Menos pancadas

Com os números de 2019 ainda em aberto, há a expectativa de que a violência contra a mulher tenha nova elevação em balanço do Ministério da Saúde. Isto levando-se em conta a curva ascendente, identificada pelo órgão por meio do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação).

O estudo indica que, em 2018, ocorreram 145 mil casos de violência contra a mulher no país (física, sexual, psicológica e de outras naturezas). A soma corresponde a uma agressão a cada quatro “minutos”…

A expectativa negativa, por sua vez, não se assenta, em absoluto, a quaisquer indisposições políticas, mas tão somente aos boletins de ocorrência já divulgados mensalmente. Ou seja, não há dúvida: as agressões estão aumentando.

E, aqui, a especulação: crescem pelo clima de hostilidade, intolerância e machismo, por um lado, e, por outro, pela sensação de impunidade em áreas específicas, sobretudo nas concernentes às “minorias” (e, antes que já confundam, minorias, em termos sociais, tem a ver com representatividade, não com números absolutos).

Diante dessa realidade, Tatuí vivencia uma experiência tão necessária quanto oportuna, realizada por meio do CMDM (Conselho Municipal dos Direitos da Mulher): a campanha “Quebrando o Silêncio”, pelo fim da violência contra a mulher, cujo lançamento ocorreu em dezembro passado.

Na ocasião, a presidente do CMDM, Mirna Iazetti Grando, explicou que a iniciativa consiste em diversas ações. A primeira já foi iniciada, a partir do lançamento da campanha, com a fixação de cartazes em locais de grande circulação de pessoas. O informativo incentiva as vítimas a denunciarem os agressores e divulga meios para tanto.

Em uma nova fase, a iniciativa prevê palestras e rodas de conversa sobre o tema junto aos participantes dos programas sociais disponíveis nos Cras e Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), em escolas públicas e unidades de saúde, entre outros.

“A campanha vai correr conosco durante todo o ano de 2020, buscando conscientizar as mulheres sobre a importância da denúncia. Também teremos outras ações que vão nos ajudar a ter políticas públicas mais assertivas para o nosso município”, declarou a presidente.

A ação conta com apoio da prefeitura, por meio da Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social e do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), pela subsede de Tatuí.

Para trabalhar a ação de conscientização e auxiliar na distribuição dos cartazes e divulgação da campanha, o conselho convidou todas as secretarias municipais. Segundo Mirna, a intenção é atingir todos os setores e trabalhar em parceria, visando unificar as atividades de enfrentamento à violência.

“Querendo ou não, nós vivemos de braço dado com as secretarias. Isso é necessário para que as mulheres vítimas de agressão sejam atendidas como um todo em uma rede unificada. Assim, não vamos ficar dando tiros cada um para um lado, vamos ter um trabalho melhorado e focado”, comentou a presidente.

Mirna acentuou que a campanha vai ao encontro das ações já realizadas pela prefeitura no combate à violência contra a mulher, citando como exemplo o lançamento da “Patrulha da Paz”, anunciada em novembro.

O foco, conforme anunciado pela prefeitura, é buscar a redução dos índices de agressão contra a mulher e a garantia de cumprimento às medidas protetivas concedidas às vítimas de violência doméstica e familiar.

A ação foi desenvolvida nos moldes preconizados pela lei Maria da Penha (11.340/2006) – uma das principais referências para o enfrentamento à violência doméstica –, em vigor desde 7 de agosto de 2006.

O projeto prevê rondas específicas, além de suporte aos programas sociais já existentes no Creas, Justiça Restaurativa, Polícia Civil e CMDM, por meio de parceria entre Judiciário, prefeitura e Guarda Civil Municipal.

Com o programa, a partir das notificações de violência junto ao Judiciário local e da emissão das medidas protetivas, é feito um cadastro da vítima e do agressor, por meio da Justiça Restaurativa, e os guardas que atuam na patrulha passam a fiscalizar eventuais descumprimentos das ordens expedidas.

O programa também contempla uma série de ações que já estão sendo desenvolvidas pela GCM como projeto-piloto, assim como a implantação do aplicativo “Botão de Pânico”.

Trata-se de ferramenta desenvolvida por uma guarda civil para que mulheres com medidas protetivas concedidas pelo TJSP possam pedir socorro, apertando apenas um botão, quando estiverem em situação de risco.

O aplicativo será instalado no celular da vítima e, caso o agressor não mantenha distância mínima garantida pela lei Maria da Penha, a mulher poderá acionar a GCM, por meio do dispositivo.

Para usá-lo, o interessado poderá baixar a ferramenta, de forma gratuita, pelas lojas virtuais Google Play e App Store. O cadastramento dos usuários se dará por meio da Justiça Restaurativa, que fornece as informações do banco de dados das medidas protetivas.

O aplicativo servirá para que a GCM possa ter mais rapidez e passe a priorizar o atendimento das vítimas, deslocando as equipes mais próximas ao local da ocorrência.

Mirna observou que a ideia da campanha não é só conscientizar a vítima, mas também a todos os familiares, vizinhos e pessoas que convivem e estão ao entorno da mulher agredida.

“Todos têm que saber o que é a violência e conhecer as formas em que ela acontece. Não existe só a violência física: também existe a patrimonial, sexual, oral, psicológica e outras. Todas são enquadradas na lei e passíveis de processo”, enfatizou a presidente.

Para Mirna, a divulgação de informações sobre a legislação e os tipos de violência enquadrados na lei fazem com que as vítimas identifiquem as situações antes de se chegar à agressão física e ao feminicídio.

“Se conscientizarmos as pessoas no início de um relacionamento abusivo, a gente consegue, com toda a certeza, evitar mais tragédias e até reverter este quadro de violência doméstica que hoje estamos enfrentando”, observou.

Em Tatuí, a cada dia, em média, duas mulheres denunciaram ter sido vítimas de violência física ou verbal, em 2018. Segundo dados divulgados pela Delegacia de Defesa da Mulher, 930 casos foram relatados no ano retrasado, os quais resultaram em 474 procedimentos policiais e 251 medidas protetivas em favor das vítimas.

As principais denúncias, recebidas na delegacia especializada foram de ameaças, injúrias e lesões corporais. Os três crimes também representam a maior fatia dos totalizados pelo estado no ano de 2018.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública do estado, entre as cidades paulistas, houve 57.296 reclamações de ameaça, 50.688 por lesão corporal dolosa e 11.743 registros enquadrados em calúnia, difamação e injúria. O órgão não disponibiliza os números por município.

Além das ações sazonais, Mirna lembra que o CMDM se reúne toda primeira quarta-feira do mês, na Casa dos Conselhos, ao lado do Departamento de Trabalho e Assistência Social, a partir das 9h, com pautas referentes aos direitos das mulheres. O encontro é aberto ao público.

Enfim, é certo que 2020 ainda pode reservar muita porrada para todos os lados, mas isto não implica em apanhar calado (ou calada). É preciso reagir, não se valendo de mais violência, senão da busca pela efetiva Justiça!