Jornalista tatuiano aborda tragédia ocorrida no Rio em peça de teatro





Arquivo pessoal

O jornalista Ivan Camargo concorreu com escritores de países de língua portuguesa

 

“Santa Casa da Luz Vermelha”, texto teatral escrito pelo jornalista Ivan Camargo, editor de O Progresso, integrou as premiações do “Concurso Internacional de Literatura”, promovido pela seccional carioca da UBE (União Brasileira de Escritores).

A peça obteve a terceira colocação na disputa pelo “Prêmio Martins Pena”, específico para teatro e cuja cerimônia promovida para a entrega de certificados aconteceu na ABL (Academia Brasileira de Letras), na capital fluminense, dia 25 de outubro.

Produzido no período de três meses, o texto representa um protesto “diferente” contra a corrupção. Também por isto o autor ressalta que a peça “não está relacionada – nem chega perto de – ao único hospital de Tatuí”.

“Na verdade, não pude comparecer à premiação porque, nesse exato dia, estava justamente na maternidade da Santa Casa, onde meu segundo filho nascia. E, com muita satisfação, acompanhando o excelente atendimento dado a ele e à mãe”, Camargo fez questão de reconhecer.

Como em todas as demais obras teatrais produzidas pelo escritor, a comicidade está evidente já na abertura. O próprio título é um jogo de palavras que dá a deixa para o conteúdo interno.

Sobre eventual apresentação pública do trabalho, Camargo acentua a distinção entre dramaturgia e encenação. “São dois passos distintos: o primeiro, você próprio pode dar; o segundo, alguém dá por você. Obviamente, qualquer autor espera gerar interesse”, declarou Camargo.

O escritor já teve, em 2011, a peça “O Cativeiro” encenada dentro do V Fematcc (Festival Municipal de Atividades Culturais de Cerquilho). Com o mesmo trabalho, obteve a primeira colocação, em 2007, em certame nacional promovido pela UBE de São Paulo.

Também em 2011, teve outra peça vencedora, então pela mesma seccional carioca. Com “Até que a Morte nos Enlace”, recebeu o “Prêmio Dias Gomes”, escritor homenageado naquele ano pela categoria teatro.

A motivação para “Santa Casa da Luz Vermelha” foi a catástrofe ocorrida em 2011 no Rio de Janeiro. No início daquele ano, a região serrana registrou “o maior deslizamento de terra da história do país”, conforme a imprensa nacional.

As chuvas que atingiram a região destruíram partes das cidades de Areal, Bom Jardim, Nova Friburgo, Petrópolis, São José do Vale do Rio Preto, Sumidouro e Teresópolis. Dados divulgados pelo Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), à época, apontaram 300 milímetros de precipitação em 24 horas.

“Em razão da situação que vitimou inúmeras pessoas (mais de 900 morreram), o país se mobilizou. As pessoas mandaram apoio de várias maneiras, em dinheiro, materiais e tudo o mais que se pôde fazer. Houve, inclusive, ajuda não só do governo, mas da população e de entidades de assistência”, lembrou o escritor.

Com o tempo, a imprensa nacional divulgou que muitas das doações não chegaram às pessoas necessitadas. Em alguns casos, por falta de voluntários; em outros, por uso “indevido”. “Coincidentemente – ou não -, quando escrevia o texto, em 2012, novamente aconteceram deslizamentos na região e, quase tão trágico quanto, surgiram notícias de que mais apoios não chegavam aos desabrigados”, citou Camargo.

“Soube-se que comida foi perdida, roupas foram desviadas, uma série de coisas que eram para ajudar pessoas não chegava a elas. Os espertalhões, bandidos de sempre, aproveitaram-se da tragédia alheia. A motivação do texto foi mexer com isso”, explicou.

O texto tem cenário fictício – não fazendo referência a um município específico –, mas é explicitamente baseado numa das cidades da região serrana do Rio de Janeiro afetadas pela tragédia. Mais que oportuno, ele pode ser considerado corajoso, uma vez que aborda um tema sério por meio da comédia.

Para Camargo, há sempre risco em se fazer comédia sobre algo que comove pelo drama real. As chances são, no mínimo, de que o contexto não seja bem entendido. “Óbvio que a intenção não é essa, mas o mau humor, hoje, tomou conta do país, do mundo. Então, existe até essa possibilidade”, considerou.

Ainda que a abordagem gere discordância (uso do humor para tratar de assuntos sérios), o tema de “Santa Casa da Luz Vermelha” deve ser entendido como uma forma de protesto e de discussão sobre a corrupção.

Na opinião de Camargo, esse tipo de distorção está se tornando cada vez mais comum, principalmente quando o humor é confrontado com o chamado “politicamente correto”. “A piada está se tornando uma heresia”, considerou.

O autor considera que as interpretações distorcidas só ocorrem quando há desinformação, ou uma má intenção. “Porém, ignorante e mal intencionado é o que não falta”, acrescentou.

Entretanto, como todo autor bem intencionado, Camargo não tem medo de críticas. Em “O Cativeiro”, aborda o sequestro, também fazendo uso de humor.

Além de questão de gosto pessoal, as peças de humor produzidas sobre temas polêmicos fazem parte, de certa forma, de “coerência autoral” e postura pessoal de Camargo. Características que o fizeram se debruçar em pesquisas e que dão ao texto uma graça sem igual – sem trocadilho.

Um dos personagens, por exemplo, tem uma característica marcante. “Todas as falas dele são, ou nomes de filmes, ou frases famosas de cinema”, comenta o autor.

Além de ficar à mercê de julgamento do “politicamente correto”, os textos de humor são, na maioria, menosprezados, opina Camargo. “Quem faz opção por esse gênero acaba sendo, inclusive, desprestigiado por uma corrente teatral que entende que isso é arte de menor valor”, comentou.

Mais que opção, gosto ou vocação, para escrever humor no país, Camargo avalia que é preciso coragem. Quando os textos abordam assuntos sérios, por exemplo, estão sujeitos a interpretações errôneas e a efeitos desagradáveis.

“Quando você opta por temas assim – corrupção, sequestro e a própria hipocrisia do ‘politicamente correto’ -, está sujeito, até, a ser processado”, disse o jornalista.

Dentro desse contexto, aponta, há uma supervalorização do teatro que aborda “o sujeito, as questões pessoais e descobertas pessoais” – assuntos essencialmente ligados ao drama.

Apesar disto, “diante da supervalorização das questões pessoais, bem mais próximas ao drama, o humor acaba sendo tratado como arte de menor valor, sendo classificado até mesmo como ‘teatro comercial’”, ponderou.

Neste ano, os prêmios da UBE prestaram homenagens a personalidades importantes, como: Humberto de Campos (que dá nome ao prêmio de conto); Alejandro Cabassa (crônica); Vianna Moog (ensaio); Ganymedes José (literatura infantil e juvenil); Vicente de Carvalho (poesia); e José de Alencar (romance).

Os selecionados passaram pelo crivo de um corpo de jurados indicados criteriosamente pela organização, como explicou Maria Antonia da Costa Lobo. De acordo com ela, a análise é feita “puramente” sobre o conteúdo, uma vez que os participantes inscrevem os trabalhos utilizando pseudônimos.

A entrega dos certificados aconteceu no dia 25 de outubro, no auditório “Raimundo Magalhães Júnior”, da Academia Brasileira de Letras. Receberam os prêmios os escritores que apresentaram obras inéditas.

A seleção da categoria teatro, na qual Camargo se inscreveu, ficou a cargo de três professoras. No geral, o corpo de jurados das sete categorias abertas teve, praticamente, dois meses para fazer a seleção e entregar os resultados.

Durante todo o processo, Maria Antonia contou com auxílio da editora Maria José Peneluc. Ela reuniu as obras e as separou por categorias. Depois, repassou os trabalhos a Maria Antonia, que os entregou aos selecionadores.

A organizadora disse que cada jurado esteve encarregado de analisar aspectos diferentes nos trabalhos. Em teatro, constituíram a banca de selecionadores as professoras Renata Lemos Pinto Fernandes, diplomada pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro); Natália Braguez de Paiva, que leciona inglês e português; e Elimar Machado de Souza, que trabalha na UFRJ.

Os jurados – assim como os escritores premiados – não são remunerados. “O primeiro critério é que a pessoa aceite julgar, ou participar, sabendo de antemão que não terá remuneração nenhuma. Ela recebe um certificado que enriquece o currículo”, declarou a organizadora.

Na categoria “teatro”, Maria Antonia disse que os jurados precisam obedecer, em princípio, um critério geral: verificar se a escrita “reflete em uma obra teatral”.

“Depois dessa análise, outros critérios subjetivos são adotados pelos jurados. Aí, fica a cargo da banca, que é soberana”.

Para Maria Antonia, o concurso representa mais que uma disputa para os autores: dá a eles, projeção e permite que se integrem ao “mundo acadêmico”.

“As primeiras premiações ajudaram a projetar o Ivan. Esta última, representou a consolidação da carreira dele como escritor, além de editor e jornalista. Mais, ainda, porque ele apresentou uma obra inédita e com um pseudônimo. Então, não tinha essa chancela do nome”, disse a organizadora.

O concurso internacional marcou despedida de Maria Antonia à frente da organização. Ela trabalhou na realização do certame por quatro anos na gestão de Edir Meirelles como presidente da UBE-RJ, mais dois na de Abílio Kac e um na de Lucia Regina de Lucena.

A UBE vem outorgando prêmios do “Concurso Internacional de Literatura” desde o ano de sua fundação. A cada ano, também concede prêmios de diretoria e medalhas que levam o nome de figuras ilustres da literatura brasileira.

Neste ano, sob o comando de Lucia, a seccional do Rio instituiu e entregou o “Prêmio Mérito Cultural”. “Trata-se de uma criação minha”, declarou a primeira presidente mulher da UBE em seus 55 anos de existência.

Ele é a primeira de muitas inovações que Lucia pretende impor à entidade. A acadêmica explicou que a edição 2013 primou pela tradição, mas não apresentou inovação com relação aos anos anteriores porque “já estava em andamento”. Lucia assumiu a presidência no mês de abril.

“Este ano, ele aconteceu nos moldes tradicionais. Para 2014, pretendo inovar em algumas coisas, que, inclusive, estão sendo colocadas no regulamento”, antecipou.

A recém-empossada direção da UBE está estudando, também, a criação de um novo prêmio de cunho nacional. “Pretendemos que ele fique famoso e que seja cobiçado pelos maiores e mais renomados escritores brasileiros”, projetou.

Lucia divulgou que a diretoria pensa em um “nome bem brasileiro” para o certame. “Talvez ele seja ‘bem carioca’”, antecipou. O nome será sugerido aos “ubeanos” e submetido à votação antes de ser anunciado. “Nossa intenção é torná-lo um evento também tradicional”, afirmou.

Para a presidente, os concursos são importantíssimos, uma vez que representam incentivo a vencedores e não vencedores. Lucia afirmou que os premiados são reconhecidos e os não premiados, aproveitam a chance para se aprimorar.

“Ele incentiva as pessoas a continuar seus trabalhos, porque, primeiro, há um reconhecimento; segundo, descobre novos talentos e valores para a literatura; e, terceiro, estimula a pessoa a se preparar para novos desafios”, analisou.

Na mesma medida, o Concurso Internacional de Literatura ajuda a projetar o nome de escritores brasileiros para fora do país. Segundo a presidente, ele gera divulgação e promove “intercâmbio muito grande”, já que aceita trabalhos escritos em língua portuguesa.

“Sem dúvida nenhuma, é um evento importantíssimo e muito positivo. Ficamos conhecendo novos escritores, e eles também nos conhecem”, afirmou

A história

“Santa Casa da Luz Vermelha”, além de não fazer menção ao hospital de Tatuí, seus funcionários, ou a entidades locais, se passa dentro de um quarto de hospital onde as vítimas da tragédia do Rio de Janeiro são socorridas.

Em meio à catástrofe, os internos passam por situações distintas e igualmente hilárias. As vítimas acabam sendo testemunhas de um golpe que a direção da entidade tenta ao se aproveitar da tragédia.

Como na vida real, na peça, o deslizamento também acomete na região serrana do Rio de Janeiro em anos subsequentes. Contudo, no primeiro ano da tragédia, o hospital havia desviado ajuda obtida por entidade internacional.

No ano seguinte, a direção tenta, mais uma vez, dar outro destino para a ajuda. “É quando as pessoas internadas acabam descobrindo a situação e agindo de forma a impedir um segundo golpe”, conta Camargo.

A história toda desenrola-se dentro de apenas dois ambientes. Camargo estudou adaptação para cinema e TV, na pós-graduação, na faculdade de Comunicação “Cásper Líbero”, em São Paulo. Razão pela qual considera, em suas peças teatrais, elementos que venham a facilitar a montagem, como os relativos a cenário e marcações.

“Tudo isso está dentro de um contexto. Existem textos que não têm esse tipo de preocupação. Isso não é obrigatório, só que, ao mesmo tempo, no meu entendimento, se puder criar uma história que necessite o menos possível de ambientes distintos para facilitar a produção, vou por esse caminho”.

A preocupação maior, no entanto, é com o enredo. O autor explica que os ele-mentos são incluídos, ou excluídos, desde que não comprometam a história. “Como é teatro, acho que, quanto mais o texto facilitar, melhor”, apontou.

Para ele, cenários e adereços são elementos importantes para a peça. Entretanto, nem sempre os autores conseguem alcançar uma produção com muitos elementos. Motivo da opção por poucos ambientes.

“Santa Casa da Luz Vermelha” é uma peça e, como tal, não deve constar em formato livro. Embora o autor goste da ideia, explicou que a impressão serviria apenas para efeito de registro material. “Ninguém consome texto dramatúrgico”, observou.

“Colocá-lo em livro, seria bacana, mas, mais por uma questão pessoal. Na prática, não vale a pena, até porque serviria apenas para divulgação entre profissionais do meio, o que pode ser feito de outras formas”.

Os leitores que quiserem ter acesso ao texto – e a outros já produzidos por ele – podem acessar o site da Sbat (Sociedade Brasileira de Autores de Teatro). O escritor tatuiano é filiado à entidade e disponibiliza no endereço www.sbat.com.br cópias no formato digital.

Cópias também podem ser solicitadas com o escritor. “Como o texto é assegurado em termos de direitos autorais, posso repassá-lo sem qualquer problema”, concluiu, adiantando que ainda poderá disponibilizar todos os textos teatrais dele no formato “e-book”, nas próximas semanas.