrdia circense? Só por isso? Se ainda você não estivesse com refluxo de raiva, mas com um feroz desarranjo intestinal, quem sabe, o material excretado fosse mais próprio ao colega parlamentar… Sim, é nojento, mas, em se tratando de Bolsonaro, dá vontade… Ou não?

A deputada Raquel Muniz, muito empolgada, também aproveitou o picadeiro para deixar seu recado, participando a todos a mensagem de que o país precisa de mais honestidade e competência, como as virtudes do marido dela, Ruy Adriano Borges Muniz, prefeito de Montes Claros (MG).

No dia seguinte, o homem foi preso por corrupção… Fica a dúvida: a deputada serelepe seria mais uma dessas esposas traídas, que não sabem o que o marido faz às escondidas… Ou não?

A presidente Dilma sustenta não ter cometido nenhum crime, tampouco de “responsabilidade fiscal”, ressaltando terem sido as “pedaladas” somente operações normais, cujos resultados não se configuram em prejuízo ao país.

Por consequência, a presidente, segundo sua campanha de defesa (é uma campanha, sim, por ser explicitamente uma peça publicitária), seria vítima de um golpe de Estado.

Ora, se ela é vítima de algo ou alguém, seria mais palatável a conclusão de os algozes serem não aqueles que querem vê-la fora do poder, mas o grupo que, justamente, levou-a à Presidência, integrado por diversos políticos e megaempresários já presos por crimes de corrupção… Ou não?

Outro argumento da campanha publicitária em favor do governo é o de que um eventual novo governo não teria legitimidade, posto “não ter sido eleito pelo povo, com 54 milhões de votos”. Pelo mesmo discurso, Michel Temer seria um conspirador.

Ok, mas tem o seguinte: se o Lula é um sujeito tão esperto – e é -, quando ele descobriu que Temer é sacana? Ele não sabia quem estava convidando para ser vice de seu poste – aliás, Dilma – quando o convidou para formar a chapa já da primeira campanha?

Fora isso, para se crer no argumento da falta de legitimidade, seria preciso, também, acreditar que Dilma teria, hoje, os mesmos 54 milhões de votos. O PT quer dizer que ela teria. Pelo esperneio do governo, portanto, Dilma é uma coitadinha e o povo continua querendo-a no poder… Ou não?

Agora, um aspecto é límpido, diante do qual jamais caberia um “não”: é o fato de ser muito triste torcer por uma causa em meio à qual se vê tanta gente de perfil nada admirável.

Claramente, “na média” (reitere-se, na média), há muito mais políticos dignos de um mínimo de respeito comprometidos com a manutenção do governo que contra ele.

Contudo, outro fator também é inquestionável: o país não se sustenta mais sob esse governo incapaz e, também, montado sobre uma escandalosa estrutura de corrupção, a despeito do comprometimento da presidente para com esse esquema. Quanto mais o governo demorar a cair, maior serão os prejuízos e mais tempo levará para a crise diminuir.

Portanto, sem dúvida, esse governo precisa acabar e outro assumir, democrática e legalmente, sem qualquer risco ou retrocesso quanto ao “estado democrático de direito”. Isso é preciso, imperioso, sim!