Figura ‘olí­mpica’





Depois de muita expectativa, o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos Rio 2016 definiu o dia em que a tocha olímpica passará por Tatuí. Em 17 de julho, os tatuianos terão a oportunidade de ver o símbolo da maior celebração esportiva do mundo ser exibido pelas ruas da cidade.

O roteiro já foi definido pela organização dos Jogos, mas ainda não divulgado pelo Departamento de Cultura e Desenvolvimento Turístico, a pedido do comitê. Uma delegação visitou a cidade para definir os pontos.

No dia 16 de julho, a tocha passará a noite na cidade de Itapetininga. Na manhã do dia seguinte, seguirá para Sorocaba, onde desfilará pela cidade e, então, virá para cá. Depois de Tatuí, seguirá para Botucatu, Lençóis Paulista e Bauru. A capital paulista recebe-a no dia 24.

No Brasil, serão 300 municípios a receberem a tocha, 41 deles no Estado de São Paulo. A chama será acesa na tradicional cerimônia realizada em Olímpia, na Grécia, em 21 de abril.

Depois de percorrer todo o país, a tocha acenderá a pira no estádio do Maracanã, dia 5 de agosto, durante a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos.

Em Tatuí, entre os cotados para carregar a tocha pelas ruas da cidade, está o advogado Simeão José Sobral. Em reportagem recente, o jornal O Progresso entrevistou-o sobre esse privilégio e “desejo”.

Aos 99 anos, com saúde, bom humor e muita disposição, o advogado aposentado – embora seja um “tatuianíssimo” como poucos – nasceu em São Paulo, no ano de 1916. Está para completar, portanto, um século de vida. E que vida!

Para o ano de seu centenário, estão reservadas novidades, como a presidência do Rotary Clube de Tatuí e a participação na caminhada da tocha Olímpica.

“Fui escalado para carregar a tocha olímpica. Vou comprar um ‘Keds’ e começar a treinar. Você sabe o que é um Keds? É o que vocês, hoje, chamam de tênis”, comentou, bem-humorado.

Sobre a presidência do Rotary, entidade que fundou em Tatuí e presidiu em duas ocasiões, Sobral classificou-a de “loucura” dos companheiros rotarianos.

“Sou um dos fundadores do Rotary de Tatuí, que aconteceu em 1947, e o único vivo. Estou escalado para assumir em junho. Foi um ato de loucura de meus companheiros de clube. Onde é que se viu contar com o trabalho de um cara com 99 anos? Eu devia estar internado em um asilo”, brinca.

Para a presidência, Sobral afirma que os planos vão aparecendo conforme as circunstâncias, mas tem uma preocupação especial, com as bolsas de estudo da Escola de Enfermagem.

“Um dos meus planos é ampliar nossa participação nas bolsas de estudos de enfermagem, praticamente criada pelo Rotary”, comenta.

Revendo o passado, Sobral lembra que já viveu em períodos democráticos e sob duas ditaduras, das quais não tem lembranças boas. No Estado Novo, ditadura de Getúlio Vargas, entre 1930 e 1945, ainda estudava na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo.

Nessa época, foi contemporâneo do presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães. “Participávamos do grêmio estudantil e da política interna da faculdade. Cheguei a conhecer ele, era um político de nascença”, aponta.

Na política local, Sobral foi vereador uma vez, pelo PSP (Partido Social Progressista, já extinto), na década de 1950. A carreira terminou cedo, pois estava “contaminando a vida pessoal”.

“Estava me cercando de inimigos e criando problemas pessoais. Daí, eu me afastei da política. Não faço mais parte de partido político nenhum, só vou votar”.

Sobral também foi presidente da subsecção local da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) por seis vezes. Quando nesse cargo, segundo ele, a instituição tinha um caráter mais “burocrático”.

“A OAB era simplesmente um órgão arrecadador do dinheiro dos advogados, que era enviado para a secção de São Paulo. De modo que, praticamente, a nossa função era arrecadar dos advogados da região e mandar para lá. Não tínhamos recursos nenhum”, afirma.

“Tanto que a máquina de escrever fomos nós que fizemos uma ‘vaca’ para instalar no fórum, pois não tínhamos recursos nenhum. Hoje, a Ordem está mais poderosa, tem recursos e fornece recursos para as subsecções”.

Na advocacia, Sobral, que está aposentado desde 1997, atuou nas áreas cível, criminal e trabalhista. Entre as quais, observa ele, o direito criminal é mais “atraente”.

Das lembranças do passado, Sobral se recorda da “Tatuí antiga”, da juventude, época em que os clubes eram os pontos de encontro da garotada.

“A vida era doméstica. Nós tínhamos o cinema São Martinho, que era o ponto principal de atração, e o jardim em frente à Matriz. Então, tinha cinema, baile no fim de semana, a gente dava algumas voltas no jardim”.

Para sair, Sobral pegava uns trocados com o avô Simeão, com quem “tinha relação de amizade e cumplicidade”.

“Ele tinha outros netos, e era quem nos dava uns ‘cobres’ (dinheiro) para a gente, toda semana. Era quem sustentava nossos finais de semana. Nosso relacionamento foi muito bom”.

Para namorar, só com o consentimento dos pais da garota. O casamento com a primeira esposa, Rosa, aconteceu em 1946 e durou quase 50 anos, quando ela faleceu.

“Eu casei em 1946, com quase 30 anos. Namorei, possivelmente, uns três anos. Naquela época, o namoro era muito diferente. Um olhava para o outro, devagarzinho ia se esbarrando”, relembra.

“E ia até se atingir uma coisa chamada noivado, que era o compromisso de casamento. Hoje, a coisa está muito mais socializada entre o homem e a mulher. Está bem democratizado. Eu noivei em menos de um ano”, completa.

Sobre a saúde, Sobral se orgulha em contar: “Estou muito bem. É um privilégio que Deus está me dando, a minha saúde”. Isso apesar da “cervejinha” às quartas-feiras e aos finais de semana.

“Bebo Brahma e um uisquinho quando o tempo está carregado. Adoro vinho; quem vai conhecer Portugal tem que gostar de vinho. De quarta-feira, eu vou ao treino dos veteranos do XI de Agosto. Fico lá, tomando uma cervejinha, conversando sobre futebol”.

E não apenas saúde Sobral tem de sobra: “perícia” e lucidez também. Tanto que costuma ser visto constantemente dirigindo pela cidade. Já pilotar pelas rodovias não dá mais, diz ele. “O trânsito está muito violento”. A esposa, Maria Elisabete Sobral, com quem vive desde 2002, às vezes, dá “puxões de orelha” no motorista.

“Em minha opinião, eu dirijo bem; já a minha mulher acha que não. Ela diz que eu sou descuidado, não olho muito para os lados. É aquela coisa de passageiro que quer dirigir do jeito dele e esquece que quem está dirigindo é você”.

Sobral já conheceu os Estados Unidos e a Europa. A mais recente viagem internacional foi para Portugal, a terra do avô paterno Simeão Augusto Sobral, onde ficou duas semanas.

O aposentado confidencia que os países dos quais mais gostou foram os europeus, e que tem muita vontade de conhecer Barcelona, capital catalã, na Espanha. “Disseram-me que é uma cidade que não tem dia nem noite, não tem hora. A cidade não para”.

Quanto ao futuro, o aposentado planeja mais viagens, apesar dos obstáculos que a idade impõe. “Vontade é o que não falta”, garante.

Certo é que, aqui em Tatuí, Simeão Sobral carregará a tocha que já viajou pelo mundo, simbolizando o esporte como um dos caminhos mais curtos para a paz e a confraternização entre os povos. E quem melhor que ele para expor esse ícone?

Se o Brasil terá sucesso nos Jogos não se sabe. Mas, com certeza, se as Olimpíadas laureassem os mais admiráveis “campeões da vida”, não haveria espaço para tanta medalha de ouro no peito de Simeão Sobral.