Manifestante é manifestante, bandido é bandido e terrorista é terrorista. O legislador e a polícia estão confusos (por ignorância ou por má-fé) e não estão sabendo distinguir o joio do trigo. Manifestante legítimo, que está descontente com sua situação salarial ou com a brutal desigualdade aqui implantada ou com sua crise de governabilidade do país, que não lhe oferece serviço público de qualidade (educação, saúde, transportes etc.), não é bandido, porque ele não faz uso da violência, não sai por aí quebrando bens públicos ou privados, não usa máscara e não recebe nenhum dinheiro para jogar no time do “quanto pior melhor”. O manifestante tem direito e liberdade de criticar, de se reunir, de protestar, ainda que isso cause certa “desordem pública” (no trânsito, nas vias públicas). O projeto que criminaliza genericamente a desordem pública é mais reacionário que a legislação da ditadura militar e aniquila todas as liberdades duramente conquistadas pelo povo.
Bandido é outra categoria, é o que sai mascarado quebrando tudo que vê pela frente, é o que não respeita nem coisas nem pessoas, é o que ganha para promover a quebradeira geral, é o que criminosamente dispara rojões para matar pessoas. Os bandidos são contra a democracia, não querem dialogar e usam a violência como meio de protesto. Devem ser reprimidos, não há dúvida, mas para isso não necessitamos de novas leis penais, o que sempre dá ensejo ao charlatanismo dos legisladores oportunistas, que vivem em busca de gente tola que acredita neles nesse terreno do “combate” (falacioso) à criminalidade e à violência.
Bandidos comuns, como os que mataram o jornalista Santiago, não têm nada a ver com o terrorismo, que exige não só uma estrutura organizacional sofisticada como uma motivação ou finalidade especial (política, separatista, racista, religiosa, filosófica etc.). Todo terrorista é um homem/mulher-bomba (real ou potencial), mas nem todo homem/mulher-bomba ou que solta bomba é um terrorista. O legislador brasileiro, que já enganou todo mundo várias vezes com suas leis penais vigaristas, que nunca diminuíram a criminalidade, se esquece que “pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos o tempo todo” (Abraham Lincoln).
De 1940 a 2013 o legislador aprovou 150 novas leis penais, sendo 72% mais severas. Essa política pública está errada, porque não reduz o crime. Todo mundo viu e filmou o rojão que matou Santiago, menos a polícia, que não tem treino para agir preventivamente. Espera-se a morte chegar para depois reagir. O grande erro é não termos políticas públicas de prevenção do delito, tal como fazem os países de capitalismo evoluído e distributivo (Dinamarca, Canadá, Japão, Coreia do Sul etc.), fundado na educação de qualidade para todos, na ética e no conhecimento científico.
* Jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.