Mitos e desinformação a serviço das doenças

O avanço da gripe no Brasil, especialmente com a chegada do inverno, volta a indicar um alerta que há tempos deveria ser definitivo: a vacinação é uma medida de saúde pública essencial, cujos benefícios ultrapassam a proteção individual.

No entanto, mesmo com campanhas anuais, o país enfrenta a recorrente resistência de parte da população em se vacinar. Dados do Ministério da Saúde divulgados no início de junho deste ano apontam que apenas 44% do público-alvo tinham recebido a vacina contra a gripe até esse momento, índice muito abaixo da meta de 90%.

Isso acontece mesmo diante de mais de 9.200 mil hospitalizações pela síndrome respiratória aguda grave (SRAG) provocadas pelo vírus Influenza até então.

Para a infectologista Rebecca Saad, coordenadora do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim” (Cejam), a principal barreira para a ampliação da cobertura vacinal ainda é a desinformação.

Mitos persistentes seguem comprometendo a confiança de parte da população na vacina, mesmo com evidências científicas e estatísticas que demonstram sua segurança e eficácia.

“A baixa adesão está fortemente ligada a mitos antigos, que continuam impactando a decisão de muitas pessoas. É fundamental esclarecer esses pontos para ampliar a cobertura vacinal e reduzir o número de casos graves e internações”, afirma a especialista.

Entre os mitos mais difundidos, há o temor de que a vacina possa causar a própria gripe. Trata-se de uma confusão comum, mas sem fundamento técnico: a vacina é composta por vírus inativados, ou seja, mortos ou fragmentados, sem qualquer capacidade de provocar a infecção.

Eventuais sintomas leves, como febre, dor muscular ou mal-estar, são respostas naturais do sistema imunológico ao estímulo vacinal.

Como explica Rebecca, em alguns casos, a percepção equivocada de que a vacina causou gripe ocorre quando a pessoa já estava incubando outro vírus respiratório antes da aplicação. Associar isso à imunização é um erro de interpretação, e precisaria impor a necessidade de campanhas educativas.

Outro equívoco recorrente é a falsa ideia de que pessoas saudáveis não precisam da vacina. Mesmo indivíduos sem comorbidades podem desenvolver formas graves da doença, além de contribuírem para a propagação do vírus aos mais vulneráveis, como idosos, gestantes, crianças pequenas ou portadores de doenças crônicas.

Em relação à frequência da imunização, a necessidade de vacinação anual também é frequentemente ignorada. Isso se deve à mutação constante dos vírus influenza, o que torna indispensável a atualização anual da fórmula da vacina, baseada em recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e adaptada às cepas que circulam no hemisfério sul.

A desinformação também atinge grupos que deveriam ser priorizados. É o caso de gestantes, bebês e pessoas com doenças crônicas, erroneamente tidas por alguns como não aptas à imunização.

A infectologista é clara: gestantes podem e devem se vacinar em qualquer fase da gravidez. O benefício é duplo: protege a mãe e transfere anticorpos ao bebê, que ainda não pode ser vacinado nos primeiros meses de vida.

Quanto às crianças, a vacina é recomendada a partir dos seis meses de idade. Pessoas com doenças crônicas respiratórias, cardíacas, metabólicas ou imunológicas também precisam estar entre os primeiros a se imunizar, pois a gripe tende a agravar seus quadros clínicos, aumentando os riscos de internações e óbitos.

Outro ponto frequentemente explorado de forma equivocada é a diferença entre as vacinas oferecidas na rede pública (trivalente) e nas clínicas privadas (quadrivalente). Ambas são eficazes e seguras.

A diferença está na cobertura: a trivalente, disponível gratuitamente no SUS, protege contra três tipos de vírus influenza; a quadrivalente, que inclui uma linhagem a mais de Influenza B, é oferecida mediante pagamento em clínicas privadas.

A médica Rebecca Saad sustenta que, para quem faz parte do público-alvo da campanha nacional, a vacinação gratuita já representa uma ampla proteção e deve ser aproveitada.

Há ainda um aspecto que se torna cada vez mais evidente diante de experiências recentes: a vacinação em massa é uma das medidas mais eficazes para conter surtos e prevenir epidemias.

A pandemia da Covid-19 e, antes dela, a da gripe Influenza A (H1N1), em 2009, são exemplos de como campanhas de vacinação em larga escala foram determinantes para salvar vidas e evitar o colapso dos sistemas de saúde.

“A vacinação tem um papel fundamental na prevenção de surtos e no controle de epidemias. O caso da H1N1 demonstrou, na prática, como a imunização em larga escala pode salvar milhares de vidas”, lembra a médica.

Entretanto, não basta disponibilizar a vacina. É necessário facilitar o acesso, quebrar barreiras logísticas e ampliar a conscientização.

Rebecca destaca a importância de campanhas em locais estratégicos, como estações de transporte, escolas e empresas, que aproximem a vacinação do cotidiano da população. Essa logística descentralizada é, atualmente, uma aliada indispensável para ampliar a cobertura vacinal.

O recado, portanto, é direto: a vacinação contra a gripe é uma ferramenta comprovadamente segura, eficaz e essencial para proteger a população, especialmente em períodos de maior circulação viral, como o inverno.

A recusa vacinal baseada em mitos e desinformação tem impacto real sobre a saúde coletiva. E quando a decisão individual compromete o bem-estar da comunidade, trata-se de um problema a ser combatido com responsabilidade e informação.

Nesse sentido, campanhas como a realizada pelo Cejam — instituição filantrópica que atua há mais de três décadas em parceria com o poder público na área da saúde — desempenham um papel essencial ao valorizar a imunização.

A ação, articulada com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), também exemplifica que saúde pública exige esforço contínuo de educação, acesso e confiança da população.

Vacinar-se não é apenas um gesto de proteção pessoal: é uma atitude coletiva, de cuidado com os mais vulneráveis e de compromisso com o bem-estar comum.

Diante dos dados, da ciência e da experiência recente, não há argumento que justifique a recusa sem fundamento. Vacinas salvam vidas. A gripe é uma doença séria, que pode ser evitada. E não há tempo – nem saúde e recursos públicos sobrando – para hesitação.

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