Léo Rosa de Andrade *
Amigo meu sempre graceja: faz profissão de fé a favor da liberação feminina, mas emenda que o ideal seria que viesse a ocorrer “na próxima geração”. Explica que “não se trata de machismo, mas de falta de oportunidade de se reciclar”. A coisa toda caiu no seu tempo e em choque com as melhores recomendações da própria mãe.
Brinca que “padece as angústias de um dilema”: ou briga com a companheira, ou briga com a sogra dela. Em resumo: foi educado de um jeito, o mundo ficou de outro.
Outro amigo adaptou-se logo aos fatos. Adaptou-se até demais, ele mesmo diz. Conforme os costumes, sustentava a casa. A mulher ficou de prendas domésticas, porém, deu-se a estudar. Na terceira tentativa passou em um concurso.
O emprego era público: todas as garantias, todas as vantagens, não era de largar. E agora? Agora os papéis se inverteram. Ele cuida dos afazeres familiares e complementa a renda do casal, dando aula particular. E estuda, aprontando o amanhã.
Aí começa o caso: o primeiro e o segundo amigo vêm a ser a mesma e única pessoa. Mas, para ser um só, ele teve que se desdobrar em dois. É que houve uma baita confusão quando o sujeito que brincava com o feminismo assumiu os ofícios do lar.
Para o casal, tudo está exatamente conforme combinado: ele trabalha, ela estuda; ela consegue sucesso, as coisas se invertem. No momento, ela paga as contas, ele se prepara. No futuro, se ele conseguir coisa melhor, refazem-se as combinações.
Quer dizer, entre os exclusivos interessados as posições estavam claras e conformes às condições mais ou menos vantajosas de cada parte.
Lênin, que parafraseou Marx, que parafraseou Blanc, que parafraseou Enfantin, diria que se cumpre a máxima: “de cada um conforme a sua capacidade; a cada um conforme a sua necessidade”.
Ah, mas para as respectivas (e típicas) famílias, não… O que viam era algo que bordeava qualquer desvergonha entre vadiação e falta de caráter. E veio a intromissão.
Os pais dele achavam que o filho, simplesmente, passara a viver às custas da mulher. E o pai culpava a mãe, alegando falta de dureza na educação. A mãe se calava, mas achava que o filho tinha a quem puxar: havia um parente do marido…
Os pais dela lamentavam não haverem percebido esse traço na personalidade do rapaz: o genro não sabia impor-se como homem e deixava a esposa mandar. Esse não era papel de mulher, muito menos da filha deles. “É muita responsabilidade, tadinha”, dizia a mãe.
A contragosto, os filhos prestaram explicações: estabeleceram e viviam um acordo que agradava a ambos, existiam metas, tempos delimitados etc. Amavam-se, queriam uma vida mais confortável e combinaram um plano de investimento recíproco.
Apostavam um no outro e em bom retorno. Se houvesse separação, fariam as contas, e alguém ressarciria alguém, se fosse o caso. Pronto, entendido e engolido o propósito, as famílias determinaram-se a mudar a maneira de alcançá-lo.
Reunião geral. Os pais convocaram os filhos: financiariam o projeto do casal; o dinheiro seria devolvido sem pressa, após o sucesso do empreendimento. “E não se fala mais nisso.”
Os filhos, agradecidos, indignados, pronto recusaram. E advertiram sobre senso comum familiar, condicionamento social, cultura sem sentido, igualdade de gênero. Nada. Piorou. Entreolharam-se, ela falou: “cara, não é fácil fazer-se como mulher, mas, percebo, é bem difícil ser homem em tempos de transição.”
* Doutor em direito pela UFSC, psicanalista e jornalista.