Índice medirá saúde mental de brasileiros

Índice pode nortear políticas públicas (Foto: Divulgação)
Da Futuro da Saúde

Sem dados, um problema não existe. Esta é uma expressão comum e cada vez mais utilizada na sociedade atual para ilustrar que é preciso ter informações consistentes para ajudar empresas, instituições e governos a tomarem decisões – e até mesmo formularem políticas públicas – baseadas em evidências.

E o cenário da saúde mental no Brasil é um desses casos que carece de dados mais robustos para embasar mudanças e iniciativas.

Nesse contexto, o Instituto Cactus, em parceria com a AtlasIntel, empresa de tecnologia especializada em inteligência de dados, criaram o iCASM, índice que medirá trimestralmente como está a saúde mental de brasileiros acima de 16 anos.

Em linhas gerais, o iCASM (Índice Instituto Cactus-Atlas de Saúde Mental) se baseia em uma pesquisa que analisará diferentes fatores associados à saúde mental, como gênero, orientação sexual, renda, situação profissional, relações familiares e práticas de esportes – apontados como questões com maior associação com a saúde mental dos entrevistados.

Com base nos dados encontrados, o índice mostrará um número geral de 0 a 1000, que indicará a situação da saúde mental da população naquele trimestre.

O primeiro resultado, divulgado na semana passada, indicou a pontuação de 635 para o primeiro trimestre de 2023.

“Os resultados estabelecem o início de uma série histórica inédita, que será reproduzida periodicamente para acompanhar o comportamento dos diversos aspectos relacionados à saúde mental da população brasileira ao longo do tempo”, afirma Maria Fernanda Resende Quartiero, diretora-presidente do Instituto Cactus, em nota à imprensa.

Além do número geral, o índice também apontará diferentes recortes, fator que, para Quartiero, é fundamental para uma visão completa sobre a saúde mental.

“É importante que os indicadores
sejam lidos em conjunto com os contextos e estruturas sociais em que os grupos
estudados estão inseridos”, completa.

O primeiro resultado do índice foi feito com base em uma amostra de 2.248 brasileiros de todas as regiões do país, que responderam perguntas de forma online seguindo questionários internacionalmente reconhecidos, segundo o instituto.

Para Andrei Roman, CEO da AtlasIntel, “a metodologia de coleta web possibilitou uma coleta extremamente ampla, em 746 municípios, muito mais do que seria possível via coleta presencial. Além disso, por ser anônima e em ambiente online, reduz o viés do estigma que o tema de saúde mental carrega, comparado com outras formas de coleta de dados a partir de interação direta com agentes de pesquisa”.

O iCASM foi divulgado em conjunto com o estudo Panorama da Saúde Mental, que analisou os diferentes recortes de dados.

Dentre eles, constatou que a preocupação com dinheiro é um dos principais desafios para a saúde mental dos brasileiros. Quase nove em cada dez respondentes se preocuparam com a sua situação financeira ao longo das últimas duas semanas.

Dessa forma, pessoas desempregadas obtiveram pontuações mais baixas, com 494 pontos, o que representa 186 pontos abaixo dos assalariados e 141 pontos abaixo da média populacional.

Além disso, os entrevistados com menor renda apresentam pontuações abaixo daquelas com maiores salários: indivíduos com renda acima de R$10 mil alcançam 737 pontos, enquanto aqueles que ganham até R$ 2 mil marcam 576 pontos.

Em relação a gênero, o índice constatou um contraste na pontuação do iCASM entre homens e mulheres. As populações femininas obtiveram números mais baixos, de 600 pontos, enquanto o iCASM para homens registrou 672 pontos.

Já na questão de orientação sexual, homossexuais apresentaram iCASM de 576 e bissexuais, de 488; 59 pontos e 147 pontos, respectivamente, abaixo da média populacional.

Segundo o índice, pessoas que se identificam com outras orientações sexuais tiveram pontuações ainda mais baixas: pessoas transexuais, por exemplo, obtiveram um iCASM de 445, 190 pontos abaixo da médica da população e 193 pontos a menos que a população cisgênero.

Segundo a pesquisa, pessoas com maiores redes de apoio e relações mais saudáveis com família e amigos apresentaram pontuações no iCASM mais elevadas que a média geral.

Os entrevistados que não reportaram brigas com familiares nas últimas duas semanas apresentaram um iCASM de 715, em oposição a um iCASM de 370 entre aqueles que reportaram três vezes ou mais episódios de brigas nesse mesmo período.

Outro fator observado foi a relação entre a prática de esportes e um índice de saúde mental mais elevado. O iCASM de quem não pratica atividade física ficou em 580, enquanto o grupo que se exercita três ou mais vezes por semana ficou com 722.

Além de um módulo fixo, que permitirá a comparação dos dados ao longo do tempo, o iCASM é composto de um módulo variável que, a cada edição, abordará um tema de relevância social do momento.

Nessa primeira edição, o foco foi nos serviços e buscou identificar como os brasileiros cuidam da saúde mental, trazendo dados sobre acesso a psicoterapia, psiquiatria, medicação e terapias alternativas, além do tipo de serviço acessado e o grau de satisfação.

Do total dos entrevistados, 62% não usam serviços de apoio à saúde mental e só 5% dos brasileiros relataram fazer psicoterapia, número que contrasta, inclusive, com os 17% que relatam utilizar medicação para problemas emocionais – sendo que a grande maioria está fazendo uso destes medicamentos há mais de um ano (77,7%).

Dos respondentes, 41% afirmam estar insatisfeitos com os serviços de saúde em algum grau, enquanto que 30% afirmam-se satisfeitos ou muito satisfeitos.

Em relação a atendimento, 11,7% dos brasileiros afirmam ter utilizado serviços hospitalares em saúde mental nos últimos 12 meses, incluindo serviços de enfermaria em hospital geral, hospital psiquiátrico, hospital dia, pronto atendimento e urgência.

Ao mesmo tempo, 7,1% afirmam ter recebido algum diagnóstico de saúde mental no SUS nos últimos 12 meses, durante uma consulta de rotina.

Para Luciana Barrancos, gerente-executiva do Instituto Cactus, o novo índice pode apoiar pesquisas acadêmicas, iniciativas inovadoras e políticas públicas. “Diferentemente de um olhar clínico, o estudo se propõe a trazer uma abordagem social e estrutural para o tema da saúde mental e a aproximar a população desse assunto. O convite é para a ampliação do debate a partir das evidências”.