Se todos os indivíduos acreditassem que, ao irem para a guerra, seriam realmente mortos, provavelmente, a história da humanidade teria muitos conflitos a menos. Salvo os soldados fanáticos das “guerras santas”, que buscam efetivamente o martírio fatal, pois creem esperar por eles um harém de virgens no paraíso, os demais, longe da morte, sonham em voltar como heróis dos combates.
Em resumo: a eterna ideia de que o mal só acontece com os outros, nunca conosco. A realidade, no entanto, é diferente e pode reservar problemas a todos nós, não somente a eles.
Neste sentido, é preciso reconhecer a existência de uma guerra que pode, sim, vitimar a todos, nossas famílias e amigos, gerando mortes, em última instância: a dengue.
Pela postura que se observa, tem-se a impressão de que a doença só atinge os outros, ou que seja algo existente somente nos noticiários, ou mesmo na ficção, em novelas ou narrativas afins.
Mas, não. A doença faz parte da vida real, como nunca em muito tempo. Somente quem a percebe com clareza – e passa a levá-la a sério – são os que foram vitimados ou tiveram pessoas próximas acometidas pela doença.
Também por isso a guerra é difícil, especialmente por parte dos agentes de saúde, não raro, impedidos de entrar em residências cujos proprietários ignoram o perigo e entendem as incursões quase como “invasões de privacidade”.
São notórias as campanhas do sanitarista Oswaldo Cruz, o qual, no início do século passado, impôs “pela força” o acesso “forçado” às casas dos cidadãos, de forma que a febre amarela pudesse ser combatida de fato. (Para se ver que o Aedes aegypti põe as autoridades a correr e o povo a se coçar há mais de um século…).
Da mesma forma “draconiana”, forçou campanha de vacinação contra a varíola, que resultou, até, em revolta nacional. Naturalmente, quando a situação tornou-se crítica, seus adversários tiveram de se curvar e o sanitarista tornou-se herói nacional…
No momento, a situação é de alerta, marcada, sombriamente, pelo fato de que, conforme divulgado na semana passada pela Secretaria Municipal da Saúde, as autoridades locais já não trabalham mais prioritariamente para conter a doença, mas para “evitar óbitos” (mortes!).
A pasta também informou que a transmissão da dengue em Tatuí subiu desde o boletim anterior, datado de 6 de março. Na quinta-feira, 26, a pasta contabilizava 127 casos confirmados, contra 40, num aumento de 217,5%. No entanto, esse número deve subir ainda mais.
A projeção feita pelas autoridades é de que as confirmações passem de mil. Até o dia 26, Tatuí registrava 431 notificações, quando os médicos têm suspeitas de que os sintomas são da doença.
Dos confirmados, 61 casos eram importados (contraídos fora da cidade) e 66, autóctones (com a contaminação pelo Aedes aegypti ocorrida dentro do município).
Esse número varia conforme a atualização dos exames. Até a semana retrasada, a média era de cinco confirmações por dia.
A coordenadora da Vigilância Epidemiológica, enfermeira Marilu Rodrigues da Costa, explicou que a demanda por exames das cidades vizinhas está interferindo no prazo com que os diagnósticos estão sendo realizados.
Conforme ela, os médicos são orientados a notificar como suspeitos apenas os casos nos quais os pacientes apresentem febre, uma vez que nem todas as pessoas que contraem a doença têm complicações.
“Se pegarmos mil casos, em 900 deles as pessoas não vão nem saber que tiveram dengue”, comentou. Marilu disse que isso ocorre porque a maioria vai apresentar sintomas “leves”. “Só que não são esses casos que nós estamos visando. O Estado quer evitar o óbito”, enfatizou.
Também extremamente preocupante é a expectativa de que o número de casos autóctones deve aumentar. “Há uns dias, o importado se sobressaía. Agora, estamos esperando que os autóctones aumentem”, comentou Marilu.
Juntamente com Itapetininga e Cerquilho, Tatuí situa-se na segunda fase da classificação de epidemia. A cidade está em situação de alerta e, caso as confirmações passem de 170, vai chegar à situação de emergência. Esse é o caso de Iperó, Sorocaba, Boituva, Votorantim e Salto de Pirapora, que integram a regional.
Como Tatuí vem registrando casos desde o início do ano, a tendência é que as notificações e as confirmações aumentem. “Nós tivemos um salto muito grande. Então, o Estado acha que, se a situação é desconfortável agora, vai piorar”.
A previsão do Estado, para Tatuí, é de que o município, passado o período de alta (que tem início em abril), chegue a atingir 1.100 casos.
De acordo com a coordenadora, todos os municípios receberam orientação de concentrar os esforços no atendimento à população.
“Nós não estamos mais conseguindo evitar a doença, porque a própria população não fez a parte dela. Não adianta só o serviço de saúde fazer a parte dele”, argumentou.
Marilu destacou que não tem recebido apoio por parte dos moradores, especialmente nas atividades que competem à destruição de criadouros.
De acordo com ela, a equipe tem verificado que, em alguns dos casos confirmados, a contaminação ocorreu por falta de cuidados para evitar proliferação do mosquito transmissor da doença.
“Quando os agentes vão fazer a destruição, verificam, em muitos casos, que as casas das pessoas estão cheias de coisas inservíveis e que são focos de proliferação”.
Além da não adoção de medidas preventivas, Marilu afirmou que muitos moradores não permitem o acesso dos agentes a seus lares.
“Muitas vezes, os agentes são taxados de chatos. Em outros casos, as residências estão fechadas”. Nesta última situação, a coordenadora frisou a necessidade de cuidados redobrados.
A verdade é que, como na época de Oswaldo Cruz, o “povo”, muitas vezes, não colabora, alienado quanto aos perigos das doenças e, assim, dificultando o trabalho dos agentes de saúde. Será que a atual situação, portanto, segue para novas campanhas ostensivas? Provavelmente, não. Mais fácil dirigir-se a uma situação caótica novamente, vez que, no momento, todos idolatram seus direitos (como a “privacidade” de seus lares), mas desprezam os deveres (como manter suas casas limpas, por exemplo, sem comprometer a saúde pública).