À espera do milagre

Tal como a projeção de metas, o alcance de objetivos e a superação de antigos desafios, também é natural o renovar da esperança a cada virada de ano. E 2020 não se inicia de maneira distinta.

Contudo, talvez (e somente talvez), algo incomum possa começar a ocorrer: um pouco da perda da credulidade incauta e, por consequência, certo arrefecimento da manipulação do senso comum por meio de falsas e tendenciosas “narrativas”.

O “talvez” é, lamentavelmente, proposital na afirmação, até porque, pelo panorama geral, nada leva a crer que a população em geral já tenha percebido o poder e volume das fake news que recebe e encaminha diariamente, a todo instante.

De qualquer maneira, em apego às peculiaridades de Ano-Novo, fica a esperança. Pelo menos uma manifestação neste sentido pôde ser observada, nesta semana, em uma rede social de O Progresso.

Frente à notícia sobre o fechamento da Lopesco em Tatuí, a leitora questionou: “Os empresários e trabalhadores subservientes disseram que a reforma da Previdência era tudo que faltava para o país crescer???”.

Em que pese a generalização quanto ao empresariado (cuja imensa maioria está tomando tanta surra quanto os trabalhadores), a observação é coerente e oportuna, lembrando estar sendo vendida ao país, faz tempo (anos!), a ideia de que a tal reforma da Previdência, simplesmente, faria milagres, revertendo toda essa crise econômica.

Embora tenha a necessidade questionada por poucos – sindicalistas em particular, militantes mais sectários à “esquerda” e população mal informada em geral -, ainda é fundamental reconhecer a importância dessa reforma – a qual pode e deve contribuir com a minimização da crise.

Entretanto, crer que, por si só, ela já faria surgir um novo país – justo, austero economicamente e, em especial, próspero! – nunca passou de grande engodo, mais uma manipulação muito bem orquestrada por gente bem informada (embora, eventualmente, mal-intencionada) para convencer gente mal informada (embora, na maioria, bem-intencionada).

Por certo, essa “narrativa” (palavrinha da moda) perpetrou-se pelas redes sociais, fundamentada em muita fake news, além de ser ela própria uma falsidade em grande parte.

Pois bem: a reforma da Previdência está aí e, a despeito disso, nada de milagroso aconteceu. Por enquanto, a verdade (fato, não fake) é que as dificuldades para a maioria da população seguem incólumes.

Neste momento, Tatuí vivencia esta realidade em mais uma situação que não seria exagero classificar como “dramática”: a perda de mais de 300 empregos junto à Lopesco.

Conforme noticiado por O Progresso na edição de quarta-feira, 8, os mais de 300 funcionários da empresa Lopesco Indústria de Subprodutos Animal, do Grupo Adeste, foram dispensados na manhã de segunda-feira, 6. Eles atuavam na unidade situada na via municipal Antônio Lopes, 603, no bairro Rio Vermelho, em Tatuí.

Em nota encaminhada ao jornal no dia seguinte, terça-feira, 7, a assessoria de comunicação do Grupo Adeste confirmou o encerramento das atividades da unidade, responsável pela produção de envoltórios naturais.

De acordo com a nota, “a decisão foi tomada com base em análises mercadológicas, que revelaram a inviabilidade de manutenção da operação em função do cenário econômico global que impacta o setor”.

A empresa completaria 65 anos em Tatuí em 2020, tendo sido fundada em 1955, para a fabricação de envoltórios naturais a partir da tripa de boi.

A má notícia é grave. Mas, para não deixar lacunas obscuras, também é indiscutível a importância de se lembrar que, ao longo dos 11 primeiros meses do ano passado, a cidade gerou mais vagas de trabalho que as perdeu – conforme dados oficiais do Caged.

Foram 479 novos postos. Pode parecer pouco, mas, não. Fundamental é frear a crise, algo perceptível muito positivamente quando os empregos param de diminuir e voltam a aumentar, ainda que timidamente.

O caso Lopesco em Tatuí pode até ser pontual, dada a natureza dos serviços da empresa, “revisões estratégicas de gestão” etc. Mas, fato é (não fake) que, se a crise tivesse regredido, a empresa não fecharia as portas.

Também é fato (não fake) que as demissões devem impactar negativamente no volume de vagas formais em Tatuí – ainda que, oficialmente, os números não venham a ser todos contabilizados pelo Caged, por estar sediado fora do município o Grupo Adeste.

Outro fato (não fake) é que, alheia aos números do Caged, muita gente morando aqui perde trabalho e, assim, o poder de consumo, causando, por derradeiro, ainda mais fragilidade no comércio e na área de serviços.

Ou seja, a verdade (não fake) é que, para essa crise começar a ser combatida de maneira realmente contundente, a população, em geral, precisa parar de acreditar nos contos fake da carochinha virtual e assumir postura mais séria e crítica (no sentido literal, não raivoso, ofensivo).

Não dá mais para ficar parado, sujeito a falsas e politiqueiras “narrativas”, tal ovelhas crédulas à espera de milagres que nunca se manifestam.

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