Da reportagem
Lona velha, bambu, restos de madeira de paletes, retalhos de estopa e criatividade foram as matérias-primas principais usadas pelo artista plástico, cenógrafo e professor Jaime Pinheiro na criação de mais um presépio de Natal no Conservatório de Tatuí.
A obra foi finalizada na quinta-feira, 12, e está exposta, desde então, no jardim da escola de música e teatro. Após intervalo de mais de uma década sem a montagem, a iniciativa foi retomada por Pinheiro, e este é o segundo ano consecutivo que ele representa o nascimento do menino Jesus em materiais recicláveis.
O cenógrafo conta que a primeira vez que montou um presépio foi em 1999, mas que tinha ficado em dúvida se seria bem aceito, pelo fato de ter criado a obra com entulhos encontrados na instituição.
Na época, a direção gostou do trabalho e permitiu que o trabalho continuasse a ser montado anualmente, até 2006. A tradição foi mantida durante sete anos, contudo, diante de trocas de comando no Conservatório, a iniciativa não foi mais promovida em intervalo de 12 anos.
Segundo Pinheiro, a atual gestão da instituição soube do antigo projeto e convidou-o a retomar o trabalho. “Foi muito legal, pois eu já tinha esse desejo. Então, acabei aceitando e recriando o projeto”, comentou.
O cenógrafo destaca que apenas alguns elementos das peças usadas no ano passado foram reutilizados para a criação do presépio deste ano. “Eu poderia só remontar e reformar as peças já usadas, mas a ideia é trazer uma mensagem e uma reflexão diferente a cada ano”, menciona.
Segundo o autor, a inspiração para a criação da obra também veio dos ensinamentos que recebeu da mãe dele, quando ainda criança. Ele conta que a “paixão” por presépios surgiu nessa época.
“Comecei a gostar de presépio ainda muito pequeno. Minha mãe fazia todos os anos e, como a gente não tinha dinheiro para comprar as peças prontas, ela permitia que fizéssemos os bichinhos e os colocássemos ao lado da manjedoura. Usávamos argila e barro que vinha na carroça do leiteiro, e nos divertíamos muito. Tinha um significado muito grande para mim”, lembra.
Um dos objetivos da iniciativa, de acordo com ele, é despertar nas pessoas a reflexão sobre o consumismo no período festivo. Pinheiro ainda assegura que a obra tem a intenção de reforçar o “real significado do Natal”.
“Faço questão de manter esse reaproveitamento, pois está dentro do propósito deste presépio. Tudo ali está improvisado, e essa é uma das coisas que eu quero chamar a atenção. Há muita gente na rua, muita miséria, muita fome… Então, este é um gesto de solidariedade com o povo pobre brasileiro”, enfatiza o cenógrafo.
Pinheiro antecipa que, neste ano, a decoração temática foi pensada para chamar ainda mais atenção ao protagonista do cenário natalino. Segundo ele, as peças estão todas completas, menos a do menino Jesus.
“Não expus o rosto de Jesus de forma proposital. Neste ano, a face não vai aparecer. Fiz isso para tentar lembrar às pessoas de que elas têm que ter Jesus no coração, e que não adianta olhar só em uma imagem que está exposta do lado de fora, se não temos ele dentro de nós”, argumenta.
Para explicar o sentido da mensagem que o autor quis passar com a peça sem rosto, a montagem vem acompanhada da seguinte frase: “Quer ver a face do menino Jesus? Procure enxergar dentro do seu coração”.
“Ali, com materiais tipicamente brasileiros e simples, também faço referência à situação da família de Jesus e uma ligação com o que as famílias brasileiras passam. Eles estavam sem lar, viajando, sem lugar para dormir e sem nenhum conforto. Então, também pensei no povo pobre, que não tem o presente, só a esperança”, acentua o cenógrafo.
O material utilizado na montagem do presépio pode ser facilmente degradado por modificações climáticas. Contudo, ele revela que, se algo acontecer e as peças acabarem sendo destruídas, ainda estarão dentro do propósito da arte criada.
“Tem muita gente na rua, que perde os seus barracos com as chuvas e inundações. O presépio ali está sujeito a isso, está em espaço arriscado, mas, se estragar, já cumpriu a tarefa dele”, aponta o autor.
Pinheiro ainda revela que a obra também faz referência à situação de vida dos avôs dele, que viajavam acompanhando a construção da ferrovia. “Eles moravam em acampamento. Então, há várias referências a respeito disso e das pessoas comuns em situação de rua”.
“Gosto muito de fazer este trabalho, tem um significado muito especial para mim. Além disso, tenho um retorno muito grande. Enquanto ainda estava montando as peças, uma senhora veio, encostou as mãos dela nos pés de Jesus, se benzeu e me agradeceu. Isso foi muito forte, e tudo isso é muito gratificante”, completou.