Da redação
Neste sábado, 9, e no próximo sábado, 16, com ambas sessões iniciadas às 14h30, o Museu Histórico “Paulo Setubal” de Tatuí terá exibições de dois filmes do cineasta Juan Siringo como parte do projeto “Cinema à Deriva” do pesquisador Felipe Abramovictz. A entrada é gratuita.
“Chico, o Leve” (1967) e “A Nova Gente” (1969) são as obras em destaque a serem apresentadas pelo curador Felipe Abramovictz, que objetiva “preservar e resgatar as obras de Juan Siringo, devolvendo acesso ao público a essas produções”.
O projeto “Cinema à Deriva” de Abramovictz foi contemplado pelo Edital de Cultura nº 02/2023 “Seleção e Premiação de Propostas de Circulação de Trabalhos Artísticos, exceto Música”, da Prefeitura, sendo uma iniciativa do curador que, desde 2018, tem procurado demonstrar ao público a relevância dos trabalhos do cineasta.
“O edital nos permite difundir as obras recuperadas com recursos próprios, apesar das grandes dificuldades geradas pelo estado precário de conservação do material. Espero que possa inspirar um olhar mais atento para a preservação do patrimônio audiovisual em Tatuí”, comenta Abramovictz.
Felipe revela que será a primeira vez que as obras serão exibidas em seu formato 8mm, e ressalta a exclusividade da obra nesse formato. “Destaco que, ainda que parte dos filmes tenha sido exibida em São Paulo na mostra que organizei na Cinemateca Brasileira, as obras realizadas em 8mm em 1960 por Juan Siringo nunca foi exibida publicamente e terá sua estreia na sessão em Tatuí”.
Siringo e Abramovictz
Juan Siringo, argentino nascido em Mar Del Plata em 1939 e residente no Brasil desde o fim dos anos 1950, iniciou sua carreira cinematográfica nos anos 1960 com o média-metragem “À Deriva” (1965-1966), marcado por influências das vanguardas europeias e roteiro colaborativo com o poeta Lindolf Bell. Com trilha sonora de estreia da cantora Tuca e participação da atriz Karin Rodrigues, o filme foi exibido em festivais nacionais e internacionais. Em 1967, Siringo ganhou destaque com o curta “Chico, o Leve”, premiado pelo Instituto Nacional de Cinema após sua exibição no Festival de Karlovy Vary, na República Chéquia.
O longa-metragem de estreia de Siringo, “A Nova Gente” (1968), abordou os levantes estudantis em um período de intensas mobilizações políticas. No entanto, o filme enfrentou a censura do Ato Institucional nº 5 em 1969, sofrendo cortes que impediram seu lançamento comercial, mesmo após tentativas do diretor. Nos anos seguintes, Siringo colaborou com Alfredo Sternheim em projetos como “Paixão na Praia” (1971) e “Anjo Loiro” (1973).
Em 1978, Siringo dirigiu “Pecado Sem Nome”, com Raul Cortez e Sandra Barsotti, inspirado em uma notícia de jornal sobre a marginalidade. Além do cinema, dedicou-se à literatura, escrevendo contos como “Chuvas de Setembro” e “A Dama do Brás”, e peças teatrais como “Íntimos Desconhecidos” (sob o pseudônimo Antonio Renzo) e “Gulosos e Guloseimas”, que, mesmo premiadas, permanecem inéditas.
Por sua vez, Felipe Abramovictz é doutorando em Multimeios pela Unicamp, mestre em Comunicação Audiovisual pela PPGCOM-UAM e graduado em Comunicação e Multimeios pela PUC-SP, com especialização em patrimônio audiovisual pela DiPRA, em Buenos Aires, e formação em teatro pelo Conservatório de Tatuí. Autor do livro Cinema É Sonho (2023), dirigiu e montou os documentários “As Imagens de Aury” e “Valsa de Julho”, e atua como co-roteirista e diretor de fotografia do longa “Trópico de Leão”, em fase de finalização para este ano.
Abramovictz dedica-se à preservação do acervo de Expedito Lima, superoitista paulista que produziu dez longas entre os anos 1970 e 1980, e prepara um livro sobre ele intitulado Cinema É Sonho, viabilizado pelo PROAC. Sua pesquisa resultou em mostras organizadas na Cinemateca Brasileira, na Assembleia Legislativa de São Paulo e no Centro de Memória do Circo, além de projetos relacionados aos acervos de Juan A. Siringo e Otoniel Santos Pereira, que permitiram a recuperação de materiais fílmicos.
Com base nessas pesquisas, foi curador das mostras “Otoniel Santos Pereira – Cinema de Pele e Osso” e “O Cinema à Deriva – Juan Siringo”, realizadas na Cinemateca Brasileira. Abramovictz também organizou a retrospectiva completa “André Luiz Oliveira – Cinema de Dentro”, exibindo mais de 30 obras, e a mostra “Luna Alkalay – Fantasias do Real” (2024), destacando sua contribuição ao cinema.
O objetivo de suas iniciativas é “reforçar o compromisso com a preservação e a divulgação do patrimônio audiovisual, contribuindo para a memória e valorização da produção cinematográfica independente no Brasil”, revela.
Felipe Abramovictz conheceu Juan Siringo em 2018, quando o entrevistou em busca de informações sobre os curtas realizados pelo cineasta na década de 1960. A entrevista aconteceu no antiquário de Siringo, onde ele mostrou a película de “Chico, o Leve”, encontrada recentemente em um leilão por um amigo. Com experiência em projetos de preservação audiovisual, Abramovictz se comprometeu a digitalizar o filme, dado o bom estado do material.
A visita à casa de Siringo revelou um acervo mais extenso, com rolos em 8mm, 16mm e 35mm em condições precárias. Considerando a relevância histórica dessas obras, Abramovictz tem se dedicado à sua recuperação. Essa iniciativa conecta-se ao trabalho de preservação de outros acervos realizados por Abramovictz, incluindo os de Expedito Lima e Otoniel Santos Pereira, reforçando sua atuação na conservação da memória audiovisual.
A colaboração com Siringo evoluiu para além da preservação: a amizade impulsionou o cineasta a retomar planos de filmagem, e os dois têm trabalhado em um novo roteiro. A trajetória de Abramovictz em projetos de curadoria e preservação reflete um compromisso contínuo com a valorização do cinema independente e a revitalização de obras marcantes na história do audiovisual brasileiro.
O envolvimento com Siringo integra o contexto de iniciativas de Abramovictz como pesquisador e curador em mostras e eventos na Cinemateca Brasileira, além de publicações e projetos futuros, como a já citada “Trópico de Leão” e as mostras sobre outros cineastas brasileiros.
As obras
Para a mostra “Cinema à Deriva”, o público poderá conferir uma seleção de filmes que destacam a trajetória do cineasta, desde seus primeiros experimentos até obras mais populares. Confira uma descrição breve a seguir.
“À Deriva”
Um drama existencial e experimental, baseado em um conto de Lindolf Bell, que acompanha a luta interna de um jovem frente à sua realidade. Com 37 minutos em preto e branco, “este média-metragem simboliza a fase de experimentação artística de Siringo”, revela Abramovictz.
“Chico, o Leve”
Inspirado em um conto de Enrique Anderson Imbert, o filme aborda a vida de um casal pobre em um ambiente de seca, culminando com a misteriosa levitação do protagonista. Essa obra de 16 minutos, também em P&B, foi premiada e é uma das mais debatidas do cineasta.
“Pecado Sem Nome”
Um longa-metragem de 87 minutos em cores, inspirado em uma notícia policial, que retrata a marginalidade urbana e desvenda um crime intrincado. Estrelado por Raul Cortez e Sandra Barsotti, o filme explora temas de traição e ilegalidade.
“A Nova Gente” (trechos)
Exibição de 9 minutos de uma obra que combina dilemas políticos e amorosos de um estudante, refletindo o cenário político da época.
Além de trechos de filmes 8mm e 16mm do cineasta, que são compilações que apresentam registros dos bastidores de “À Deriva”, cenas documentais de São Paulo, incluindo a construção do MASP, e um documentário inacabado sobre Ouro Preto. Além disso, materiais filmados em Mar del Plata oferecem um vislumbre do olhar documental de Siringo durante os anos 1960.
O impacto contemporâneo
Para Felipe Abramovictz, as obras de Juan Siringo mantêm um diálogo com a contemporaneidade por meio de sua diversidade temática e abertura à experimentação, especialmente em seus primeiros trabalhos em 8mm e 16mm, como “À Deriva”.
De acordo com o pesquisador, essa abordagem reflete um cinema que busca “transcender o tempo”, abordando reflexões existenciais e conflitos internos que continuam a ressoar nos debates artísticos atuais. Abramovictz destaca “Chico, o Leve” como um exemplo marcante, pois “a obra incorpora o realismo fantástico, uma característica central da cultura latino-americana, ecoando as raízes argentinas de Siringo e sua imersão na cultura brasileira”.
Para o pesquisador, essa fusão de influências e a exploração de temas como resistência, identidade e transcendência em meio a adversidades sociais tornam os filmes de Siringo relevantes tanto como registros históricos quanto como peças que inspiram novas interpretações.
“Os filmes do cineasta continuam a dialogar com a atualidade por meio de seu experimentalismo e da maneira como abordam questões universais que ainda encontram eco na arte contemporânea e nas discussões sobre a condição humana”, comenta Abramovictz.
Serviço
O Museu Histórico “Paulo Setúbal”, está situado na praça Manoel Guedes, 98, no centro.