“Rezem para morrer jovens de alma, ainda que estejam velhos.
Somente os que têm espírito generoso da juventude
– não importa em que idade – é que na escuridão da noite
enxergarão a estrela que anunciou o Menino Jesus”.
(José Hamilton do Amaral)
Justiça e caridade são realidades opostas? Antípodas? Ou são realidades que se unem e se completam em benefício do direito e do ser humano.
Justiça – ouvimos na faculdade – é a constante e perpétua vontade de dar a cada um o que é seu.
Anatole France, usando sua fina ironia, glosou a definição de Justiniano: aos ricos, a riqueza; aos pobres, a pobreza…
E a caridade? Está lá no dicionário do mestre Aurélio: … no vocabulário cristão, o amor move a vontade à busca efetiva do bem de outrem e procura identificar-se com o amor de Deus.
Santo Agostinho, em “Confissões”, pág. 370, Edições Paulinas, 1984, citando carta de Timóteo, escreve: “Que o nosso Deus tenha compaixão de nós, para que usemos legitimamente a lei, segundo a sua finalidade, que é a ‘caridade pura’ (grifei)”.
O mesmo santo e filósofo, em suas preces pela mãe, suplica: “Perdoa, Senhor, eu te suplico, e não chamas a juízo a tua serva. Que a misericórdia triunfe sobre a justiça” (pag.244 da obra já citada).
Nos idos de 1971/1973, militando nos dois tribunais do júri (únicos na capital) no suntuoso Palácio da Justiça, tive a oportunidade de oferecer contrarrazões de apelação em um processo em que os jurados repudiaram as “qualificadoras” e admitiram o homicídio simples.
Inconformado, o representante do Ministério Público alegou, em suas razões de apelação, entre outros fundamentos, que o conselho de sentença, em sua decisão, fez caridade mas não fez justiça.
Iniciei minhas contrarrazões assim: “Sem a caridade de nada vale nenhuma obra exterior. Tudo, porém, o que dela se inspira, por pequeno e desprezível que seja, produz abundantes frutos; mais que a ação, Deus pesa a intenção.” (do livro “Imitação de Cristo”).
Ante a eterna sabedoria da lição que se perde na noite dos séculos, mas que cada vez se torna mais atual, não vemos porque se contrapor os conceitos. Podem e devem Caridade e Justiça andar juntas. Uma é complemento da outra. Aquela “caritas”, significando o amor e esta, a justiça, “… virtude que nos faz dar a Deus, e aos homens, aquilo que lhes é devido a cada um.” (Teixeira de Freitas e Pereira e Souza).
Portanto, o amor a ornamentar a virtude da Justiça! E, pois, os abundantes frutos referidos pela sublime lição espiritual.
Não sabemos se o sentimento de caridade andou a inspirar a sábia decisão dos senhores jurados. Se isto ocorreu, então devemos nos rejubilar porque a Justiça do julgamento se engrandeceu ainda mais! Após esse preliminar, mergulhei no mérito do caso.
Não tomei conhecimento do que foi decidido no tribunal de justiça. A meu pedido, fui transferido para outro setor da Procuradoria-Geral do Estado, livrando-me das pesadas emoções que vivi na tribuna do júri, defendendo réus reincidentes, crimes cabeludos, e eu ali, em nome do Estado, agarrado ao direito constitucional do contraditório sem poder, depois, conciliar o sono da madrugada…