Óbvio parece ser algo natural, do qual não se pode escapar – havendo mínimo bom-senso, naturalmente. Entretanto, nem sempre assim acontece. Na história da tal esfera pública no Brasil, então, muito se nota de incoerente – em observação extremamente amena.
Mas, às vezes, boas surpresas ocorrem, merecendo reconhecimento e apoio. Uma delas, em Tatuí, está sendo efetivada em área delicadíssima, até porque determinante na vida – ou morte, na pior das situações – de crianças e adolescentes.
A agenda da iniciativa, inclusive, não acontece por acaso. Exatamente neste sábado, 18, é celebrado o Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, crimes muito difíceis de se prevenir, apurar e render punições, por consequência.
Para se ter ideia, apenas 16% dos agressores de violência sexual contra crianças e adolescentes são desconhecidos das vítimas, segundo levantamento realizado pela Ferba/Giusti para a Childhood Brasil, com base em reportagens veiculadas na imprensa brasileira sobre o tema em 2018.
Familiares aparecem como os maiores agressores (37%), na somatória de casos praticados por padrastos, pais, mães, avós e outros parentes.
Individualmente, com 35% das incidências, lideram os atos de abuso sexual praticados por “conhecidos” da vítima. O estudo foi elaborado para destacar a importância de estatísticas e estudos sobre o tema.
A pesquisa ainda aponta que as meninas são as principais vítimas de violência sexual (76%). Já os principais locais tidos como cenários dos abusos são, pela ordem: casa da vítima (38%), casa do agressor (18%), não definido na reportagem (19%) e local público (14%).
Em Tatuí, segundo números da Secretaria do Trabalho e Assistência Social, as notificações de violência doméstica ou sexual com vítimas entre 0 e 20 anos têm oscilado ao longo dos últimos três anos.
O órgão mostra que, em 2016, foram registrados 15 casos caracterizados como violência sexual. Já em 2017, houve 13 atendimentos e, em 2018, o número voltou a subir, com 15 casos. Somente neste ano, aconteceram quatro notificações.
Já os dados divulgados pela SSP (Secretaria de Segurança Pública) mostram que os números tiveram alta nos últimos três anos. De 2017 para 2018, o crescimento foi de 43%, passando de 28 para 40 casos registrados nas delegacias de Tatuí.
Somente nos três primeiros meses deste ano, a SSP contabilizou 13 casos de estupro de vulnerável, enquanto que, no primeiro trimestre de 2018, foram nove e, em 2017, três no mesmo período.
Frente a tamanho problema, a boa-nova local implica na criação de um protocolo de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de abuso e violência sexual, próprio para normatizar e padronizar o acolhimento dessas pessoas nos órgãos públicos de Tatuí.
O material sobre os procedimentos teve lançamento oficial na noite de terça-feira, 14, no teatro “Procópio Ferreira” (reportagem nesta edição).
A cartilha, desenvolvida por uma comissão da Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social, em parceria com o CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente), reúne normas e um fluxo de procedimentos para estruturação padronizada do atendimento e acompanhamento de diferentes situações envolvendo violência sexual.
Conforme o presidente do CMDCA, Cláudio Bertolacini, e o secretário do Trabalho e Desenvolvimento Social, Alessandro Bosso, a ideia de montar o protocolo surgiu em 2017, após a primeira campanha “Faça Bonito – Proteja Nossas Crianças e Adolescentes” – desenvolvida anualmente pelo Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
Bertolacini comentou que, ao se trabalhar o tema em escolas, OSCs (organizações da sociedade civil) e Centros de Referência de Assistência Social, foram surgindo denúncias entre os participantes.
Ele afirma que a necessidade de atendimento específico levou a organização a perceber que o município não estava preparado para receber esse tipo de demanda.
“As pessoas que recebiam essa denúncia ficavam perdidas e não sabiam se o certo era encaminhar para o Conselho Tutelar, à delegacia, à Secretaria de Saúde ou a outro tipo de atendimento. Então, começamos a discutir sobre o fluxo, desde o acolhimento da denúncia até os procedimentos para agilizar e melhorar o atendimento às vítimas”, lembrou.
Diante das “fragilidades” da rede municipal na abordagem, atendimento e encaminhamentos das demandas recebidas como consequência às campanhas de prevenção, o presidente do CMDCA (na época, Alessandro Bosso), propôs a elaboração do “Protocolo de Atendimento à Criança e ao Adolescente em Situação de Violência Sexual do Município de Tatuí”.
O secretário destaca que, durante o período, uma comissão permanente, composta por membros do conselho, servidores municipais e do Conselho Tutelar, por meio da resolução 06/2018, foi formada no intuito de coordenar os processos para a formalização do fluxo municipal de atendimento.
A comissão, então, criou uma espécie de manual, que propõe corresponsabilidade por parte de cada um dos integrantes do chamado “Sistema de Garantias de Direitos”.
“Na verdade, este protocolo é para acabar com este jogo de pingue-pongue, em que um órgão passa o problema para o outro, e para que a vítima seja atendida de fato, de maneira correta e de forma rápida”, acrescentou.
Bosso informou que o protocolo traz um organograma constando todos os setores tidos como portas de entrada de denúncias, como escolas, Centros de Referência, delegacias, Conselho Tutelar e outros. Cada órgão é identificado por uma letra, na qual está descrita a função do setor e quais os procedimentos inerentes a cada um.
“A intenção é que esta descrição de funções e procedimentos se transforme em lei ou decreto. Vamos regulamentar uma lei que já existe, ou vamos montar uma lei nova, para que o protocolo criado funcione de fato”, destacou Bosso.
A ação nacional teve a data definida porque, em 18 de maio de 1973, na cidade de Vitória (ES), um crime bárbaro chocou o país, conhecido como “Caso Araceli”. Esse era o nome de uma menina de oito anos que havia sido raptada, estuprada e morta por dois jovens.
Ainda como parte da campanha municipal, neste sábado, 18, acontece a tradicional passeata pelas ruas centrais da cidade, com saída às 9h, em frente à prefeitura, seguindo até a Praça da Matriz.
Bertolacini destacou que a maior intenção é incentivar as pessoas a denunciarem. “Até é por isso que, nos panfletos da campanha, a gente só divulga o disque 100 e 181. A campanha é para que haja conscientização, para que crianças que estejam sofrendo isso sejam identificadas e para que sejam investigadas todas as situações”, concluiu.
Ação fundamental e mais que bem-vinda pelas autoridades da área, cuja resposta precisa ser clara e imediata pela população. Nada mais a dizer, a não ser denunciar quando, de fato, diante de crimes tão horríveis.