Embora não seja mais novidade para ninguém, as redes sociais seguem propagando “fake news” e, por consequência, causando prejuízos e, em alguns casos, gerando até tragédias. E, claro, Tatuí não escapa à regra.
Há estudos apontando que a imensa maioria das mensagens compartilhadas são mentiras. Mesmo assim, há quem ainda acredite em absurdos que já extrapolaram, em muito e há tempo, por exemplo, o kit gay imaginário nas escolas, alcançando algumas sandices (antes) inacreditáveis…
Entre as quais – apenas para citar algumas, a título de “comédia”: ideias de que o mundo é plano, de que o criacionismo é literal, de que há uma conspiração global, liderada por Marx, Che Guevara e Hugo Chávez, pronta a dominar o mundo por meio do “socialismo cultural”.
E, para dissuadir a turba digital da paranoia acéfala, não adianta argumentar que não só essa gente toda já morreu – enterrada bem depois, aliás, que o próprio comunismo…
A verdade é que a mentira está se sobrepondo à verdade, até porque serve para corroborar crenças que paranoicos e oportunistas (quando não ambos) gostariam de ter como fatos, assim podendo impô-las aos demais “incrédulos” – até pela força, se necessário…
Vive-se um momento de profunda superação da máxima – curiosamente – do tão notório quanto cruel marqueteiro nazista Joseph Goebbels, segundo a qual “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”.
Na prática, já está se transpondo até a tal “pós-verdade”, em que o valor maior está no poder de convencimento, não mais nos fatos objetivos. A mentira, ainda que evidente, já está sendo aceita sem questionamentos, desde que “amplamente compartilhada”.
Embora não nas instâncias ideológica e política, Tatuí teve o desprazer de presenciar uma campanha de fake news na semana passada, registrada pelo jornal O Progresso na edição deste dia 20.
Nessa campanha – fortemente compartilhada por tatuianos em redes sociais -, relatavam-se supostos casos de sequestros de crianças em bairros locais, causando alarde na população, obviamente. Contudo, autoridades responsáveis pela segurança pública local informaram não existir nenhum registro de boletins de ocorrência sobre casos do gênero.
As denúncias descrevem, em detalhes, os criminosos, modelos de carros usados nos supostos crimes e, em alguns casos, chegam a citar placas de veículos, em mensagens repassadas por meio de áudios em aplicativos e pelo Facebook.
Uma das “denúncias”, que chegou até a reportagem de O Progresso, pedia alerta com crianças na rua e informava que uma tentativa de sequestro teria acontecido no Jardim Perdizes.
“Quase acabam de sequestrar uma criança. Só não sequestraram porque o tio viu a tempo e tirou ela de dentro do carro. Fiquem em alerta, é um casal que está em um Corola cinza, com vidro fumê”, descreve o áudio.
O mesmo caso também teria acontecido na rua Benedito Faustino da Rosa, segundo outra denúncia, com menos detalhes, repassada por meio das redes sociais.
A reportagem, então, procurou o delegado Silvan Renosto, responsável pela DDM (Delegacia de Defesa da Mulher), que atende casos envolvendo crianças e afirmou que a Polícia Civil não recebera nenhuma denúncia oficial de sequestro ou tentativa. Na ocasião, o delegado ainda ressaltou a importância da cautela com as falsas notícias. Silvan destacou que, ao receber esse tipo de mensagem, é importante verificar a veracidade das informações para não causar alarme ou preocupações desnecessárias e infundadas junto à população.
“Antes de divulgar ou propagar este tipo de mensagem, pegue informações com órgãos oficiais da cidade. A gente está aí para informar, até para tranquilizar a população”, orientou o delegado.
O profissional ainda salientou que as fake news podem acarretar diversos problemas para a cidade, como a sensação de insegurança e a possível reação com relação a pessoas que tenham as mesmas características dos supostos criminosos.
“Já houve casos no Brasil em que chegaram a agredir uma pessoa na rua, só porque ela tinha as características de uma mulher denunciada por sequestro de crianças, e ela era inocente. A população pode ter uma reação ao encontrar com um casal de Corola, por exemplo, e pode haver morte, ferimento, ou constrangimento de pessoas inocentes. Isso é muito perigoso”, alertou.
Silvan lembrou, claro, ser necessário denunciar qualquer situação suspeita. “A primeira coisa que a pessoa tem que fazer, ao ver algo do tipo, é acionar a polícia pelo 190 ou 199. A PM e a GCM vão fazer o acompanhamento, pegar as características do veículo, cor, placas, modelo, para que possa ser abordado”, orientou.
Nesta semana, por sua vez, o próprio WhatsApp reconheceu estar sendo (muito mal) utilizado por usuários, que compartilham em profusão e inadvertidamente as fake news, geradas por pessoas muito mal-intencionadas, obviamente.
A medida do aplicativo foi restringir o compartilhamento a cinco contatos ou grupos por vez – o que minimiza, mas, claro, não elimina o problema. E não o extingue porque a causa não está na ferramenta, mas nos usuários.
Enquanto seguir a preferência pela mentira à verdade, a confusão entre notícia real e invencionices maldosas, a preguiça de se verificar os fatos (função maior do jornalismo profissional), a sociedade – a própria civilização, em outras palavras – continuará a ser prejudicada, e de maneira exponencial.
Mais “gente boa”, inocente, pode sofrer injustiças, tal como muita “gente ruim”, culpada, seguirá impunemente colhendo os frutos da falsidade, adubada no ambiente virtual pela ignorância generalizada – essa, sim, bastante real.