Símbolos da cultura caipira, os carroceiros estão em extinção em Tatuí. A praça Anita Costa, conhecida popularmente como “Praça dos Cavalos”, não ganhou o apelido à toa. Em passado nem tão remoto, era possível encontrar diversos carroceiros profissionais e charretes de produtores rurais “estacionados” no largo.
Proprietário de um comércio voltado à saúde animal, Luiz Antônio Domingues Ferreira, conhecido como “Luiz Urutu”, viu o número de carroceiros “minguar” desde 1991, quando inaugurou o estabelecimento.
Para o comerciante e “amante dos cavalos”, a redução do número de carroceiros tem dois motivos: o envelhecimento dos profissionais e a preferência por automóveis e picapes, que dominaram o cenário urbano nos últimos 30 anos.
“Poucos usam cavalos para o trabalho. Eles foram substituídos pelas máquinas, no caso da tração, e pelas motocicletas e carros, para o transporte. Somente entre alguns pequenos produtores há quem ainda use animais para locomoção”, opinou.
O comerciante estima que, em toda a cidade, “no máximo”, seis pessoas trabalham fazendo pequenos carretos com carroças. Na Praça dos Cavalos, durante a semana, apenas um idoso ainda tem o “ganha-pão” com o transporte de pequenas mercadorias.
Como a Prefeitura tem sido mais rigorosa na fiscalização de depósitos irregulares de entulhos e a cidade não conta com locais apropriados para a destinação de restos da construção civil, os carroceiros trabalham levando eletrodomésticos como geladeiras, fogões e pequenas cargas.
“Hoje em dia, acho que tem somente um ou dois fazendo o serviço aqui na praça. Eles fazem pequenos carretos. Um deles faz ferrageamento (instala ferraduras) em cavalos, e aqui é o ponto de encontro dele com os clientes. Mas, se aparecer frete, ele faz”, contou.
Até pouco tempo atrás, era possível encontrar três carroceiros na praça Anita Costa. Um deles afastou-se do trabalho por conta de uma hérnia, segundo Urutu. Outro está “em vias de afastar-se” do ofício.
“Olha, quando abri a minha loja, aqui ficava cheio de cavalos. Isso em 1990, 1991. De lá para cá, foi diminuindo. Acho que, daqui a pouco, não terá mais ninguém. Pelo que sei, tem um carroceiro que trabalha no Santa Rita e outro, na vila Esperança, e mais ninguém”, declarou.
A redução do número de carroças e charretes em circulação na cidade teve “efeitos colaterais” em uma atividade econômica correlata, como a dos marceneiros.
Um dos últimos marceneiros especializados em carroças na cidade, o aposentado Antônio Nogueira viu o número de clientes reduzir ano a ano.
“Antigamente, aos sábados, entravam 50 a 60 clientes na minha oficina. Atualmente, tem mês que nem pego carroça para arrumar. O pessoal que usava foi morrendo com o passar do tempo”, contou.
No início deste mês, um paulistano que comprou um sítio na zona rural levou uma carroça de 50 anos para Nogueira restaurar. Foram trocadas peças de madeira que estavam podres, e uma pintura azul com tinta a óleo renovou completamente o veículo.
O marceneiro disse estar feliz com o trabalho, apesar de duvidar que o dono da carroça vá usá-la no trabalho. O destino, arrisca Nogueira, é tornar o veículo “peça de ornamento”.
“Hoje, eu quase não pego mais (trabalho). Aposentei fazendo isso. Eu e meu irmão chegamos a produzir muitas carroças. Trabalhávamos também na manutenção de implementos de tração animal, como arados”, relembrou.
Um trabalho recente do qual Nogueira diz orgulhar-se é a restauração de um trole de um agricultor de Cesário Lange. O veículo foi totalmente renovado, com madeiras trocadas e estofamento renovado.
Além da falta de clientes, o marceneiro reclamou da dificuldade para encontrar peças de ferro e madeira cabreúva. O vegetal é indicado para a confecção, pela conhecida durabilidade.
“A gente fazia tudo, desde a roda até o acabamento. Hoje, não encontramos mais cabreúva para comprar, nem dá para fazer mais carroças”, lamentou.
A última carroça produzida por Nogueira foi confeccionada na década de 1990. De recordação, o idoso guarda fotos do veículo, feito para um cliente local e pintado com tinta verde-claro. Uma das dificuldades já enfrentadas na época, segundo o marceneiro, foi encontrar profissionais especializados em produzir bancos.
Para o presidente do Sindicato Rural Patronal, Luiz Carlos Ramos, o uso do cavalo no campo está mais ligado a aspectos culturais e de recordação do passado campesino do que para o trabalho de fato.
“No próprio campo, o uso é bem restrito. Os tratores fazem o trabalho de vários cavalos em um tempo menor. Muita gente que conheço tem carroças para satisfazer o ego e para ter uma recordação do passado”, opinou.
Segundo Ramos, o futuro das charretes e carroças é semelhante ao registrado com os carros de boi. “Uma hora vai acabar. É inevitável”.
“As carroças tiveram importância no passado, muitos trabalhadores puxavam lenha e milho para a cidade e levavam tijolos para a estação de trem. A gente dizia que levava as coisas no lombo de burro”, recordou.
A questão da segurança viária também foi abordada pelo presidente do sindicato. Mesmo nas estradas de terra, é perigoso o trânsito de animais, devido ao intenso tráfego de automóveis e caminhões.
“Hoje, o mercado está mais voltado para o uso do cavalo no lazer. Temos grande procura nos cursos nossos de casqueamento, de monta a cavalo e cuidados para animais de exposição. Tatuí tem essa vocação”, contou.
Na opinião de Urutu, o hábito de uso de animais para locomoção está restrito para as “pessoas mais velhas”. Os mais jovens, porém, veem nos cavalos um hobby para passeios aos finais de semana e cavalgadas, de acordo com o comerciante.
“Os mais novos aderiram à tecnologia, então, esses animais viraram hobby, um luxo. Os cowboys usam para lazer. Na hora do trabalho, eles preferem o trator”, ressaltou o comerciante.
O custo de manutenção de um cavalo é de, em média, R$ 350, para os donos que não possuem baia, incluindo “hospedagem” e alimentação. O valor decresce se o proprietário tiver local para acomodação do animal, calculou.