Mãe vira doceira para o filho seguir jogando no Corinthians

Milena Fabíola trabalha para custear sonho de Otávio no futebol

O pai, Abel, a mãe, Milena e o jogador Otávio
Cristiano Mota
Da reportagem

Milena Fabíola Pinto da Cruz Moreira tem 22 anos e uma fé transformadora. Atendente de uma empresa do ramo de venda de água e purificadores, a jovem concilia, há mais de um ano, o trabalho “oficial” – registrado em carteira – com uma profissão que vem, aos poucos, sendo aprimorada.

Milena se tornou doceira para ajudar o filho a seguir com os treinos no Sport Club Corinthians Paulista. Desde julho do ano passado, quando o pequeno Otávio Allecsander da Cruz Moreira, de 9 anos, assinou contrato com o “Timão”, a jovem produz e vende brigadeiros para lhe bancar as viagens.

Otávio cumpre rotina puxada. Um dia sim e outro também, ele treina feito gente grande. Às terças, quintas e sábados, viaja para São Paulo, onde pratica passes, aprimora técnicas e disputa competições representando o Corinthians, com quem renovou contrato recentemente. Às segundas, quartas e sextas, joga em Tatuí, no “Bom de Bola”, projeto social e esportivo que o revelou.

Para cumprir a agenda corrida, Otávio conta com a ajuda da família, que se reveza na tarefa de apoiá-lo. O pai, Abel de Jesus Moreira, de 26 anos, acompanha o menino nos treinos na capital. Trabalha, ainda, de forma autônoma nos dias que sobram para compor o orçamento da casa e permitir que Otávio continue a fazer o que mais gosta. Já a mãe encontrou uma “solução doce” para contribuir ainda mais: a venda de brigadeiros no horário do almoço do trabalho.

Tamanho esforço é justificado pela paixão que o menino demonstra. Milena explica que Otávio começou no futebol aos cinco anos, após ser incentivado pelo pai. O primeiro contato com o esporte aconteceu em Capela do Alto, cidade natal de Abel e na qual a família residiu por quase dois anos.

Otávio aprendeu os primeiros passes no “Bola de Ouro”, projeto mantido pelo ex-vereador capelense Mauro Silva. Lá, o menino treinava futsal como atacante, até os 7 anos. “Ele jogava duas vezes, uma durante a semana, e a outra, aos finais de semana”, conta Milena.

Em 2019, a jovem voltou com o marido e o filho para Tatuí, onde Otávio conheceu o Bom de Bola, através do ex-jogador, professor e treinador Diego Barros. Otávio permanece desenvolvendo atividades e aprimorando o talento no projeto, com treinos no Estádio “Simeão Sobral”, na vila Jurema.

Mesmo acontecendo em Tatuí, as atividades preparatórias exigem determinação do garoto, que concilia os estudos no período da manhã com os treinos à tarde e à noite.

Otávio precisa, praticamente, cruzar a cidade para seguir o sonho de fazer carreira profissional no futebol. Da vila Angélica, onde a família reside, são cinco quilômetros e meio até a sede do projeto tatuiano.

“No caso, meu marido leva o meu filho de bicicleta. Às vezes, eles vão a pé; às vezes, de carro, por aplicativo, quando sobra um dinheirinho”, conta Milena.

No Bom de Bola, Otávio realiza treinos na categoria sub-10, e, no Parque São Jorge, na sub-9. As viagens são feitas de carro, para que a agenda possa ser cumprida. “Ele estuda de manhã, das 7h às 11h30. Sai da escola ‘Lígia Vieira de Camargo’, almoça e já vai para o Corinthians”, conta a mãe.

Em São Paulo, ele faz treinos das 15h às 16h30 e das 18h30 às 20h, o que inviabiliza viagens de ônibus, já que o deslocamento de Tatuí para o terminal da Barra Funda, em São Paulo, consumiria no mínimo duas horas. Com o deslocamento até o local de preparo, o tempo de viagem subiria para quase três horas. “Ele chega em casa com o pai por volta das 22h, mas adora”, relata Milena.

Aos sábados, Otávio tem compromissos em competições de futsal. No dia 27 de agosto, por exemplo, pelo Campeonato Paulista, da Federação Paulista de Futebol de Salão, sagrou-se campeão ao vencer a finalíssima da série ouro.

Para a mãe, o título é importante, assim como os recursos obtidos pela venda dos doces. “Nós gastamos bastante para ele ir e voltar, toda semana, e conseguimos complementar com os docinhos (que são comercializados de porta em porta e na internet)”, diz.

A ideia de produzir doces para ajudar nas despesas surgiu a partir de uma “revelação”. Milena é membro da CCB (Congregação Cristã do Brasil) e explica que havia ido à igreja “em busca da Palavra”.

“Deus falou – e foi permissão dele – que, nem se fosse da noite para o dia, o dinheiro para que o Otávio pudesse treinar iria aparecer. Que era para ficarmos (ela e o marido) em paz”, conta.

A jovem diz que, até então, ela e o marido estavam preocupados em resolver como fariam para arcar com as despesas de viagens do menino à capital. Otávio havia acabado de passar em uma seletiva do Corinthians.

A contratação aconteceu meses depois de ele ter recebido “um aviso”. “Tudo foi preparação de Deus”, conta Milena. Segundo ela, quando ainda com sete anos, o menino foi até uma mercearia localizado perto da casa da avó dele.

Lá, o garoto encontrou uma “irmã” de igreja, que o saudou e perguntou se ele sabia que “um dia iria jogar no Corinthians”. Na época, Otávio torcia para o Santos.

Ao retornar para casa, o menino contou o episódio aos pais. Milena relata que chegou a dizer ao filho que a promessa se cumpriria “se fosse da vontade de Deus”.

“Isso aconteceu em janeiro. Ele faz aniversário em fevereiro. Quando foi junho, ele foi com um grupo de crianças fazer um teste em Cerquilho e passou”, relata.

Antes da peneira, no entanto, Milena chegou a conversar com o menino. Explicou que ele poderia ter de realizar uma série de avaliações e que, se fosse o caso, a família não teria condições de acompanhá-lo. “Não daria para ficar uma semana fora, porque temos compromissos, trabalho, aluguel”, explica.

Em função do desempenho na seletiva, a equipe avaliadora aprovou o menino logo de cara, dispensando-o de eventuais novas etapas. Os pais ficaram felizes, mas preocupados. A solução surgiu na vida da família depois das orações.

“Eu estava mexendo no celular, no TikTok (aplicativo de criação e compartilhamento de vídeos curtos), quando vi uma moça vendendo brigadeiros. E pensei: por que eu não vendo brigadeiros para ajudar meu filho?”, relata.

No início, a jovem conta que o marido resistiu à ideia, pensando em protegê-la da exposição e de eventuais situações de maus-tratos. “Mas eu falei que, se fosse da vontade de Deus, ia dar certo. E, desde então, o Otávio vai ao Corinthians com o dinheiro da venda dos brigadeiros”, conta.

Milena também produz “balas de vidro” (conhecidas como “balas baianas”), uma receita atribuída a imigrantes portugueses e italianos e que consiste em doce de coco caramelizado. As balas de vidro ganharam esse nome por ficarem expostas para venda em potes de vidro, sendo vendidas em unidades.

Milena vende os doces no intervalo do almoço, das 12h30 às 13h30, de comércio em comércio. Ela também visita lojas e escritórios após o expediente de trabalho, a partir das 17h, para finalizar a comercialização da produção do dia.

Os doces que ajudam a família podem também ser encomendados no perfil “Gourmet dos Pais (Goumet dos Pais)”, mantido pela atendente e doceira no Facebook. O endereço é www.facebook.com/profile.php?id=100075128221361.