A ORQUESTRA DO CÉU: UM TRIBUTO AOS MEUS AMIGOS MÚSICOS DE TATUí





De repente, em pleno sábado, dia 1º de novembro p.p., véspera de Finados, parte tão rápido o nosso amigo trompetista, cantor, dono de um gosto musical muito eclético, amigo, simples, humilde, bom de conversa, talvez o único tatuiano que me chamava de Luiz! Falo do meu amigo “Carioca”, ou Valter Leite. Foi tão rápido que nem deu tempo de me despedir oficialmente! Soube que fizeram uma homenagem através do grande trompetista Leopoldo Artuzo, muito justo e merecido!

E aí, eu fiquei pensando, será que Deus não estaria montando uma orquestra no céu para acompanhar o coro dos anjos? Pois Tatuí é conhecida como Capital da Música, possui um universo de vários estilos musicais e, como muitos músicos e musicistas já foram chamados, me veio a ideia de escrever este artigo como forma de homenageá-los.

Se pensarmos no estilo musical da “seresta”, temos cantando e encantando as noites, dias, de Tatuí nas praças, clubes, casas, os nossos queridos Seresteiros com Ternura com Inês, Adilson Pavanelli, João, Edson e Leo no acordeon. Mas, vamos relembrar os nossos cantores e violonistas daquele tempo: Osmil Martins, seu irmão Raul, Norberto (Conde), Noel Rudi, Ari Zani, Genimar Salles e José Carlos Severino (que ensinaram muita gente a tocar violão); Marivalton, Vadô Lua, José Carlos Oliveira, Nêgo, Joaquim Mistura, Edgar Vieira, João do Irineu, professor Paulo Ribeiro, Marcelo Diniz e outros.

Quero citar aqui um grande músico e seresteiro que levou e elevou o nome de Tatuí para milhares de lugares e com quem tivemos o prazer de vencer três festivais de música com a música “Flor Canção”, que é o grande Roberto Rosendo, que hoje vive sob os cuidados médicos de sua querida esposa na sua residência.

No cavaquinho, tivemos Wilson Bossolan, Zé Rolim e Caio. No bandolim, o Zé Fiuza; no acordeon, o Dom Hegar; na flauta, o Módena.

Na verdade, eu fui contaminado pelo som da Música no seu todo. Desde criança: sons da bandinha do Jardim da Infância, fanfarras, bandas de coreto, bandas de procissão, as “furiosas” como eram chamadas, com seus dobrados com cara de Interior; bandas de baile, corais; orfeão da professora Aline, professor José dos Santos; dos ensaios no Tatuí Clube e no anfiteatro do Barão de Suruí para a gravação da Sinfonia da Pátria com o Sonho de Anchieta, do qual ainda tenho o vinil. A apresentação no Cine Santa Helena, pois o Teatro do Conservatório de Tatuí estava em construção… tudo isso vindo num crescente dentro de mim, foi amor aos primeiros acordes!

Na década de 60, surgem em Tatuí, os então conjuntos musicais e aí começa a minha história musical. Me lembrei de uma noite em que passeando com a minha bicicleta Göricke preta, passei defronte a uma casa na rua Cel. Lucio Seabra de onde vinha um som de carnaval. Parei, fui ver o que era aquilo e vi um senhor baixinho, conhecido como João Meu, que era sapateiro de profissão e músico por paixão, tocando seu sax e mais alguns músicos ensaiando “mamãe eu quero” em um ensaio de carnaval. Naquele tempo, no carnaval, as músicas eram só com sopro e percussão e o cantor tinha de ser afinado e “bom de ouvido” para não sair fora do tom. Nesse tempo, já existia o Jazz Tro-lo-ló em Tatuí.

Mas o tempo vai passando e surge a Bossa Nova. Aparecem os conjuntos musicais para animar bailes em Tatuí, já que nesta época nós tínhamos os clubes Tatuiense, Recreativo, Tatuí Clube, Sociedade Italiana, Clube da Princesa Isabel e outros. Acredito que o precursor de música de baile com a influência da música americana foi o grupo Star Night. Já começava pelo nome em inglês e em pesquisa em meu acervo encontrei em jornais de 1992, no Stopim (caderno de “O Progresso de Tatuí”), uma entrevista com o José Roberto Bertrami. Lá, vi algumas fotos nas quais aparecem: o Márcio (bateria), Miguelito (contrabaixo), Eliseu (percussão), Zé Roberto (piano), Grilo (violão elétrico), Og (sax tenor), Carioca (trompete), Arnaldo Minghini (acordeon), Marco Coruja, Bastinho, Paulo Ferreira, Edilberto. Nos vocais: Ditinho Rolim e Geraldo Padre. E, na direção geral, o pianista Mario Edson!

Me lembrei de uma certa noite em que fui com a minha irmã, a professora Maria Eugênia, na casa da dona Nair, que era costureira, e do senhor Delfino Leite, para ouvir um disco que tinha chegado em Tatuí e que era o grande sucesso do mundo – Ray Conniff. Também foram a Maria Elisa Longhi e a Peti, que se apresentavam como vocalistas do Star Night.

Naquela noite, eu voltei alucinado com o som das vozes e dos instrumentos em seu “tchururu-tchururu” e nesta noite eu fiquei conhecendo o Valter Leite, pois foi na casa dele que eu ouvi esse som. Ele começou a estudar “piston” (trompete) no Conservatório e aí seguiu sua carreira musical e pelo sotaque, jeito diferente de falar, foi batizado como “Carioca”.

Tatuí começa a viver a febre dos conjuntos musicais. Surgem: “Os Tonais”, com Neves no órgão, Raul Martins no baixo, Miguelito na guitarra, Mario Tomé na bateria, e Dito Rolim nos vocais. E a primeira vez que eu os vi e ouvi foi no Clube Tatuiense durante um almoço beneficente!

Com o surgimento da Bossa Nova, esse gênero musical que mexeu com o mundo e colocou o Brasil no cenário internacional, em 1964, alguns músicos tatuianos se juntam e formam “Os Tatuís”: Zé Roberto Bertrami (piano e arranjos), Claudio Bertrami (contrabaixo), Eliseu Campos Vieira (bateria), Og Vasconcelos (sax tenor), Ivo Mendes (piston) e Aresky Arato (órgão), que gravaram um disco com 12 músicas ícones da Bossa Nova. Lá se vão 50 anos e graças ao meu amigo Eliseu consegui uma cópia em CD desta joia rara.

Nessa história musical, surge também a Jovem Guarda e a Beatlemania e nesse mesmo ano estávamos em uma festa junina no então Instituto de Educação Barão de Suruí, eu de padre e o Reizinho de coroinha, e surge na noite um grupo musical chamado “Pássaros Vermelhos”, que praticamente era o primeiro grupo na linha: guitarra-baixo-bateria-sax- e o “crooner” (cantor) e tocaram uma música do Renato e seus BlueCaps – “O meu primeiro amor”. Em seguida, o nome mudou para “Filtsons”, que foi formado por: bateria – Lauri e depois João Preto; guitarra-base – José Carlos Tambelli; guitarra – solo e vocal – Maurício; baixo – Isaac e depois Fia; órgão – Tato; pistons – Zé Paulo; e sax – Bigorna.

Cabe destacar aqui a presença do Sr. Ciro Tambelli, que foi um empresário que muito investiu em equipamentos e os colocava em muitos bailes e shows por todo o interior. Nesta proposta musical dos Filtsons, surge a época de uma banda em cada bairro. Eu mesmo, em 1965, numa brincadeira de casa na rua Santa Cruz, me juntei aos amigos Jarbas, Didi e surgem “Os Leopardos em Brasa” cantando em uma festa de aniversário a música “O Muro de Berlim”, dos The Jordans.

O mundo vive o nascimento dos The Beatles, The Rolling Stones, e a Maria Eugênia nos batiza de “The Jhonnies”, que teve, em sua primeira fase: José Erasmo Peixoto, Cacá Vasconcelos, Paulo Xocaira, Tatit, Toninho Bonga. A partir de 1970, ficaram na banda: Zé Emílio – teclado; Dirceu – baixo; Burt – guitarra; Didi – bateria; e na voz, Voss.

Na época, era uma banda de vanguarda, tocando muito rock’n roll, Mutantes e sons internacionais.

Na rua 15 de Novembro, em pleno domingo, às 9h, eu ia indo para a Missa dos Jovens, quando ouvi um som “chapado” para a época: “Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones”. Ali nascia, na casa do Cassiano, “Os Pinguins”: Cassiano – bateria; Geraldo Corinthinha – guitarra-base; José Carlos Mariano – guitarra-solo; José Francisco – baixo, que inclusive fabricou o seu, copiando o Hofner do Paul McCartney; Simeãozinho – órgão; e Celsinho – vocal.

Na Rua 13 de Maio, na casa do dr. Aniz e dona Modesta, o som rolava por conta do “Complexo 4”: bateria – Gerson Arato; contrabaixo – Anizinho “Tona”, depois substituído por Marinho Longhi, pois o Tona foi estudar medicina em São Paulo; guitarra-solo – Zé Gaiola; guitarra-base – Roni. O sucesso ficava por conta da cantora da banda, que era irmã do Zé e do Tona e prima do Roni e que cantava os sucessos da Silvinha, Vanusa e Wanderlea: a Picida.

Na Rua 11 de Agosto, em uma oficina de consertos de rádios e tv, ali ficava um senhor que foi o grande amigo, um quebrador de galhos nos consertos e reparos nas válvulas e amplificadores, também pistonista. Tratava-se do senhor Waldemar Olivieri, que foi formou duas bandas: “Supersom 4” (Bido – bateria, Firmino – guitarra e vocal, Claudinei – guitarra, e Miltinho da Farmácia – baixo). Nos anos 80, os Jhonnies se desfazem e o Voss e o Dirceu vão para o New Sound Six, em Cesário Lange, um grupo diferente, com estilo mais para bailes, usando equipamento importado com a seguinte formação: Og – órgão Hammond e piano Fender; Dirceu – com o baixo Fender; Zé Luis – na guitarra Hofner; João Preto – bateria Ludwig; Thiers – sax e flauta; Carlinho – piston, depois o João Xavier; na percussão – Carcule e Almir; na voz, Voss, cantando com microfone AKG, som Binson com eco e reverbe, para a época um super luxo. Para não ficar sem tocar, o Zé Emílio, a convite do seu Waldemar, monta o “Happy”, com: Moura – bateria, Roquinho – sanfona, Paulinho Bodo – guitarra e vocal, Toninho Don Josa – baixo, Valdir (irmão do Tato – órgão), Zé Emílio – teclado, Didi Sobral – guitarra e vocal. Além dela, tinha também o “Sol – Fá 6”, que era uma junção dos músicos de “Happy” e “Super Som 4”.

Lá no Alto do Santa Cruz surgem os “Six Boys” com Turibio – bateria, Marcão – guitarra base, Toninho de Pádua – guitarra solo, Adilson Pavanelli – baixo, Toniquinho – piston, e no vocal, Marinho Neto “Simonal”.

Nesse tempo, era comum shows nos cinemas e nas escolas, com títulos ousados como: Encontro da Juventude, Fornalha de Ritmos, Baile da Pesada, Vai ser uma Brasa, Mora!, onde a paquera rolava solta e às vezes pedidos de música anunciados no microfone, como se fosse um correio elegante musical.

Um trabalho musical mais harmonioso surge o Sexteto Bossa Noite e depois “O Sexteto”, formado por Eliseu – bateria, Mike – baixo, Geraldo – guitarra, Neves – teclado, Luizinho do Maruca – sax, Carioca – piston e vocal, e também a Anaciladei como cantora da banda.

E foi nessa época que eu fiquei mais íntimo do Carioca, pois pela dificuldade em se conseguir as letras em inglês na época, nós trocávamos entre nós, pois não existia curso de inglês, nem internet, era na pesquisa mesmo. O tempo não pára e o Neves veio a ser o diretor do Conservatório e montou uma orquestra com professores e músicos, a “SamJazz”, que fazia shows e acompanhava o Agnaldo Rayol nas festas-bailes. E assim fizemos muitas viagens, todos de ônibus, com o Paulo Taquara, Zé Luis Penatti, Neves, Carioca, Luizinho, Thiers, Caldana, João Preto, Cebola, João Xavier, Carlinhos Piston e muitos outros que não me recordo. Foram momentos inesquecíveis. Um tempo muito bom, muita troca de culturas, bagagem musical, pois cada um gostava de um estilo e a conversa durava a viagem inteira.

Quando o assunto era Carnaval, Tatuí sempre exportou músicos. Eu me lembro do: Oscar Preto, Pretanha, Arlindinho, Ari de Campos, Maé de Porangaba, Bá, Caio, Ico, Chicão da Maraca, Waldemar e Jordão Olivieri, Baroni cantor, Perci Porta, Geraldo, Zulu, Bola Rolim, Cainho e muitos outros.

E como diz o belo ditado popular, “ninguém fica pra semente”. Eu fiz questão de citar alguns músicos com os quais convivi, com eles cantei, passamos muitos momentos alegres e inesquecíveis.

Assim, se você ao ler este artigo se recordou de algum deles, talvez de um baile no qual eles estavam tocando e cantando e que a música serviu de pano de fundo para sua história de amor e amizades, não se esqueça de rezar ou orar por eles.

Pois se você analisar a Música, ela soa no ar num determinado momento e em segundos ela some, desaparece, ficando apenas o vazio e a emoção!

Aproveitando o dia 22 de novembro – Dia do Músico, quero aqui deixar grafado a minha grande homenagem e o meu total respeito a todos os músicos e musicistas desta terra, independente do seu estilo musical, da sua época, e ressaltar o seu trabalho, além de tudo, a sua arte, e que fizeram que de cada acorde um ponto para que Tatuí continue sendo conhecida nacional e mundialmente como Capital da Música!

Aos que estão vivos, pedimos que continuem a mostrar a sua arte. Os que já partiram já cumpriram sua agenda e que Deus os proteja.

E aos que não foram citados, que nos perdoem, fiz o possível para não deixar ninguém de fora do texto, mas se sintam representados!

Até o próximo baile ou até o próximo show. Como dizia Beethoven: “Quem ama a música não pode ser infeliz”.

Abraços a todos,

Voss