Base do 192 da cidade ‘reforça exceção’





Cristiano Mota

Base descentralizada do Samu 192 de Tatuí funciona no bairro Santa Cruz há pelo menos dois meses

 

A coordenação municipal da base descentralizada do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) 192 anunciou, nesta semana, que está “reforçando uma determinação que vem sendo cumprida em Tatuí há anos”.

A enfermeira Andreia Fonseca, coordenadora do serviço, quer que todos os funcionários da base estabeleçam comunicação com a central quando os usuários não puderem fazê-lo.

Com isso, a base dá continuidade a uma exceção, uma vez que o procedimento padrão rege que cabe à população fazer a ligação para solicitar atendimento.

A determinação está prevista na portaria 1.010, de 21 de maio de 2012, que redefine a implantação do Samu e da Central de Regulação das Urgências.

A unidade de Tatuí está vinculada à central de Itapetininga, razão pela qual as chamadas originadas pelos moradores daqui precisam ser triadas por equipe que trabalha no município vizinho. A central atende oito cidades e, no mês passado, encaminhou à equipe local 658 ligações feitas por pacientes da cidade.

De acordo com Andreia, os traumas correspondem ao maior percentual de atendimentos. São fraturas provocadas por acidentes, com a maioria deles envolvendo motos.

Do total de casos, quatro foram de suicídio por enforcamento. “É algo que aumenta por causa da época. Normalmente, não temos, no decorrer do ano todo, mas registramos muitos suicídios no final, por depressão”, destacou a coordenadora.

Andreia explicou que todas as ligações originadas nos oito municípios (Tatuí, Itapetininga, Quadra, Guareí, Sarapuí, Campina do Monte Alegre, Alambari e Angatuba) passam pela central.

Elas são atendidas pelos “timers”, como são chamados os atendentes que atuam na “linha de frente da regulação”.

Essa equipe repassa as ligações para um médico. O profissional conversa com a pessoa que está originando o chamado via telefone. “Quem está em Tatuí fala com o médico em Itapetininga”, descreveu Andreia.

Segundo a coordenadora, o médico faz uma série de perguntas que também está prevista no procedimento padrão. “Faz parte do protocolo de atendimento”, disse ela.

O questionário é bastante extenso e precisa ser preenchido com informações que vão dar subsídio ao médico. Com os dados, o profissional determina qual o tipo de viatura será deslocada para atendimento.

Em Tatuí, o questionário tem gerado divergências. Conforme a equipe da base descentralizada, “a população não tem paciência para responder às questões”. Segundo Andreia, é nesse ponto que as reclamações começam a aparecer.

A coordenadora afirmou que, em geral, as pessoas querem somente comunicar o fato e ouvir a informação de que uma ambulância está sendo deslocada.

Entretanto, para que uma das três viaturas deixe o pátio da base de Tatuí, é preciso que o médico que está em Itapetininga envie a autorização.

Para as chamadas originadas em Tatuí, o questionário foi reduzido, a pedido da coordenação. De modo a agilizar o atendimento, a coordenação local solicitou à regional que apenas perguntas básicas sejam feitas. Entre elas, nome, idade e os sintomas que os pacientes estão sentindo.

Dessa maneira, o tempo entre o chamado e o deslocamento da viatura caiu. No entanto, não há uma média constante no repasse das solicitações a Tatuí.

Conforme Andreia, o acionamento das viaturas depende da comunicação, via rádio, de um terceiro funcionário. Após o médico receber as informações e ter os dados para preencher o formulário, ele avalia qual viatura vai deslocar.

Na sequência, o profissional repassa o caso para um operador de rádio, que utiliza frequência especial para informar a ocorrência e liberar a viatura.

O tempo desse procedimento pode variar, principalmente em função do número de ligações feitas ao mesmo tempo à central de regulação.

A reportagem de O Progresso acompanhou o tempo de comunicação de dois chamados na manhã de quinta-feira, 2, ao serviço 192.

Às 9h41, o sistema acusou que a central havia recebido ligações de Tatuí e Quadra. Por mais de cinco minutos, os pedidos não haviam sido retornados à base do município, que depende da autorização via rádio para liberar as viaturas.

Conforme a equipe do Samu local, o tempo pode variar, também, conforme o chamado. No caso de Tatuí, o paciente que havia acionado o sistema – e teve prazo maior para ser atendido – é considerado “freguês” do 192.

Ele e mais duas pessoas, que moram em Tatuí, são moradores de rua e conhecidos como “etilistas” (alcoólatras). Segundo a coordenadora, costumam acionar o serviço de duas a três vezes “por dia”. “Quando têm abstinência, fingem um ataque e chamam o 192 apenas para passear”, relatou.

De acordo com a coordenadora, o paciente havia feito a ligação de dentro de uma mercearia, situada no bairro Santa Adélia. “Ele chama a ambulância de manhã, dizendo que está com dor no peito, chega ao pronto-socorro, toma medicamento, um café e vai embora. Repete isso no almoço e na janta”, contou.

Além de ocupar as viaturas, Andreia citou que os “clientes assíduos” da equipe provocam indignação da população. “Diversas vezes, eles simulam estar passando mal, caem no chão para chamar a atenção. As pessoas param, tiram fotos, reclamam e acham que não estamos atendendo”, desabafou.

Conforme a coordenadora, os três pacientes (dois homens e uma mulher) estão nessa situação desde que Tatuí instituiu atendimento de urgência e emergência por ambulância via 192.

Tanto que a equipe do Samu e do Pronto-Socorro Municipal “Erasmo Peixoto” chegaram a registrar boletins de ocorrência contra as pessoas. Em alguns casos, por desrespeito aos profissionais.

A equipe relata que, em situações anteriores, os homens urinaram dentro das viaturas. Também chegaram a tocar nas nádegas das enfermeiras e a comer a marmita de um dos funcionários. “Como se trata de um serviço de saúde pública, não podemos negar atendimento, mas estamos sujeitos a isso”, disse Andreia.

Tatuí possui três viaturas em atividade, sendo uma de suporte avançado e duas de suporte básico. A base local conta, ainda, com mais duas ambulâncias da chamada reserva técnica, usadas em casos especiais.

Por questão de protocolo, elas não podem sair do pátio da base sem autorização. Em função disso, o Samu registrou incidente com a família de uma leitora do jornal no mês passado. Maria Rejiani Teixeira postou comentário de “indignação”, vinculando-o ao perfil do bissemanário em rede social.

De acordo com ela, o pai havia falecido sem ter recebido assistência por parte do Samu. A família reside em casa situada na frente da base do 192, no bairro Santa Cruz, e precisava que um médico emitisse o atestado de óbito.

Na ocasião, um funcionário do serviço teria informado a familiares que era preciso acionar o 192 para que a ambulância e o médico fossem deslocados até a residência. Só então, o médico poderia elaborar o documento.

A coordenação informou que o caso não reflete a política de trabalho da equipe de Tatuí e que a orientação é resultado de “um ato pessoal de um funcionário”.

“A regra não é bem essa. O auxiliar de enfermagem quis seguir o protocolo à risca, não teve jogo de cintura e originou a queixa”, disse Andreia.

De acordo com ela, um membro da família teria ido até a base para pedir que fosse feito o atestado depois de ter conversado com um médico geriatra. Como a vítima havia falecido, o funcionário teria avaliado que o caso poderia ser encaminhado, primeiro, para a central reguladora de Itapetininga.

Entretanto, a coordenadora informou que a decisão poderia ter sido tomada pela médica que estava de plantão. Até que o caso seja apurado, o funcionário está afastado. O Executivo abriu sindicância para verificar o que será feito.

Por conta do episódio, Andreia afirmou que reforçou, junto à equipe, a recomendação de que, quando houver situação semelhante, os próprios funcionários acionem a central. “Isso sempre aconteceu. Nesse dia, o funcionário achou que não tinha problemas e quis seguir o protocolo”.

A coordenadora disse, também, que toda a equipe da base local está preparada para atender à população que se dirige pessoalmente até a base, no Santa Cruz. De acordo com ela, a orientação é que, caso os funcionários não consigam utilizar o telefone para originar os chamados, façam uso dos rádios.

Dessa forma, Andreia sustentou que a equipe pode prestar atendimento mais rápido aos pacientes. “Enquanto estamos avaliando a situação, podemos ir ocupando a viatura para que o paciente possa ser socorrido de modo eficiente”, concluiu.