A imprensa e a liberdade





Recentes manifestações de alguns  setores, a pretexto da democratização da informação, voltam a insistir no controle da imprensa. E, mais uma vez, invocam o argumento da concentração de capital nos segmentos de jornais e emissoras de TV.

Quando se discute a imposição de limites à liberdade de imprensa, é sempre bom ter na memória o risco embutido nessa questão essencial para o pleno exercício da democracia. A história recente do país mostra o que acontece quando detentores do poder de tendência autoritária e avessos ao contraditório assumem o controle da mídia. Sem imprensa livre, cortaram-se os canais para a circulação de informação e impediu-se que chegassem ao conhecimento da sociedade fatos de fundamental importância, entre os quais violações de direitos humanos, planos mirabolantes de desenvolvimento econômico e outros desmandos praticados nos porões do poder público. Aliás, esse cenário repete-se, sem exceção, na história de todas as ditaduras que, entre as primeiras medidas, inclui o cerceamento da liberdade de imprensa.

Seria importante resfriar o clima que cerca essa discussão e levar o foco do debate para um ponto que poderia proteger a efetiva liberdade de imprensa, desestimulando novas tentativas de estabelecer controles danosos ao exercício da democracia. A exemplo de todos os campos da vida nacional, a imprensa está submetida ao império da lei, pois conta, ao lado de dispositivos que asseguram seu livre exercício, com contrapesos que previnem – e punem, quando for o caso – abusos que eventualmente venham a ser cometidos. E, também a exemplo de tantos outros campos da vida nacional, a imprensa também está enredada no cipoal em que se transformou a legislação brasileira, composta por  leis que não dialogam entre si, gerando insegurança, confusão e fragilidades que alimentam tentações de controle. Muitas datam de décadas, tendo sido promulgadas antes dos avanços tecnológicos que alteraram profundamente a comunicação social, que hoje corre instantaneamente pelo planeta, envolvendo os bilhões de pessoas que têm acesso a um computador, um tablet, um smartphone. Enquanto isso, o Código Brasileiro de Radiodifusão está em vigor desde os anos 60, normatizando o rádio e a televisão.

É das mais delicadas e sensíveis a proposta de discussão sobre um marco regulatório ou uma revisão das leis para a imprensa. Mas esse debate tem indiscutível papel estratégico para a consolidação do estado democrático de direito e para a sustentabilidade do pleno exercício da democracia. Exemplos dos países desenvolvidos e de longa tradição democrática indicam que coibir tentativas de impor censura à imprensa (seja de que tipo for) é tratar o problema pela metade. Nos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e Alemanha, leis específicas buscam generalizar o acesso à informação, assegurando a pluralidade de opiniões e a livre manifestação do pensamento. No Brasil, enquanto os dispositivos constitucionais sobre liberdade de expressão (artigos 220 a 223) aguardam regulamentação desde 1988, uma nova realidade enfatiza a urgência de se discutir com mais profundidade e serenidade o tema da liberdade de expressão e seus desdobramentos. Com o avanço do acesso à educação e à tecnologia da informação, a sociedade torna-se mais exigente e difícil de ser manipulada por grandes interesses, públicos ou privados. Passa a reivindicar transparência dos governos, das empresas e das organizações não governamentais – o que só será realidade com a imprensa livre. Não será empreitada fácil montar um código da comunicação social que compatibilize interesses e preserve direitos de todos. Tarefa que talvez se torne menos difícil se for transferida do sempre suspeito e polêmico discurso ideológico para o campo do direito, talvez mais árido, mas certamente mais eficaz para dar segurança ao setor e garantir o respeito aos direitos fundamentais da sociedade e do cidadão.

* Presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ) e do Conselho Diretor do CIEE Nacional.