
Aqui, Ali, Acolá
José Ortiz de Camargo Neto *
Disse Fernando Pessoa:
“O poeta é um fingidor,
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.”
Descobriste, assim, Fernando,
Algo que é universal:
Pois toda gente, encenando,
Sofre do mesmo mal
Não os poetas somente
Vivem tal contradição
Repare: todas as gentes
Fingem ser o que já são!
Todo ser humano é bom
Em sua essência genuína
Mas recusa esse dom
E cai na maldade ferina
Mesmo que não aja mal,
Carrega más intenções
Que tem de ver afinal
Para achar as soluções
Para esconder tal problema
Que lhe causa muita dor
Cada um então encena
Ter bondade e muito amor
Cada qual, pois, representa
Ser o que já é na essência
E nesse teatro apresenta
A comédia da existência
Logo, eu diria, poeta,
Ser o homem fingidor
Finge tão completamente
Que até finge ser amor
O amor que de fato sente.
Do livro “Vida em Versos”, NETO, José Ortiz Camargo. São Paulo: Proton Editora, 2023, p. 14
* Jornalista e escritor tatuiano