2017, o ano das trevas?





Idade das Trevas, expressão cunhada por Francesco Petrarca (1304-1374), referia-se aos tempos obscuros da Idade Média: fome, atrocidades, guerras, governos fracassados sacrificando os povos, a barbárie imperando. Foram trevas na Europa, causadas em grande parte pela queda do poderoso Império Romano. Petrarca cunhou seu “as trevas”, em contraste à luz emanada nos tempos do classicismo da antiguidade.

Aproveitei-me da Idade das Trevas para lembrar que o mundo não caminha em linha reta, mas em ciclos, que aparentemente a história costuma repetir – talvez não como farsa pela segunda vez, como queria Marx, mas em sequências de fases diferentes, em que há crescimento em todos os seus aspectos, contra recaídas em períodos mais turvos. Com certeza, o termômetro dessas fases costuma tornar-se visível na filosofia, cultura, artes, às vezes o retrato de um declínio geral do pensamento e da falta de ideologias. Hoje, sobram as de segunda mão, as baratas de aluguel ou ainda as só de bandeirola, pela conquista do poder – leia-se cargos. Se esses ciclos têm duração maior ou menor, depende de como os observamos.

Podemos ver superciclos, como uma Idade, uma Era, e os menores, de um século, ou mesmo décadas – e por que não apenas um ano – embora o tempo, teimoso que só, não obedeça ao calendário gregoriano! São círculos que trabalham em âmbitos diferentes, cujo funcionamento o homem nunca vai compreender, apenas observar e interpretar.

Não penso – e não viverei para ver, claro – que 21 será o Século das Trevas, e menos ainda o espero para o futuro. Mas a confusão ideológica – ou o que sobrou das ideologias, cujos nomes são tomados em vão insanamente – dá uma demonstração de que ao menos 2017 será um ano atípico. Torço para que se salve das turbulências alguma coisa de bom aqui e ali. Se tivemos o classicismo antigo e a Idade das Trevas, também o mundo desfrutou do século 18, “das Luzes”, que com a filosofia dos iluministas nos trouxe Kant, Descartes e Rousseau. O iluminismo trouxe bandeiras de liberdade, progresso, democracia constitucional, ideias que impregnaram o pensamento político de Franklin, além de influenciar sobremaneira a declaração de independência americana de Jefferson, em 1776. Era o começo das grandes mudanças, como o “liberté, egalité, fraternité” da revolução francesa (1789-1799), que norteou várias outras, como a Inconfidência Mineira, sufocada pela Coroa portuguesa em 1789.

O século 18 trouxe-nos Bach, Mozart e Beethoven, o que por si já justificaria a música de toda uma era. Molière e Racine marcaram o teatro, entre muitos outros. Os desdobramentos avançaram sobre o século 19, um período de expansão em toda a filosofia e artes, novas discussões que chegaram a Hegel, depois Marx e Nietzsche. A música transpunha até os limites do tonalismo, quebrado por Richard Wagner, e a literatura teve Twain, Balzac, Hemingway e uma legião de outros.

Essa riqueza toda ainda prosperou muito no século 20, com gênios musicais como Stravinsky, revolucionários como Schönberg e experimentalistas como Cage. No Brasil e nos EUA, na música popular, o jazz, o rock, a bossa nova florescendo em 1950, depois do período áureo do samba, com Pixinguinha, Noel Rosa, Ataulfo. A chamada “linha evolutiva” (se é que há evolução em arte) chegou à MPB e ao tropicalismo, mas depois entrou em visível desaceleração. A efervescência diminuiu, fracassaram as rebeliões à francesa de 1968 e depois a União Soviética. Caiu o muro de Berlim, escassearam as ideias e os pensadores pouco influenciavam o mundo. A estiagem não foi total, claro, mas atingiu todas as áreas do conhecimento, incluindo a filosofia e as artes, compondo um retrato fiel do represamento das ideias.

Penso no mundo de 2017. Há ameaças, com Trump, Putin e Brexit, há um tabuleiro de potenciais conflitos aqui e ali, o recrudescimento do terrorismo, racismo e xenofobia, um retrocesso do pensamento com poucas saídas. Será um ano imprevisível, mas temos de apostar no bom-senso de todos. Mas está tudo tão longe de nossas mãos, e, pior, são tempos em que qualquer ventania mais forte abalará o Brasil, pois o mundo já não é feito de compartimentos incomunicáveis, nenhum país é uma ilha (parafraseando “No Man is an Island”, de John Donne).

Mas e o meu Brasil brasileiro? A varrição de parte significativa da corrupção endêmica, para o bem do povo e felicidade geral da nação, tem a contrapartida da onda de massacres entre facções nos presídios, crise surrealista que tem seus limites por cruel que possa soar, na população carcerária e por acontecer entre altos muros – isso, em tese. Mas a queda da inflação, mesmo que diminuta, abriu espaço para a esperada baixa da taxa Selic. Ato contínuo, o PIB ensaia um avanço ainda muito tímido, mas bem-vindo ante a queda de 6%, de janeiro a outubro de 2016. Bastou para caírem os juros, o dólar arrefecer, as bolsas mostrarem flutuação moderada, com tendências positivas. Há maior procura por empréstimos para compra de imóveis e autos usados – importante, os mercados imobiliário e automotivo são os grandes propulsores de novos postos de trabalho e, na ponta destes, geradores de impostos, com ênfase no Estado de São Paulo. Isso produzirá efeitos ao longo do ano no consumo, gerando benefícios para o comércio e a economia combalida dos Estados. Quero crer que este não será o ano das trevas, mas as melhoras que esperamos deverão ser “como a pluma, precisa que haja vento sem parar”, como diz Vinicius de Morais em “A Felicidade”.