Justiça Restaurativa será feita em escolas





Amanda Mageste

Juiz de direito Marcelo Nalesso Salmaso na sala da Justiça Restaurativa

 

O juiz de direito e coordenador do Núcleo da Justiça Restaurativa da Comarca de Tatuí, Marcelo Nalesso Salmaso, pretende implantar, ainda este ano, “círculos restaurativos” dentro das escolas, com professores mediadores.

No ano passado, o juiz contou que foram feitos 11 procedimentos de círculo restaurativo no fórum. Ele afirmou que os resultados foram muito positivos, “criando novas dinâmicas e projetos dentro das escolas”.

A Derita (Diretoria de Ensino Região de Itapetininga) proporcionou uma capacitação aos professores mediadores de Tatuí, para que eles pudessem atuar pela Justiça Restaurativa nas unidades escolares, sem precisarem ir até o fórum para promover o círculo.

De acordo com Salmaso, ele conseguiu, ainda, vagas para três escolas municipais que trabalham com ensino fundamental dois, em que se encontram crianças já entrando na adolescência. Portanto, quase todas as escolas que possuem adolescentes têm um professor capacitado em justiça restaurativa.

A intenção do juiz é que, a partir de agora, as escolas que antes mandavam os conflitos para o fórum comecem a fazer os círculos sem precisar que as partes se desloquem do local.

“Essa é a meta para que eu consiga avançar aqui, com situações mais complexas, como, por exemplo, o jovem no tráfico”, explicou o juiz.

Salmaso disse que não pretende deixar os professores das escolas sem instruções. No início, vai promover reuniões para decidirem, juntos, quais providências devem ser tomadas diante dos problemas.

“Quando aparecer um novo conflito, nós vamos nos reunir aqui, vamos pensar como vai ser o processo circular, vamos dar todo o suporte, mas, agora, nós vamos fazer na escola, eles sozinhos. Até posso mandar alguém da equipe para fazer junto, mas a intenção é deixá-los resolver sozinhos”, ressaltou Salmaso.

O juiz explicou que ele e a sala da Justiça Restaurativa estarão sempre abertos para solucionar casos com os professores, ou para “somarem forças”, pois se trata de uma parceria que os professores têm com ele.

A Justiça Restaurativa é um projeto da Coordenadoria da Infância e da Juventude e da presidência do Tribunal de Justiça. A intenção é que o processo seja implantando em todo o Estado de São Paulo.

“Nós estamos fazendo isso por polos irradiadores. Nossa ideia é montar centros ao longo do Estado, e que esses centros se tornem uma referência regional para difundir a Justiça”, explicou.

Há, no Estado, quatro polos irradiadores; em Guarulhos, Santos, São Paulo e Tatuí. Portanto, de acordo com o juiz, a missão dele, além de fazer a Justiça Restaurativa funcionar, é implementá-la em cidades que cercam Tatuí.

O fórum local é o único no Estado que possui uma sala destinada somente para os processos circulares.

Maioria de jovens

De acordo com Salmaso, a maioria dos criminosos é jovem, de até 25 anos, “buscando reconhecimento das pessoas”. Segundo ele, a ideia de trazer a Justiça Restaurativa para Tatuí surgiu, também, devido a esse fator.

“Os jovens, como qualquer um de nós, seres humanos, querem ser reconhecidos por alguém, querem um lugar, um espaço na sociedade. Acontece que, muitas vezes, esses jovens acabam encontrando esse lugar de reconhecimento através da transgressão e violência”, ressaltou Salmaso.

De acordo com o juiz, essa situação de “afirmação” é vista, comumente, em escolas, quando alunos se agridem, enfrentam professores, quebram regras ou fazem demais coisas erradas.

Conforme Salmaso, essas situações acontecem, na maioria das vezes, porque o aluno quer mostrar aos outros o quanto ele é “bom” e o quanto é uma autoridade negativa. “Quer chamar a atenção de todos à volta”.

Salmaso argumentou que a maioria desses jovens acredita que o que fazem está correto. “Quando o jovem entra em um processo punitivo, ninguém se preocupa em saber todas as razões que fizeram com que ele chegasse àquilo, porque, dentro desses procedimentos punitivos, nós olhamos para a superfície, para o que aconteceu, sem ter a preocupação de investigar as razões do acontecimento”, ressaltou Salmaso.

De acordo com o juiz, os jovens são responsabilizados conforme o ponto de vista penal. Assim, cumprem a pena, mas não pensam sobre os possíveis danos que causaram a outras pessoas e sobre os atos que cometeram.

Com a Justiça Restaurativa, o intuito é fazê-los entender o grau dos atos cometidos e se conscientizarem de que o que fizeram foi errado e precisarão ser responsabilizados de alguma forma, mas não com punição.

Salmaso também apontou que, nos processo punitivos, as vítimas “não têm vez”, não são ouvidas completamente.

“Elas são chamadas aqui no processo penal para dizerem o que aconteceu no dia do ocorrido, só que as vítimas possuem traumas e perguntas. Precisam de respostas, porque, em um determinado momento, elas ficam com raiva do transgressor pelo que aconteceu, mas, em um momento seguinte, é muito comum se culparem”, afirmou.

O juiz acredita que a Justiça Restaurativa vem como uma mudança de paradigma e uma resposta a crimes e reincidências.

De acordo com ele, um dos pontos mais importantes é o de não trazer, simplesmente, uma técnica de solução de conflitos, e sim uma mudança na convivência da sociedade.

“Nós queremos mudar esse padrão de convivência das instituições e da sociedade, em que todos buscam o poder sobre o outro, um poder de comando para uma sociedade em que as pessoas construam a corresponsabilização”, afirmou Salmaso.

A corresponsabilização ocorre quando cada pessoa possui uma parte de responsabilidade sobre determinada atitude ou conflito, não somente se responsabilizando um indivíduo.

Para a solução de conflitos, há o processo circular, em que todos os envolvidos (facilitadores, professores, vítima, autor, familiares, pessoas atingidas direta ou indiretamente pelo conflito e alguém da rede de garantia de direitos) fazem uma roda na qual todos falam. Participam entre 12 e 15 pessoas.

Salmaso defende que o número de pessoas envolvidas no processo circular é um dos pontos que o diferencia da mediação feita nas escolas, em que somente os envolvidos e os professores se reúnem para solucionar os problemas.

Conforme o juiz, não há limite de idade ou tipo de conflito a ser discutido e resolvido pela Justiça Restaurativa. Brigas entre alunos são os problemas mais analisados nos círculos, mas brigas entre alunos e professores e danos ao patrimônio também são situações debatidas.

Cada pessoa que participa do círculo tem de se posicionar e falar sobre assuntos referentes ao ocorrido. O facilitador pede para os participantes contarem sobre a vida deles e fala sobre “valores humanos”.

No processo circular, cada pessoa só pode falar quando está com a posse de um bastão, chamado “bastão da fala”. “É uma possibilidade de todos terem voz e de ouvirem, para não virar discussão”, explicou Salmaso.

“Nas primeiras rodadas, o facilitador pede que cada um conte uma história de vida. As pessoas contam, e, muitas vezes, histórias parecidas com a daqueles jovens. É o momento em que esse jovem começa a refletir”, ressaltou Salmaso.

Segundo o juiz, a conversa e a troca de histórias são importantes porque a pessoa que cometeu o erro, ou a infração, entra na sala da Justiça Restaurativa esperando reconhecimento como autoridade negativa e se surpreende ao ver pessoas dispostas a ajudá-la.

“Ele (autor do ato) vê que todas as pessoas têm problemas, às vezes, parecidos ou piores que o dele. E percebe que elas deram outras soluções para suas vidas, e não aquela da violência e da raiva, como ele está fazendo”, afirmou Salmaso.

Após a troca de histórias, o facilitador deve entrar no assunto do problema que resultou no círculo, mas sem apontar culpados.

Salmaso explicou: “Não queremos que um fique culpando o outro, pelo contrário. A pergunta feita será: o que você está sentindo sobre o que aconteceu? O foco é você, fale sobre você, e não sobre o outro”.

“Nós saímos dessa ideia de culpa, queremos que cada um leve o seu melhor, para colocarmos aquele caminho, que nasceu errado, no rumo certo”, explicou.

De acordo com Salmaso, depois dos diálogos, os facilitadores e participantes do círculo visam ao reconhecimento dos erros e das responsabilidades pelo ocorrido.

Após chegarem ao reconhecimento, os facilitadores começam a pensar em acordos com o jovem que cometeu o ato errado, para que ele se comprometa a reparar os danos que causara para a vítima, comunidade e a ele próprio.

No processo, estará alguém da rede de garantia de direitos, para auxiliar e encaminhar o jovem para fazer algum projeto, ou curso, algo que ele tenha tomado iniciativa de pedir.

“Nós dizemos assim: veja, ninguém vai falar o que você tem que fazer, você criou o problema, responsabilize-se por ele. Você tem que dar essa proposta”, ressaltou Salmaso.

Conforme o juiz, para a pessoa que faz algo errado, é muito fácil estabelecer algo para ela fazer. Quando ela tem que resolver a situação, “precisará refletir sobre o que cometeu, se responsabilizar e oferecer uma resposta”.

Para reparar o dano que possa vir a ter causado, o jovem deverá pensar em ações para mudar rumos, fazendo cursos de arte, esporte, informática, profissionalizante, entre outros. Ou idealizar e realizar projetos dentro da comunidade escolar.

Para Salmaso, a implantação da Justiça Restaurativa é uma luta grande, pois a proposta de criar uma “sociedade de paz” vai na contramão do que a sociedade pede, que é mais punição.

“A proposta da Justiça Restaurativa é trazer para dentro de outras bases, como a reflexão, uma mudança de comportamentos, não só do jovem, mas de todo o entorno, para que ele vá para um novo padrão de conduta”, ressaltou Salmaso.

O juiz acredita que, somente com punições, os jovens não aprendem e não conseguem entender o tanto que erraram, “pois basta cumprir a punição, para estarem ‘quites’ e voltarem a cometer erros e atos criminosos”.

Isso reforçaria as “verdades” deles, de que vivem em uma sociedade onde ninguém os entende, pois teriam sido punidos sem serem ouvidos.

“Com a justiça da punição, o jovem fica pensando que é a vítima do mundo, porque alguém o puniu e não o ouviu, ele se entende como inferior”.

“Dentro dessas circunstâncias, é muito difícil – ou uma ilusão – acharmos que a punição por si só vai ter caráter pedagógico e fazer com que a pessoa reflita e mude, principalmente os jovens”, finalizou Salmaso.