Quem nunca viu um geribá? E um porquinho da Índia? O geribá, gerbo ou esquilo da Mongólia (“Meriones unguiculatus”) é um amável e carente bichinho. Rói tudo, por isso deve-se criá-lo em cercado de vidro, porque não dispensa nem madeira. Precisa de areia e serragem para escavar, dada sua origem passada nos desertos mongóis e siberianos, que o obrigava a buscar sementes e grãos, seu principal alimento. É brincalhão e inofensivo, agrada criancinhas e adultos que gostam de animais. Talvez seja um dos roedores de estimação mais simpáticos da grande família.
Hamsters todos conhecem. A palavra vem do alemão “Hamstern”, que quer dizer guardar, armazenar: suas grandes bochechas acumulam comida para ser deglutida aos poucos, herança de seus antepassados das terras áridas africanas e asiáticas. Também se chama criceto (do latim “cricetinae”), mas hamster, com certeza, dá um certo charme a esse roedor menos simpático do que o gerbo, apesar de ser também ótimo mascote. É usado em pesquisas em laboratórios, assim como camundongos e outros pequenos roedores. Um tipo de hamster tem pelos grandes que se desprendem com facilidade, razão pela qual deve ser evitado por crianças alérgicas. O outro, de pelos curtos, chamado “sírio”, é colorido e bastante brincalhão.
Quando criança, tive que fazer um exame de sangue, cruel tortura, e meu tio Marcelo, que era diretor do Hospital Felício Rocho, de Belo Horizonte, levou-me para a coleta. Passando por uma sala, vi algumas gaiolas com lindos camundongos, branquinhos como coelhinhos da Páscoa. Como chantagem, insisti até que meu tio prometeu me dar um de presente, na saída. Assim, meu sofrimento na coleta foi bem mais suave, ansioso pela recompensa. Na saída, caixa com furos debaixo do braço, levei o bichinho comigo. Chegando ao Rio, coloquei-o em um caixote de madeira coberto com tela de arame, para que pudesse vê-lo bem. Mas o bichinho roia madeira que era uma beleza, e volta e meia conseguia escapar e fazer das suas travessuras, como apavorar a Mira, empregada, que chegou a subir gritando em uma cadeira. Roeu parte de uma das colunas de madeira que sustentava a cobertura da varanda, era um pestinha incorrigível. Um dia, sumiu, e reza a lenda que a Mira o havia dado de presente para um lixeiro. Deve ter sido mais feliz com o gari, que estaria acostumado com as enormes e horríveis ratazanas que povoam esgotos e lixos – deve ter sido um mimo para ele.
Em Boston, quando me mudei para um apartamento no centro, logo percebi certos ruídos noturnos que, para meu horror, descobri que seriam de ratos – eu não sabia que em Boston e NY há entre seis ou sete deles por pessoa, gestados em confortáveis ninhos feitos na lã isolante entre as paredes internas. Fui ao senhorio reclamar. Com muita educação, sussurrei para Mrs. Pinkhas que em casa havia ratos, e ela arregalou os olhos horrorizada e gritou “rats”? Eu confirmei, e ela disse oh, Mr. Dourado, de que tamanho são esses ratos? Discretamente, mostrei com os dedos alguma coisa como seis ou oito centímetros, o que foi suficiente para ela soltar uma gargalhada e dizer: “Mr. Dourado, esses não são ratos, são camundongos, se o senhor se incomoda arrume um gato!” (Claro que incomodavam, roíam até a borracha da porta da geladeira e, espremendo-se, lá dentro faziam a festa. O pão de forma eu deixava pendurado no cordão de acender a luz). Com gato em casa, via dois, três camundongos por dia – squeek, squeek, e lá se ia mais um, na boca do bichano, devidamente “despejado” do apartamento. Camundongos em desenhos podem ser simpáticos como o Mickey Mouse, mas são nocivos roedores quando não são mascotes como o meu cheiroso bichinho, nascido em laboratório.
João Sayad, economista pela USP e doutor pela Yale University, mente brilhantíssima que trabalhou com Franco Montoro, Marta Suplicy e José Serra, como secretário da Cultura do Estado de São Paulo. Em 2013, publicou na “Folha” o artigo “A Taxonomia dos Ratos”. (Taxonomia, segundo o velho Houaiss, é “ciência que lida com a descrição, identificação e classificação dos organismos”). Em seu saboroso texto, Sayad convida o leitor à taxonomia da corrupção, do simples fiscal ao parlamentar. Lembrou que a taxonomia passa também pelo setor privado, fazendo par ao poder público. Para Sayad, a corrupção que ele classifica como “a la grande” é a dos pesados investimentos públicos, negociatas, toneladas de cimento, como o prédio do TRT na Barra Funda, SP, que custou 160 milhões (em dinheiro da época) acima do previsto. Deu no que deu.
Sayad aborda também a chamada “corrupção pequena”, que contrata parentes, cria notas e empresas de fachada, adquire material superfaturado, modalidade que, segundo ele, poderia ser classificada com o nome elegante de “petit cash”. E calcula que esse tipo de pequeno desvio, a longo prazo, leva a sangrias milionárias nos cofres públicos, são milhões de custo com benefício zero, vão direto para os ratos e suas ninhadas. E diz que nesse tipo de falcatrua, que classifica como “corrupção brega”, “o parasita permanece grudado na instituição hospedeira que suga por longos períodos”. E termina o texto inconcluso, declarando-se indignado, assinando ao fim sua “obra aberta”, convite à reflexão sobre essa cultura incurável brasileira.
Paro aqui na alegoria do Sayad, poetando que rotos ratos e ratazanas reais roeram as roupas do reino. Portanto, não merecem ser colocados na companhia deles esses afáveis e confiáveis gerbos, hamsters, porquinhos da Índia e camundonguinhos domésticos.