Mostra organizada por tatuiano na Cinemateca de SP deve vir a Tatuí

Com curadoria de F. Abramovictz, evento tem cinco trabalhos de argentino

Censurado sob o AI-5, longa "A Nova Gente" está na mostra e retrata os levantes estudantis de 1968 no mundo
Da redação

“O Cinema à Deriva” é o nome da mostra que acontece neste domingo, 26, na Cinemateca de São Paulo, e virá a Tatuí em breve. A iniciativa tem a estreia primeiro na capital, mas, na sequência, contará com programação na Cidade Ternura.

A mostra foi contemplada pelo edital 02/2023 do MHPS (Museu Histórico “Paulo Setúbal”), que premiou propostas artísticas e culturais, selecionadas para integrar o 3º Festival de Arte e Cultura de Tatuí.

“Esperamos em breve anunciar as datas das ações na cidade. Através das iniciativas, pretendemos debater a importância da preservação audiovisual”, iniciou o artista de vídeo, montador e pesquisador do cinema brasileiro Felipe Abramovictz, responsável pelo projeto.

Ele organizou a mostra em parceria com a diretora e roteirista Luna Alkalay. O evento presta homenagem ao diretor argentino Juan Siringo, a quem o artista conheceu em 2018.

Na época, Abramovictz explica que realizava pesquisa sobre uma cena de um curta-metragem da década de 1960. Para o trabalho, entrevistou o também ator, radicado no Brasil.

“Na ocasião, mesmo após inúmeras tentativas, não tinha visto nenhum de seus filmes, já que nenhum deles circulava e não havia registros de exibições nas quatro últimas décadas”, contou.

Por conta do trabalho, o pesquisador se tornou amigo de Siringo. E, em conjunto com o artista, passou a garimpar rolos perdidos no apartamento do cineasta “em meio a uma infinidade de objetos”. “Juan gerencia um antiquário, especialista no estilo ‘art déco’”, revelou.

Ao longo de mais de um ano, localizaram textos, roteiros, contos e materiais em película dos filmes produzidos pelo argentino. “Ao abrir a lata 35 mm que conservava seu primeiro longa, ‘A Nova Gente’ (1969), pude ver o filme virar pó em minhas mãos”, lembra Abramovictz.

O pesquisador ainda relata que, dos encontros com o argentino, surgiram “boas novidades”. Uma delas é a localização da banda sonora do média-metragem “À Deriva” (1965)

Em paralelo, Abramovictz iniciou a recuperação das obras, o que envolveu a digitalização e o restauro de parte do material fílmico, textos, fotos e roteiros. Conforme o artista, uma parte do trabalho foi desenvolvido em Tatuí, onde está armazenado o acervo.

Além de Luna, auxiliaram no processo Victória Lobo, Ademar Machado e a equipe da Cinemateca Brasileira. O resultado será apresentado na mostra que celebra a primeira etapa da iniciativa de resgate da vida e obra de Siringo.

“Esperamos, em breve, que novos materiais possam ser restaurados e incluídos numa próxima mostra”, antecipou o pesquisador.

Na Cinemateca Brasileira, a mostra inclui a exibição de cinco filmes digitalizados. Entre eles, está o média-metragem “À Deriva”, de 1965 (cujo roteiro foi criado em parceria com o poeta Lindolf Bell; com trilha concebida pela cantora Tuca e tendo a atriz Karin Rodrigues no elenco).

Também será exibido o curta “Chico, o Leve”, de 1967 (adaptação de conto de Enrique Anderson Imbert, com referência direta ao realismo fantástico), assim como trechos de filmes do artista realizados em 8 mm e 16 mm no início da década de 1960.

Na sequência, o público poderá ver o longa “Pecado Sem Nome” (1978), protagonizado por Raul Cortez e Sandra Barsotti. Na abertura, haverá projeção de imagens recuperadas do longa “A Nova Gente” (1969), cujo lançamento comercial foi inviabilizado por cortes da censura.

“A mostra tem como objetivo promover o resgate da memória do cineasta, roteirista, fotógrafo e escritor que, mesmo tendo feito filmes relevantes no debate artístico, carece de maior reconhecimento”, argumenta Abramovictz.

Segundo ele, a exibição se mostra “fundamental para que os filmes possam, enfim, ser vistos novamente pelo público e debatidos na presença do cineasta”.

Atualmente, o pesquisador coordena outras quatro iniciativas ligadas à preservação audiovisual, todas ligadas aos acervos de cineastas. São eles: André Luiz Oliveira (Cinema de Dentro), Otoniel Santos Pereira (Cinema de Pele e Osso), Expedycto Lyma (projeto Cinema É Sonho) e Luna Alkalay (https://www.asuspeita.com.br/cristais-de-sangue), resultando em mostras realizadas ao longo deste ano.

“O acervo de Juan Siringo foi o projeto mais desafiador. Os filmes apresentavam um estado de conservação muito precário e a digitalização foi um grande desafio para todos os envolvidos”, conta.

Juan Siringo teve longa trajetória nas artes. Além de cineasta, foi fotógrafo e dirigiu espetáculos musicais. Foi colaborador da Rhodia (indústria química) e publicou as peças teatrais “Íntimos Desconhecidos” e “Gulosos e Guloseimas”, e, ao lado de Alfredo Sternheim, colaborou no roteiro dos longas-metragens “Paixão na Praia” (1971) e “Anjo Loiro” (1973).

O artista começou a trajetória no cinema nos anos 1960, quando dirigiu o média-metragem “À Deriva”, que circulou em diversos festivais no país e no exterior.

Também assina o curta “Chico, o Leve” (1967), que o levou para o debate cinematográfico, em especial após ser exibido no Festival de Karlovy Vary e premiado pelo Instituto Nacional de Cinema.

Em 1968, produziu o longa-metragem de estreia, ainda inédito, intitulado “A Nova Gente” (1969), ficção que trazia à “tona todo um contexto de levantes estudantis”.

Em 1978, dirigiu “Pecado Sem Nome”, com Miriam Lins, Dorothy Lenner, Neusa Maria Faro e J.C. Violla, um “retrato da marginalidade” inspirado em notícia de um jornal popular.

A mostra em São Paulo será composta por duas sessões, sendo a primeira às 15h e a segunda, às 17h. Em seguida, haverá bate-papo com os organizadores e o realizador, Juan Siringo.

A Cinemateca Brasileira está localizada no largo Senador Raul Cardoso, 207, na vila Mariana. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 5906-8100 ou na página do evento: https://www.cinemateca.org.br/series/o-cinema-a-deriva-de-juan-siringo/.