Cristiano Mota
Suzete Lopes Lima defende prevenção e conta com apoio de amigos
Suzete Lopes Lima é personalidade conhecida entre “os mais antigos” moradores de Tatuí. Ex-catadora de papelão, ela é considerada por amigos e pessoas próximas como exemplo de determinação, sobrevivência e luta contra a discriminação.
Portadora do HIV há 26 anos, Suzi – como gosta de ser chamada – deparou-se recentemente com as primeiras complicações causadas pela Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.
Por conta do drama pessoal e motivada pelo Dia Mundial de Luta Contra a Aids, ela entrou em contato com O Progresso para falar sobre a importância da prevenção, no mês de combate à doença.
Em entrevista, ela contou como adquiriu Aids e de que maneira lida com a doença. Também mostrou-se preocupada com dados divulgados pelo governo do Estado.
Neste mês, a Secretaria de Estado da Saúde publicou levantamento mostrando que o número de notificações de casos de Aids entre os jovens paulistas de 15 a 24 anos aumentou 21,5% nos últimos sete anos.
De acordo com a pasta, em 2007, houve notificação de 594 novos casos em pessoas dessa faixa etária, enquanto que, em 2013, o número de registros alcançou 722.
Os dados são do Boletim Epidemiológico do CRT (Centro de Referência e Treinamento) DST/Aids. Esse estudo aponta que, no mesmo período, os casos de Aids entre os idosos aumentaram no Estado. Entre a população com 60 anos ou mais subiram de 319, em 2007, para 322, em 2013.
Atualmente vivendo de renda obtida com a venda de materiais recicláveis (garrafas pet e latas de alumínio), Suzi recebe apoio do casal Robson Carriel Crescêncio e Edilene Lopes dos Santos Crescêncio. Os dois garantiram abrigo, quando a pensão na qual ela residia foi vendida e teve de ser desocupada.
Suzi contraiu o vírus em 1988 e recebeu o diagnóstico após realizar testes no Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo.
“Fui fazer exame porque estava com umas manchas. O médico detectou sífilis, só que pediu outros exames. Daí, veio o HIV, na época do ‘boom’ da doença”, contou.
Aos 35 anos de idade e com a notícia da infecção, Suzi mudou de vida. Na época, ela morava em São Paulo e vinha a Tatuí a passeio, para rever a mãe e uma tia. “Eu era uma pessoa que trabalhava na noite e que corria o mundo”.
Pouco antes de ser diagnosticada, ela percorreu a Europa, trabalhando em Roma, Milão, Portugal, Lisboa, Porto e Zurique. “Minha vida era complicada e, quando soube da doença, parei com tudo. Achei que era até um dever. Não poderia arriscar a passar a doença para os outros”, descreveu.
A guinada veio com a mudança em Tatuí, quando a renda da ex-dançarina caiu. “Financeiramente falando, minha vida mudou. Eu vivia viajando, tinha uma boa condição e conheci muitos lugares. Quando parei, tudo acabou”, disse.
Em Tatuí, Suzi não conseguiu colocação formal, partindo para a venda de papelão para obter renda. Onze anos depois, engravidou e deu à luz um menino – ele está com 15 anos, tendo negativado para o vírus aos dois anos de idade.
Foi com o trabalho de recolhimento de papelão que Suzi tornou-se conhecida dos comerciantes. Ela conta que muitos deles auxiliaram-na, especialmente quando sofreu dois acidentes. Em um deles, quebrou uma das pernas (quando foi atropelada por uma moto); em outro, sofreu fratura no pulso direito.
Comovidos, os empresários auxiliaram de diversas maneiras a então catadora de papelão. A Tintas Pig ofereceu aluguel por três anos, a Farmácia São Paulo, vitaminas.
Outras lojistas colaboraram, como Baby Bum Bum, Zaith, O Boticário, Seller, Café Canção, Le Cirque, Padaria 15 e Morena Calçados. Muitos deles ainda contribuem com Suzi, cedendo recicláveis.
Porém, a catadora parou temporariamente com a atividade de recolhimento dos materiais, por conta da condição física. Em novembro, o exame dela apontou que a taxa de imunidade chegou a 67. A média dos meses anteriores era de 700.
Suzi afirmou que não se cuidava antes de contrair a Aids e considerou esse comportamento “comum entre os jovens”. “Esse é o problema. Quando você é mais novo acha que isso nunca vai acontecer na sua vida. Também pensa que o remédio é a tábua de salvação, mas não é. Tem efeitos colaterais”, argumentou.
Mesmo sabendo que o coquetel oferecido gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde) pode ajudar a prolongar a vida, ela está entre o grupo de pessoas soropositivas que resiste em tomar o medicamento.
Suzi disse que o comportamento dela não deve ser seguido pelas pessoas que contraíram a doença. Ela alertou para a prevenção como forma de evitar tanto a contaminação como a dependência do medicamento.
Também afirmou que os infectados devem tentar manter a “mente sã”. Segundo Suzi, quando tomam conhecimento da doença, muitos se deixam abater. “Acho que, por conta da notícia, elas podem ter depressão e a condição física piorada”.
São explicações dessa natureza – que falam da importância do tratamento e do suporte multiprofissional aos infectados – e testes para viabilização de diagnóstico rápido que a Secretaria Municipal da Saúde está promovendo desde o dia 29 de novembro.
Trata-se da campanha “Fique Sabendo”, que oferece, desde a segunda-feira, 1º, mutirão para testagem rápida do HIV e sífilis.
Os testes são feitos em todas as UBSs (unidades básicas de saúde). Eles dão sequência às ações antecipadas no dia 29, na Praça da Matriz. Lá, a Prefeitura instalou estandes para atender gratuitamente a população.
Para Suzi, é importante a participação da população, em especial dos jovens. De acordo com ela, as ações também contribuem com a redução do preconceito.
“A discriminação atrapalha a vida da gente em muitos momentos. Você mesmo se boicota por causa da reação das pessoas”, comentou.
Com ajuda dos amigos, Suzi disse que encontrou motivação para continuar se cuidando. “Tenho sido forte, mas é uma luta diária. Não sei se vou viver um ano, dois, mas, se eu puder servir de exemplo para alguém, já valeu”, concluiu.