
Da redação
Parte da programação da Semana Paulo Setúbal, a exposição “Somos Todos Livro de Rua”, da escritora tatuiana Cristina Siqueira, recebe o público desta sexta-feira, 8, até o dia 29, no Centro Cultural (Edifício Alvorada), localizado na praça Martinho Guedes, no centro, de segunda-feira a sexta-feira, das 9h às 17h. A entrada à mostra é gratuita.
Com curadoria da própria Cristina, a mostra reúne a produção de estudantes de escolas públicas e privadas do município, composta por poemas recriados, releituras autorais, expressões em poesia concreta e caricaturas.
O evento, além de “celebrar a palavra como forma de expressão”, também é uma extensão e atualização do projeto Livro de Rua, idealizado por Cristina na década de 1990.
Ao longo de mais de vinte anos, o projeto Livro de Rua leva poesia às ruas, muros, escolas, comércios e outros espaços comunitários da cidade. “Tornou-se um movimento poético de resistência e sensibilidade, transformando a literatura em experiência coletiva, viva e acessível”, observa a poetiza.
A exposição apresenta um “recorte” desse movimento, revelando novos olhares sobre a poesia por meio das produções estudantis e do acervo da de Cristina.
“Mais que uma mostra artística, ‘Somos Todos Livro de Rua’ é um convite à reflexão sobre o poder da linguagem como instrumento de expressão, identidade e transformação social”, destaca o material de apresentação da mostra.
Cristina relembra que o projeto Livro de Rua nasceu em Tatuí nos anos 1990, com apoio da Lei Rouanet. “Ele surgiu do desejo de tornar a cidade poeticamente mais bonita. Entendi que, se não formássemos leitores, não adiantaria termos livros de poesia mofando nas estantes”, argumenta.
“Escrever nos muros e depois fazer voar os poemas em cartões postais é algo inédito e, como ouço as pessoas dizerem, é um ato generoso”, acrescenta a escritora.
Desde o início, o projeto reuniu uma equipe de profissionais de diferentes áreas artísticas, “unindo forças para tirar a poesia das páginas e colocá-la nas ruas”.
“Formamos uma equipe de talento em várias áreas. Jaime Pinheiro, consagrado artista tatuiano, participou desde a criação da arte, a captação dos muros e o lançamento na Praça da Matriz, onde um trenzinho circulava para ler a cidade”, informa Cristina.
‘Maria Mercês Rocha Leite, profissional com trânsito midiático nacional, fez a assessoria de imprensa com uma agenda fantástica. Wantuil Lúcio, artista já falecido, era o copista, o que escrevia nos muros. Uma grande perda”, segue a poetiza.
“Sérgio Siqueira de Proença, meu filho, na época com 18 anos, foi o administrador e produtor do projeto. Desenvolveu este trabalho com agilidade e competência” aponta.
“Reinaldo Rodrigues da Costa era o fotógrafo, e as fotos, num processo estendido, se transformaram em cartões postais”, detalha a escritora.
Da rua para o país
O impacto do projeto ultrapassou os limites do município. Diversos veículos de imprensa de grande circulação se interessaram pela iniciativa e vieram a Tatuí para registrar o trabalho.
“Vários veículos de comunicação se deslocaram de São Paulo para cá, o que, para a época, era inédito: Globo, MTV, TV Manchete, TV Cultura, TVs de outras cidades e estados. Em Belo Horizonte, onde morei, foi divulgado em todos os veículos de comunicação de destaque”, enumera Cristina.
Além das televisões, jornais e revistas nacionais também deram visibilidade ao Livro de Rua, como O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, revista Caras, revista Marketing Cultural, entre outros.
A repercussão, inclusive, levou-a a tornar-se sócia correspondente da Academia Sorocabana de Letras e a aproximar-se de diversos grupos literários de língua portuguesa.
“Isso me trouxe contatos e trocas com escritores de fora do Brasil e uma ampliação exponencial de reconhecimento entre meus pares literários. Neste aspecto, as redes sociais foram fundamentais”, indica ela.
Embora o projeto tenha tido um período de pausa, Cristina continuou escrevendo e desenvolvendo outros trabalhos culturais. Destaca-se, nesse período, sua atuação como colunista do jornal O Progresso de Tatuí, com a coluna “Prisma”, que mais tarde deu origem a um livro com memórias e perfis de personalidades tatuianas.
Retomada do Livro de Rua
A retomada do Livro de Rua aconteceu a partir de 2021, com os editais de cultura, que possibilitaram a continuidade das ações. Um dos principais parceiros na nova fase do projeto foi a empresa Strufaldi Revestimentos Cerâmicos, que viabilizou a produção dos painéis poéticos em azulejaria impressa, conferindo caráter perene às obras instaladas pela cidade.
“Com este fundamento, desenvolvi o projeto ‘Era tanta Ternura que Virou Doce’, quando entendi que a tradição dos doces deveria ser valorizada como história tatuiana e não só uma feira de doces. Criei um conceito ao que havia e era bom e gostoso”, comenta a poetiza.
O projeto cresceu também por meio de palestras e oficinas para crianças e jovens, ministradas por Cristina em escolas públicas e privadas da cidade. “Senti-me plenamente realizada. Fui colecionando os trabalhos realizados pelos alunos e entendi que, em algum momento, eles teriam relevância.”
Nesse ínterim, a autora ainda lançou dois livros: “Eu Comigo Conversando com o Umbigo” e “As Borboletas não Voam em Linha Reta”.
A exposição
Com curadoria poética de Cristina Siqueira, curadoria artística de Iara Salles e produção de Talita Diniz, a exposição “Somos Todos Livro de Rua” sintetiza todo esse percurso poético.
“Fizemos uma linha do tempo desde o começo até agora com fotografias reimpressas com qualidade. Disponibilizei o meu acervo de jornais e fotografias de muita gente da cidade, e o mais importante: restauramos e ordenamos os trabalhos dos estudantes que fizeram a releitura e a criação artística do ‘Livro de Rua’”, conta Cristina.
A autora relembra, ainda, o “Encontro com Professores”, realizado no ponto de cultura dela, que teve o “Livro de Rua” como uma das temáticas centrais.
“Os ‘Professores’, com letra maiúscula, se entregaram a desenvolver trabalhos com seus alunos, e o resultado nos emocionou mesmo. Sabendo do peso exaustivo que a profissão exige; eles chegavam dispostos e apaixonados pelo projeto. Foi um trabalho incrível”, acentua.
A mostra, embora montada em espaço não muito grande, traz dez painéis com cópias de fotos reimpressas em papel mate, desde os anos 1990 até os dias atuais.
Os trabalhos dos estudantes estarão em quadros e, também, em um grande painel. Um cenário com a marca “Somos Todos Livro de Rua” permite ao público fazer registros fotográficos — as chamadas “selfies instagramáveis”.
Os icônicos cartões-postais do projeto também estão presentes, “voando sobre nós”, como define poeticamente a autora.
Além disso, há um espaço intimista para aquisição de livros de Cristina Siqueira, incluindo o próprio “Livro de Rua”, já em pequena quantidade, pela sua tiragem artesanal e limitada. Durante a exposição, a autora permanece disponível para autografar as obras.
Vida, paixão e resistência
“O ‘Livro de Rua’ bate forte no meu coração”, declara Cristina. “Me emociono com as pessoas que se detêm para ler um poema na rua. É grandioso, é contracultura, é vanguarda. Em minha vida, o ‘Livro de Rua’ é um projeto abençoado, que partiu do sincero desejo de desencadernar poemas confinados nas gavetas e libertá-los para o mundo. Significa coragem pela intimidade revelada. Significa amor e liberdade de expressão”, reforça.
A autora argumenta que “oferecer poesia em um país que, muitas vezes, marginaliza a cultura é um ato de resistência”. “Sinto-me gratificada quando desmitifico a poesia como uma coisa chata e a elevo a um patamar digno e sublime.”
Ao refletir sobre o papel do projeto na cultura local, Cristina aponta: “Ofereço a Tatuí uma retrospectiva de um movimento poético que perdura, um momento de reflexão e extrema beleza apesar da turbulência ao redor. Uma oportunidade de mudar o seu olhar.”
Inspirada nos nomes de Paulo Setúbal e da professora Chiquinha Rodrigues, Cristina celebra a potência literária tatuiana e se vê como parte desse legado.
“Hoje, ganhei estatura e respeito no meio literário e, desta maneira, inspiro aos poetas e escritores emergentes e aos estudantes. Hoje, estou aqui plantando sementes e as vendo florescer. E isto é incrível”, conclui a poetiza.