Apae reformula centro e muda dinâmica





Cristiano Mota

Atividades na cozinha visam autonomia de atendidos; no espaço, frequentadores também produzem lanches distribuídos ao novo centro

 

De abril do ano passado para o início deste ano, muita coisa mudou dentro da Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) de Tatuí. Boa parte das novidades – quase uma revolução – pode ser vista no melhorado centro de convivência da entidade. O local conta com quase uma dezena de salas, ganhou reformas e tem nova dinâmica de atendimento para o público adulto.

As melhorias são fruto de trabalho da equipe comandada pela assistente social Daliane Araujo Miranda. Elas passaram a ser implantadas a partir de diagnóstico. Estão, ainda, registradas em fotografias que mostram como eram os espaços antigos.

Com a mudança, a Apae passou a, efetivamente, atender outras duas vertentes da instituição. “A entidade cuida da educação, assistência social e saúde. Mas quando alguém entrava aqui, só via educação, porque não havia uma gestão de assistência dita na área das oficinas”, explicou a assistente social.

Seguindo determinação do governo federal, a unidade tatuiana – como todas as outras no país – precisou se readequar para não perder público. Uma das razões apresentadas pela assistente social é o fato de que a educação não deve ser o foco de trabalhos voltados a pessoas com mais de 30 anos.

Nessa faixa etária, estão quase 40 pessoas que fazem uso da Apae para melhorar as condições de vida. São homens e mulheres com deficiência que demandam recursos para a manutenção das atividades oferecidas gratuitamente.

Até por uma questão financeira, a Apae não conseguia, anteriormente, dar uma atenção diferenciada para esse público. Daliane explicou que a instituição recebe, por mês, R$ 68 por adulto atendido. Na área da educação, o recurso é maior, corresponde a R$ 2.500 por mês por aluno matriculado.

Driblando a falta de recurso, os professores da entidade tatuiana “se viraram como puderam”. Para garantir a continuidade das ações, muitos utilizavam materiais reciclados para o desenvolvimento das atividades das oficinas.

Por conta disso, inúmeros itens passaram a ser estocados pelos professores nas salas do centro de convivência. Alguns deles sem utilidade prática e que passaram a ser analisados pela assistência dentro do projeto de reformulação.

“O que nós percebemos, nas mudanças, é que havia um número de profissionais com compulsão por acumular objetos”, disse Daliane. Em geral, esse é um mecanismo de defesa de pessoas que registram perdas, tiveram como sequela problemas emocionais e não conseguiram lidar com a situação.

Durante a mudança dos espaços, Daliane afirmou que a equipe percebeu que precisava trazer para os ambientes uma nova proposta de trabalho. Para o processo de reforma, a Apae contou com apoio do Comitê de Cidadania da Ford, do grupo Práxis, das promotoras legais públicas (iniciativa coordenada por Heloísa Saliba e Borges) e de membros de grupos de escoteiros.

A reformulação teve início em dezembro e envolveu todos os atendidos, resultando em uma nova dinâmica de atendimento. No novo centro, os assistidos fazem aulas de artesanato em espaço montado com móveis reformados.

Eles ganharam, ainda, uma sala própria para atividades de dança e culturais. “O que nós percebíamos, antes, é que eles não tinham um lugar fixo. Era tudo improvisado. Ou era no salão ou na quadra”, contou a assistente social. No novo espaço, também são realizados ensaios do coral Gotinhas de Amor.

Entre os ambientes, a entidade criou uma área com tanques, para facilitar o asseio dos assistidos. Ao todo, dez espaços foram reformados, incluindo a lavanderia, o bazar, a loja de fantasia, o artesanato, a encadernação e a cozinha.

A Apae oferece, ainda, caminhada, alongamento e hidroginástica. “Essas são atividades de saúde que antes eles não tinham. E esse público envelhece mais rápido que as pessoas que não têm deficiência”, disse Daliane.

Com o fim do trabalho de organização, a equipe da assistente social conseguiu criar um almoxarifado. O espaço permite maior controle dos itens utilizados nas demais oficinas e traz uma “organização visual” para facilitar a localização de determinados materiais quando procurados pelos assistidos.

Outra etapa da reformulação incluiu a armazenagem de pertences dos adultos em armários. Cada um tem um espaço com fotografia para guardar mochila, blusa ou outro item que tenha trazido de casa. Figuras e fotografias também estão espalhados pelos ambientes para facilitar o acesso, uma vez que a maioria dos assistidos não sabe ler ou tem dificuldades.

A Apae alterou a dinâmica de atendimento focando no individual. “Antes, tudo era feito no coletivo. Os assistidos eram divididos em grupos. E isso gerava dificuldades porque várias pessoas ficavam sem fazer nada”, disse Daliane.

Por essa razão, os assistidos participam de oficinas específicas. A criação de “agenda” é feita a partir dos perfis das pessoas, sempre com a preocupação de quais atividades elas podem – ou têm mais competências – participar.

Este é o caso da loja de fantasias, uma sala criada para manter todos os adereços e vestimentas utilizados pelo público da instituição em apresentações. Ao juntar todas as fantasias que estavam espalhadas pela unidade, Daliane disse que a equipe teve ideia de criar um espaço de locação.

A loja abre todas as terças-feiras e atende o público externo da Apae. Ela será administrada pelos assistidos. “Isso incentiva bastante eles a reconhecer o que é o feminino e o que é o masculino, os personagens e vai trazer uma renda financeira para a entidade manter esse projeto”, disse a assistente social.

O espaço entrou em funcionamento no dia 23 de fevereiro, com as primeiras locações feitas por ocasião do Carnaval. A divulgação do funcionamento será ampliada nos próximos dias. “A ideia é que os assistidos participem disso e que desenvolvam autonomia”, comentou Daliane.

Numa sala ao lado, a Apae criou um local para roda de conversa. O objetivo é dar vez e voz para os assistidos, de modo a verificar o que eles querem. “Nós sentimos que eles precisam falar e, muitas vezes, isso não acontecia. E isso é importante para eles e para relacionamentos”, contou a assistente social.

Conforme ela, não são raros os casos nos quais as pessoas adultas com deficiência têm filhos. Daliane disse que muitas famílias não sabem lidar com a situação. Também por essa razão é que o local pode ser compartilhado com os familiares.

A assistente social disse que a “grande questão” é o envelhecimento. “Os pais estão morrendo e os deficientes estão tendo de ser cuidados pelos irmãos. Ocorre que os irmãos não foram preparados para isso. Então, muda toda a estrutura familiar. Na conversa, nós ouvimos as angústias de todos”, comentou.

Outra utilidade para o espaço da roda de conversa é uma sala de espera entre o setor de fantasias e uma loja de roupas. A partir de sugestão do professor Pedro Couto – que atua em ações beneficentes –, a instituição resolveu criar um bazar diferente, para obter recursos com a venda de roupas novas e usadas.

“Nós pensamos em uma loja no sentido de termos armários que se parecem com os quartos dos assistidos. Então, a partir do momento que sabem identificar peça de vestuário, não sobrecarregar o cuidador”, disse a assistente social.

A loja realizou as primeiras vendas na sexta-feira da semana passada, dia 27 de fevereiro. A abertura especial contou com presença somente do público interno da Apae. “Eles estavam todos aflitos, querendo comprar”, contou Daliane.

Na sexta-feira, 6, a loja foi aberta pela primeira vez ao público externo. A loja também será administrada pelos assistidos, que devem “dar conta da demanda”.

Espaços compartilhados

Apesar de serem utilizadas pelo público com idade de 30 anos ou mais, as áreas do centro de convivência também são compartilhadas. Alunos da educação frequentam as oficinas de encadernação, artesanato e o espaço de dança.

Já os adultos têm exclusividade em atividades como a da cozinha. Na quarta-feira, 4, um grupo de alunas teve a primeira experiência de compra de alimentos. Na ocasião, mulheres como Ana Lucia de Camargo aprenderam a cortar e a servir uma melancia. “Gosto muito de estar na cozinha. Não sei quanto tempo estou na Apae, mas adoro ficar aqui”, disse à reportagem.

Também na cozinha, os assistidos são responsáveis por produzir o lanche que será consumido por todas as pessoas que frequentam o centro de convivência. As atividades são realizadas num espaço improvisado e devem mudar com a construção de uma cozinha própria, a partir de recurso obtido via projeto inscrito de cozinha experimental contemplado pelo Itaú Social.

Neste sábado, a entidade vai concluir a pintura de uma parte do chão que dá acesso às salas do novo centro. A atividade deve representar a última da reformulação.