Durante muitos anos, tive sempre uma certa dificuldade em captar a mensagem do Natal. Quando menino, ouvia as mais diversas explicações, dos adultos: “é o nascimento do nosso Senhor”; “é a data mais importante do mundo”; “é tempo de amor e de paz”; “é dia do papai Noel trazer presentes”. Como não hesitar diante de tão desencontradas respostas? Se é aniversário de alguém, cabe a nós dar presentes, não? Se é a data mais importante do mundo, por que os governantes não vão para a televisão falar sobre ela? Não, não pode ser um tempo de amor e paz, afinal, trata-se de um dia (ou uma noite). Além disso, tempo de amor e paz não é nunca, ou deveria ser sempre. Ou quase sempre, pois era preciso descontar quando eu sentia raiva do meu irmão, por usar minhas camisas, do meu pai, por me bater de cinta, ou da minha mãe, por me obrigar a comer quiabo.
Sobrava a resposta mais plausível, mais razoável, pelo menos para uma criança: era dia de ganhar presente. Isso implicava acreditar que, durante a noite, um homem velho, com barbas longas, silenciosamente pularia o muro, abriria a janela, entraria na sala da sua casa e deixaria presentes sob a árvore. Não, não lá em casa. Não havia árvore. O presente era deixado no pé das nossas camas. Ele, portanto, saltava o muro, entrava na casa, atravessava o corredor, abria a porta do nosso quarto, no escuro (os cachorros não latiam, os patos não grasnavam, o galo não cantava) e deixava o presente de cada um no lugar certo. Era adorável, mas não havia como não questionar tudo isso. Olhávamo-nos, meu irmão e eu, titubeantes frente àquelas incoerências. Mas, como o crente diante da teoria do criacionismo, deixávamos as lacunas e as contradições óbvias de lado e agarrávamo-nos na única certeza que interessava: ganhamos presentes!
Outra coisa era igualmente impactante. Na noite de Natal, pairava um clima de assustadora tranquilidade: meus pais falavam com a voz mais pausada e éramos acarinhados com mãos nos cabelos e beijos nas bochechas. Só depois descobri que essa mudança de atitude era produzida pelo “clima de Natal”. Que se, no dia seguinte, a impaciência e os ruídos voltassem aos níveis normais, ninguém questionava. O clima era o que era: só uma brisa passageira. Mas era tão bom!
Décadas se passaram e, é lógico, busquei repetir toda essa encenação com meu filho. Não importava o quanto eu o deixava confuso com a minha separação da mãe dele, nem com as minhas explosões diante de suas perguntas sofridas; muito menos com as minhas ausências cada vez mais longas da sua pequena vida. No dia de Natal, havia festa e presentes e o papai Noel. Abraços, palavras tremidas pela emoção, promessas de amor e paz.
Hoje, distraio-me buscando a mensagem de Natal nas memórias dessas décadas de eventos repetidos. E de tanto perscrutar, percebo agora que havia uma coisa a mais que sempre me escapou. Na ceia, em um certo momento – curto, distraído – alguém lembrava, mesmo que para fazer algum tipo de graça, de Jesus. E eu me lembrava da história de seu nascimento. Não me refiro à estilização ficcional da vaquinha, da manjedoura, dos três reis magos. Vinha-me à mente o medo de José e Maria, o desamparo, o frio, a incerteza quanto ao que ia acontecer. Aquele menino chorando, a mãe aliviada da dor, mas angustiada com o momento seguinte; o pai atento e aflito. Esse instante na noite perdida no tempo – ou apenas criada pela imaginação – resume para mim a mensagem do Natal: há alguém, agora, sempre, nascendo em perigo, e viverá em perigo, sem que isso seja absolutamente necessário. Alguém vindo de uma mãe e de um pai, que não espera nada da vida, apenas está aí, porque foi gerado. E tudo o que será dele depende de como o trataremos e do que seremos para ele. O primeiro milagre de Jesus foi tornar Maria mãe e José, pai. E esse é o começo e a possibilidade de tudo.
* Doutor em educação histórica pela UFPR e professor no curso Positivo