Maioria de fugas de local de acidente ocorre por conta de ‘medo de prisão’





Por medo de ser presa, a maioria dos motoristas que se envolve em acidentes de trânsito foge dos locais. É o que revelam dados divulgados nesta semana pelo delegado titular do município, José Alexandre Garcia Andreucci.

Responsável pela Delegacia de Polícia Central, ele afirmou que as fugas também acontecem por conta de irregularidades (falta de habilitação, atraso na documentação dos veículos, ou embriaguez). Entretanto, destacou que elas são exceção.

Em Tatuí, o número de casos de motoristas que fogem dos acidentes tem aumentado. No período de um mês, houve três acidentes, sendo dois com vítimas fatais.

O primeiro acidente resultou na morte da estudante de 19 anos Raquel Oliveira Lima. Ela perdeu a vida numa noite de quarta-feira, 14 de agosto, no centro, depois de ter sido atropelada pelo motorista de um Chevrolet Celta, preto, ano 2004, com placas de Tatuí.

De acordo com relatos de policiais militares, bombeiros e equipe do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), a mulher teria caído da moto que dirigia e sido atropelada por um veículo que vinha atrás, no cruzamento das ruas Capitão Lisboa com Humaitá.

O condutor do automóvel não teria prestado socorro, fugindo do local do acidente. Policiais militares, no entanto, localizaram o suspeito depois de pesquisar placa anotada por uma testemunha. Um vendedor de 33 anos teria visto o atropelamento, a fuga do motorista – um ajudante-geral de 64 anos – e repassado os dados a uma equipe da PM, deslocada para atender à ocorrência.

No segundo caso, outro motorista não identificado teria atropelado um ciclista. A vítima morreu na avenida Vice-Prefeito Pompeo Reali, no São Cristóvão, na noite de sábado, 7, sem ser identificada (não portava documentos).

Conforme relato de testemunhas, o homem foi atingido por um automóvel branco. O resgate do Corpo de Bombeiros atendeu à ocorrência depois de ser acionada por populares.

O homem chegou a ser socorrido até o Pronto-Socorro Municipal “Erasmo Peixoto”, mas não resistiu aos ferimentos.

O terceiro caso de fuga de local de acidente ocorreu também em setembro, sendo registrado às 10h52 de segunda-feira, 9, no plantão policial. A vítima, um auxiliar de produção de 33 anos, teve um dos braços quebrados por conta de um choque.

Em depoimento, o motorista disse que conduzia a moto dele, uma Honda 125 cilindradas, modelo KS, ano 2001, com placa de Tatuí, pela rodovia Mário Batista Mori (SP-141). Contou que, quando passava pelo trecho urbano, na altura da vila Angélica, teria sido atingido pelo guidão de uma moto.

O motorista afirmou que não chegou a cair do veículo, mas que se desequilibrou. Por conta disso, não teria conseguido anotar a placa da outra moto. A vítima disse que descobriu a fratura ao realizar raio-X no pronto-socorro.

Apesar de terem aumentado, os acidentes de trânsito não resultam, na prática, em processos. Conforme explicou o delegado, só se transformam em processo – com risco de prisão – aqueles em que os motoristas envolvidos fogem do local, ou não prestam socorro às vítimas.

Andreucci revelou que a maioria dos acidentes não tipifica crime e resulta apenas em danos. Disse, também, que 99% dos casos não envolvem dolo (intenção). “Como não existe culpa, não existe nem o crime”, explicou o titular.

Segundo ele, nos casos em que há danos (batida entre veículos sem vítimas), as partes apenas registram boletim de ocorrência. “Isso é feito, exclusivamente, para acionar o seguro. Não tem prosseguimento pela PC”, destacou.

Quando os acidentes resultam em vítimas, os registros são realizados com a função de verificação da lesão e para efeito de reparação de danos.

Andreucci descreveu que os acidentes deste tipo, mesmo os atropelamentos graves, não são considerados dolosos porque a Justiça entende não haver intenção.

Também segundo ele, os casos são analisados com base em negligência, imprudência ou imperícia. Eles, entretanto, dependem de representação para serem analisados pela Justiça.

“Embora feito o boletim, não existe prosseguimento por parte da PC. E, estatisticamente, 90% das pessoas não representam”.

De acordo com ele, apesar de as vítimas passarem por exame de corpo de delito e a perícia técnica ser acionada, para avaliar as condições do acidente, não há processo se não houver representação, mesmo se o autor tiver se apresentado. “O inquérito depende da vítima para existir”, falou Andreucci.

A regra só muda no caso de vítimas fatais. Segundo o delegado, os autores dos atropelamentos e acidentes fatais não correm o risco de serem detidos caso se apresentem, não fujam e não omitam socorro.

“No Brasil, não existe ninguém cumprindo pena (na cadeia) por homicídio culposo. Na verdade, as penas para este tipo de homicídio são alternativas”, disse o titular.

Andreucci afirmou que o crime só existe quando o autor, ou uma das partes envolvidas num acidente, foge do local do acidente. Nesse caso, há omissão de socorro, considerado grave e que gera ação penal pública incondicionada (não depende de representação da vítima, é aberta automaticamente).

“Com vítima, ou sem vítima, o motorista não deve nunca fugir. No caso de morte, se o motorista se evadir, é certeza que será processado”, descreveu o titular.

De acordo com ele, os motoristas que não prestarem atendimentos e fugirem correm o risco de ser condenados a pena que varia entre seis e um ano. Esses casos são analisados pelo Jecrim (Juizado Especial Criminal).

A Polícia Civil orienta os motorista que, em caso de acidente, sempre tentem socorrer as vítimas, ou chamem atendimento especializado de primeiros-socorros. “Essa é a maneira de a pessoa não ser processada”.

Mesmo em caso de morte, o condutor deve permanecer no local e tentar acionar os serviços de resgate. Também deve colaborar com as equipes policiais.

“No caso de homicídio culposo, o processo vai existir, mas isso não significa que, necessariamente, a pessoa vai ser punida com reclusão”, destacou.

Segundo o delegado, mais de 90% dos motoristas fogem por medo de serem presos. Uma minoria não presta socorro, ou deixa de permanecer no local do acidente por conta de irregularidades.

“Nos levantamentos que, na maioria das vezes, o motorista fugiu porque ficou nervoso, com medo e achou que iria para a cadeia. Na realidade, não vai”, disse Andreucci.

O delegado recomenda que mesmo os motoristas que estiverem embriagados não devem tentar fugir. A prisão neste caso ocorre em caso de flagrante, mas com direito a fiança.

O motorista tem, ainda, o direito de não fazer o bafômetro. “Se a pessoa quiser, pode ceder o sangue que foge do estado flagrancial, não vai ser presa. Depois, poderá ser processada”, comentou.

A pena, dependendo da situação, pode ser a suspensão do direito de dirigir, mas não a prisão. Por essa razão, Andreucci volta a afirmar que o melhor aos motoristas é não tentar fugir do local e ajudar no socorro às vítimas.

“O carro em situação irregular fica apreendido. Depois de ter a situação regularizada, o veículo é retirado e não sobra sequelas para ninguém”, disse o delegado.

Andreucci também ressaltou que o condutor não deve tentar fugir mesmo quando não tiver habilitação. De acordo com ele, o motorista receberá multa e sofrerá pena administrativa.

As regras são as mesmas para menores de idade. “No caso dos adolescentes, a diferença é que o procedimento é encaminhado para a Vara da Infância e da Juventude. Entretanto, o juiz também faz a liberação de veículo”.

O delegado disse que os casos de atropelamento, mesmo sem autoria conhecida, são solucionados. Conforme ele, a Polícia Civil consegue, com ajuda de testemunhas, identificar os autores.

“A orientação é: bateu o carro, por mais que esteja errado, não fuja. Acho que existe até um espírito de cidadania nessa questão. Alguém sempre vê o acidente e, instintivamente, anota as placas dos veículos”, opinou Andreucci.

Conforme ele, a PC conseguiu esclarecer, nos últimos meses, 20 acidentes de trânsito.