70 famí­lias esperam ficar em área invadida





Cristiano Mota

Moradores do bairro deixaram casas alugadas em busca de ‘sonho de conquistar terra própria’

 

Márcia Moreira, 49, é mãe de 11 filhos. Rosineide Maria dos Santos, 39, tem 15 (sendo 12 vivos). José Roberto Galvão da Silva e o casal Aparecida Borges e Alberto Franco (que não informaram as idades) também possuem famílias.

Em comum, além do bairro onde moravam – e continuam a permanecer –, os cinco dividem um desejo manifestado em ação prática na quarta-feira da semana passada, 3.

Na data, eles invadiram uma área perto de onde residiam, pertencente à Prefeitura, na vila Angélica,. O grupo iniciou a demarcação do local porque espera obter o direito de construir moradia nele.

Até a manhã de segunda-feira, 8, o movimento contabilizava 70 famílias. São homens, mulheres e crianças que decidiram se fixar no local, um terreno em formato de “L”, que circunda uma madeireira. A área, situada entre as ruas José Gaspar e Danilo Medeiros Paes, está “tomada” por barracos.

A maioria dos ocupantes – eles não se autodenominam invasores e não se consideram sem-terra – já reside no bairro.

Em entrevista a O Progresso, eles enfatizaram que querem permanecer na localidade, uma vez que possuiriam emprego em áreas próximas. Destacaram que não querem propriedade em outro ponto do município e que buscam ficar livres do aluguel.

“Todos que estão aqui são da vila Angélica. Eu decidi vir para cá porque a casa onde moro não é minha. Tenho uma família muito grande e que divide três cômodos. Pagava R$ 350 de aluguel, que pesa bastante”, argumentou Márcia.

De acordo com ela, não existiu consenso entre os moradores para que houvesse uma “invasão programada”. Também segundo ela, os ocupantes escolheram o local depois de tomarem conhecimento de que a área pertencia à Prefeitura. “Como todo mundo precisa de um teto, viemos para cá”, disse.

Como os demais ocupantes tinham o mesmo objetivo: fugir do aluguel, a ocupante explicou que a procura cresceu, a ponto de muitas famílias aceitarem dividir a mesma porção de terreno.

“Muitas famílias abandonaram as casas de aluguel e não têm mais para aonde voltar”, disse a dona de casa, ao explicar o número de famílias que estão no local.

Conforme ela, o movimento não possui liderança. Entretanto, a ocupação segue critérios de organização. Cada terreno é dividido conforme metragem específica. Parte deles tem frente medindo cinco metros; outra, 6 m por 25 m (metragem padrão).

Márcia frisou que as famílias não querem briga com as autoridades. Também refutou a possibilidade de conflito entre os ocupantes e a Polícia Militar.

“Nós só queremos um teto, um lugar para morar, para viver. Estamos aqui em missão de paz. Isso aqui é um lugar para que possamos acolher os nossos filhos”, disse.

As 70 famílias estão abrigadas em moradias improvisadas. Contudo, o número de ocupantes pode ser maior. Conforme os moradores, a estimativa é de que 90 famílias estejam pleiteando terra para construir casas.

“De pessoa dá muito mais. Cada barraca tem cinco ou seis pessoas”, disse a dona de casa. O número está sendo verificado pela equipe da assistência social do município, que atua na Secretaria Municipal da Indústria, Desenvolvimento Econômico e Social. A pasta enviou profissionais para o levantamento da situação no dia 5.

Até a segunda-feira, 8, os ocupantes disseram não ter tido nenhum parecer. O grupo aguardava a presença do prefeito José Manoel Correa Coelho, Manu. A intenção era apresentar a solicitação da doação do terreno para as famílias diretamente a ele.

“Queremos somente verificar a possibilidade de ficarmos aqui, como ocorreu com uma residência ao lado. A Prefeitura não deu o terreno, mas o proprietário se alojou. Nós poderíamos ficar do mesmo jeito”, argumentou a dona de casa.

De modo a organizar o movimento, os ocupantes realizaram um cadastramento próprio. Anotaram em um caderno os nomes, as idades de cada um dos que estão nos barracos e os números dos espaços. Os dados são utilizados para controle do próprio grupo e não são os mesmos da assistência social.

“Eles só fizeram o cadastro, pegaram os dados e falaram que fizeram um cadastro novo. A maioria que está aqui trabalha”, comentou a dona de casa.

Aguardando a presença do prefeito (que teria sido anunciada por meio da imprensa regional), boa parte dos ocupantes não foi trabalhar na segunda-feira.

“Soubemos que ele (Manu) viria aqui conversar. Então, muita gente que trabalha carregando carga em caminhão, como motorista e ajudante, perdeu um dia de serviço e está arriscada a perder o emprego”, declarou ela.

De acordo com a dona de casa, todos os ocupantes com emprego trabalham próximos à região, ou pegam conduções para o serviço nas imediações. Por esse motivo, o grupo disse que não quer área em outro ponto da cidade.

Também por essa razão, Márcia argumentou que nenhuma das pessoas que estão no terreno da vila Angélica participou do movimento dos sem-terra em Quadra.

“Aquilo lá é outra coisa, não tem nada a ver conosco. Nós só estamos organizados, tanto que não temos líder, nem tem ninguém por trás”, adicionou.

Segundo a ocupante, o grupo decidiu fazer a demarcação dos terrenos para “evitar confusões”. Em função da divulgação da ocupação, no fim da semana passada, a dona de casa informou que o número de pessoas que estiveram no local aumentou.

Também disse que uma pequena parte apenas montou barraco e não permaneceu no local. Utilizando o controle, o grupo faz a verificação de quem se mantém na ocupação e quem apenas quis garantir espaço. Com a ausência prolongada, as famílias são repostas, e passam a ter preferência sobre o terreno.

A O Progresso, o prefeito informou que tomou conhecimento da invasão na semana passada e que, na segunda-feira, 8, o Departamento Jurídico da Prefeitura tomou providência. Manu confirmou que a Prefeitura já tinha verificado a situação do local, por meio da equipe da assistência social, na semana passada.

O prefeito também reconheceu que a área pertence à municipalidade. A informação extraoficial era de que o local seria de uma pessoa – não identificada – e que havia registrado boletim de ocorrência. Conforme Manu, o Executivo ingressou com ação de reintegração de posse do terreno.

A Prefeitura solicitou liminar para retirar as famílias do local. “Acredito que a reintegração acontecerá muito mais breve do que se imagina”, disse. Manu informou que a Prefeitura adotou essa medida com base na verificação da situação dos ocupantes.

Conforme ele, a maioria possui residência e mora no bairro. “A Prefeitura vai verificar como ajudar quem não tiver condições de ir para outro lugar”, ressaltou.

Manu disse, também, que não esteve na região. Ele enviou o secretário municipal de Governo, Segurança Pública e Transportes, Onofre Machado Júnior, para conversar com os ocupantes e dar ciência a respeito da decisão do Executivo.