Mais de 80% dos moradores de rua não aceitam abrigo em ação social

Município reforça “busca ativa” e encontra resistência do público-alvo

Equipe da prefeitura aborda moradores de rua nas noites de frio (foto: AI Prefeitura)
Da reportagem

Mais de 80% dos moradores em “situação de rua” não aceitaram abrigo durante a mais recente ação do Serviço Especializado em Abordagem Social, realizada na noite de segunda-feira, 19, devido ao frio intenso.

A ação é realizada pela Casa de Apoio ao Irmão de Rua São José, em parceria com a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, por meio do Centro de Referência Especializada em Assistência Social (Creas), como uma “busca ativa” para atender a quem não tem um lar fixo e precisa dormir ao relento.

O secretário da Assistência e Desenvolvimento Social, Alessandro Bosso, ressalta que as ações de inverno, na verdade, são uma intensificação do serviço já oferecido durante todo o ano.

Ele conta que, todos os dias, equipes trabalham na busca de pessoas em situação de rua para ampará-las e incluí-las nos serviços de atendimento social.

Quando há consentimento por parte dessas pessoas, a equipe as leva até o serviço de acolhimento da Casa de Apoio ao Irmão de Rua São José, para que possam se alimentar, realizar higiene pessoal e dormir até o amanhecer, sem ficarem expostas ao frio.

De acordo com o departamento, foram realizadas visitas nos arredores da rodoviária, do Mercado Municipal “Nilzo Vanni”, do velório municipal, na marginal do ribeirão do Manduca, na praça Santa Cruz e na rua 11 de Agosto.

“O objetivo foi identificar os espaços públicos que as pessoas em situação de rua utilizam como moradia, obtenção de renda e sobrevivência, ou situações em que haja violações dos direitos fundamentais dos indivíduos ali inseridos”, explicou o secretário.

No entanto, nem sempre as pessoas abordadas aceitam a ajuda da equipe. Na ação de segunda-feira, no total, foram abordadas 18 pessoas, sendo 16 homens e duas mulheres; entretanto, somente três aceitaram o serviço de acolhimento, das quais duas possuíam residência fixa e foram levadas de volta para a casa delas.

Segundo Bosso, as pessoas que quiseram permanecer no local foram orientadas sobre os riscos das baixas temperaturas para a saúde delas e receberam cobertores para passar a noite.

“Nós conhecemos quase todas as pessoas que estão em situação de rua, e algumas, infelizmente, não querem aceitar ajuda. É um trabalho diário, que exige persistência, pois encontramos muita resistência”, enfatizou o secretário.

Quando a equipe não consegue convencer as pessoas a aceitarem a ajuda oferecida, ela retorna nas noites seguintes, de modo que, gradativamente, obtenha a confiança delas, fazendo com que aceitem ser incluídas no serviço.

“É um trabalho de ‘formiguinha’ e de insistência. Temos que ir atrás deles sempre, buscando conscientizá-los sobre a situação de vulnerabilidade em que estão”, ressaltou.

A equipe já percorreu mais de dez pontos utilizados como abrigo por pessoas em situação de rua no município. As abordagens sociais ocorreram no período da noite, e continuarão acontecendo diariamente ao longo de todo o inverno.

“Já fazemos isso durante todo o ano, mas, no inverno, nossa equipe quer evitar maiores riscos à saúde dessas pessoas, devido ao frio intenso. A intenção é abrigá-los em um lugar onde possam se alimentar, tomar um banho e dormir”, explicou.

No início da atual gestão, em janeiro de 2017, havia 37 pessoas em situação de rua em Tatuí. Elas se concentravam em lugares como o Mercado Municipal, posto de combustível desativado às margens da rodovia Antônio Romano Schincariol (SP-127), rodoviária, próximo ao asilo e ao velório municipal, em frente a uma loja de móveis no início da rua 11 de Agosto, na Praça da Matriz, na praça Santa Cruz, próximo a uma farmácia do bairro 400 e na estação ferroviária.

O último levantamento registrou diminuição significativa no número de pessoas em situação de rua na cidade, que baixou de 37 para 25 – ou seja, 12 pessoas que aceitaram a ajuda oferecida foram beneficiadas e deixaram de perambular pelas ruas no período.

Bosso ainda ressalta que a população em situação de rua é confundida com usuários de álcool, com quem formam laços de amizade, gerando confusão quanto a quem, de fato, está sem opção na rua.

“Algumas das pessoas que vemos pedindo esmolas, na verdade, não são moradores de rua. Eles têm casa e, após passar o dia perambulando, acabam voltando para a moradia deles no período da noite. Tanto é que, às vezes, é difícil encontrá-los; eles somem”, comentou Bosso.

O gestor municipal da Assistência Social, Edmar Pereira, explica que, quando se fala em pessoas em situação de rua, é importante ter em mente que cada uma delas possui realidade diferente, mas que acabam se unindo por situações em comum.

Um estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no ano de 2015, mostra que o Brasil não possui dados oficiais sobre a população em situação de rua, o que prejudica a implementação de políticas públicas voltadas a essas pessoas.

No entanto, estima-se que existam mais de 100 mil pessoas em situação de rua no país, sendo que, desse total, 77,02% habitam municípios com mais de 100 mil habitantes.

Bosso lembra que, devido ao fato de Tatuí estar situada próxima a grandes centros urbanos, como Sorocaba, Campinas e São Paulo, e por ser margeada por duas importantes rodovias paulistas, Castello Branco e Raposo Tavares, o fluxo migratório de pessoas em situação de rua é alto.

Entre a população que está nessa condição e migrando para outras cidades, há registros de que o serviço da Casa de Apoio ao Irmão de Rua São José atenda, em média, de sete a dez pessoas por dia, totalizando entre 210 e 300 ao mês.

Essas pessoas são tidas como “transitórias”. Conforme o secretário, a prefeitura tem promovido diversas ações com o intuito de oferecer ajuda. Uma delas é a abordagem social, em que a equipe busca promover a acolhida através do diálogo.

Também é feito o apoio socioassistencial com psicólogos e assistentes sociais, que “analisam as demandas dos usuários, promovem a orientação individual e grupal, visando oportunizar a construção de novos projetos de vida”, além de encaminhamentos a outras políticas públicas, como atendimento de saúde e provisão de documentação civil, entre outros serviços.

Bosso lembra que a população também pode contribuir, praticando “ações simples”. Ele afirma que a mais importante delas é não dar esmolas, devido ao fato de que, muitas vezes, o dinheiro doado pelos munícipes é utilizado na compra de bebidas alcoólicas e drogas.

O secretário explica que a maioria das pessoas que está em situação de rua enfrenta problemas com drogas e álcool e que, quando recebe esmolas, isso acaba estimulando o vício e acarretando a permanência dessas pessoas nas ruas, colocando em risco a saúde delas e dificultando o trabalho da equipe da Assistência Social.

“É muito bom para eles receber esmolas, alguma comida, um cobertor, mas existe todo um trabalho social envolvido no acolhimento que não existe quando eles apenas recebem esmolas. Não adianta você dar algo para a pessoa hoje e amanhã ela não ter nenhum amparo”, comentou Bosso.

Ele reforça que, ao ver uma pessoa em situação de rua, é necessário encaminhá-la ao serviço social. Ele explica que, durante o dia, é disponibilizado o atendimento pela equipe do Creas e da Guarda Civil Municipal, pelo telefone 199, que funciona 24 horas.

Já no período da noite, a Casa de Apoio ao Irmão de Rua São José fica à disposição dos munícipes que queiram relatar casos de pessoas pedindo esmolas. A Casa fica na rua São José, 46, Jardim Wanderley.