‘Estação’ volta a ter nome de A. Pettinelli

Engenheiro evitou que unidade virasse presídio, reergueu e projetou-a para ‘o mundo’

Estátua "O Semeador" é um dos símbolos do NRP de Tatuí e legado de A. Petinelli (foto: Núcleo Regional de Pesquisa de Tatuí “Armando Pettinelli”)
Da reportagem

Falecido em 19 de dezembro de 1991, o engenheiro agrônomo Armando Pettinelli é referenciado internacionalmente na área da pesquisa científica. Reconhecido pelo trabalho desenvolvido por onde passou, ele volta a ter o nome cunhado em um dos espaços no qual mais contribuiu em vida: a antiga “Estação Experimental” de Tatuí.

A primeira denominação veio em 1992, como homenagem pela contribuição à agronomia. A lei 8.042 entrou em vigor em outubro daquele ano, sendo revogada pelo decreto 46.488, de 8 de janeiro de 2002, pelo qual o governo do estado de São Paulo reorganizou a APTA (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento.

O documento balizou a descentralização do departamento de desenvolvimento, retirando – de maneira oficial – o nome do engenheiro agrônomo da estação. Na época, ela passou a ser chamada de UPD (Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento) de Tatuí.

Uma alteração anterior já havia ocorrido, conforme o também engenheiro agrônomo Armando Pettinelli Júnior. “Houve um tempo que aconteceu uma reforma interna. E quando alguém mexe na parte burocrática, podem ocorrer algumas alterações”, conta.

Segundo ele, o nome de Armando Pettinelli já havia deixado de constar anteriormente na denominação do espaço. O filho recorda que havia notado a ausência em documentos emitidos na ocasião em que passou a coordenar os trabalhos, com a aposentadoria do pai.

“Conversei com a diretora administrativa e ela, rapidamente, conseguiu consertar. Mas, passado um tempo, houve outra reforma, onde foram criadas a APTA e os polos regionais”, diz.

Por ocasião das mudanças, a estação ficou subordinada ao Polo Sudoeste de Capão Bonito. “Com isso, o nome do meu pai sumiu de novo. Fiquei preocupado, porque dói para mim, que tenho amor por tudo que ele representa”, conta Pettinelli Júnior.

A família, então, passou a buscar apoio de autoridades e de quem pudesse auxiliar na missão de reparar o equívoco histórico. As conversas deram origem a um projeto de lei, de número 322, em 2005, de autoria do então deputado Pedro Tobias, que chegou a ser apresentado, mas não vingou, ficando paralisado.

No final do ano passado, com nova mudança na secretaria estadual, o governo paulista resolveu estruturar novamente as unidades, com a portaria 18, publicada no dia 29 de janeiro no DOE (Diário Oficial) do estado.

Com a normativa, a “Estação Experimental de Tatuí” volta a ostentar o nome de Armando Pettinelli, agora como NRP (Núcleo Regional de Pesquisa). Além de Tatuí, fazendas experimentais em todo o estado tiveram nomes restaurados.

Armando Pettinelli se formou pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, em 1935. Iniciou a carreira profissional no Instituto Agronômico, em 1937, trabalhando na região de Bauru com a cultura de algodão. Dedicou-se tanto à pesquisa quanto à fiscalização dos campos de produção de sementes selecionadas.

Na região de Presidente Prudente, instalou diversos experimentos, testando variedades, espaçamento, épocas de plantio, adubação e progênie. As pesquisas contribuíram com a expansão da cultura e o aprimoramento das técnicas de cultivo.

Em 1940, instalou 26 postos de distribuição de sementes selecionadas, disseminando a cultura do algodão e contribuindo para a geração de riquezas no meio rural.

Em abril de 1942, foi removido para a região algodoeira de Tatuí, onde passou a atuar de maneira significativa, acumulando a coordenação de mobilização econômica durante a 2ª Guerra Mundial.

Instalou e organizou os trabalhos da Casa da Lavoura de Tatuí, ampliando os serviços de distribuição de sementes selecionadas, abrindo novos postos de distribuição e contribuindo para o desenvolvimento da região.

Nessa época, coordenou, juntamente com o Instituto Biológico, estudos para controlar pragas que atacavam o abacaxi, evitando que a cultura fosse dizimada na região.

Outra importante conquista foi a implantação, em âmbito regional, do uso de maquinário agrícola. A ação consistiu em demonstrar aos agricultores as possibilidades de ganhos de produtividade. Pettinelli também viabilizou, com o apoio do Ministério da Agricultura, a aquisição de equipamentos a preços acessíveis.

Atuou também na área animal, pois, na falta de zootecnistas na região, realizou levantamentos sanitários de rebanhos de bovinos e suínos, capacitando os funcionários da Casa da Lavoura local a realizarem a vacinação de suínos.

Desenvolveu também um trabalho de conscientização dos pecuaristas sobre a importância de combater a brucelose. Para isso, iniciou trabalhos precursores de assistência veterinária periódica, em colaboração com o Instituto Biológico.

Atuou de forma intensa na preservação do solo, combatendo práticas que levavam à erosão, ensinando aos lavradores a utilização do plantio em curva de nível, em faixa e banquetas, assim como o efeito protetor e benéfico dos cordões em torno dos cafezais.

Desenvolveu e incentivou, ainda, a prática de plantio de mudas de eucaliptos e outras essências florestais, praticando, em 1946, conceitos de preservação ambiental e reflorestamento.

Com o incremento da procura pelo milho na região, atuou na instalação de máquinas de reclassificação, desinfecção e preservação das sementes nos postos de distribuição. Iniciou o plantio de sementes híbridas, trabalho que deu a ele o reconhecimento de responsável pela introdução do milho híbrido na região.

Em 1951, recebeu moção de congratulações de 87 agricultores de destaque na região pela atuação em prol da agricultura regional. Ao longo dos anos, continuou na luta pela qualidade da produção vegetal e animal das áreas agrícolas, auxiliando, inclusive, técnicos do Rio Grande do Sul na produção de mandioca.

No estado de São Paulo, as contribuições se estenderam por várias regiões. Pettinelli colaborou com produtores nas cidades de Socorro, Serra Negra e Águas de Lindóia.

Para o diretor técnico do atual NRP de Tatuí, Marcelo Ticelli, a mudança representa um reconhecimento ao trabalho do engenheiro.

“Não conheci o pai, mas sou amigo de grande estima do filho. Os dois contribuíram muito para a unidade. Praticamente tudo que existe na Estação Experimental foi feito por eles, na estrutura, na arborização e na instalação do banco de germoplasma de bambu. Tudo isso começou e cresceu com a família”, destaca.

O retorno do nome do patrono é fruto de lutas do diretor responsável – com apoio da família – junto ao IAC. “Há algum tempo que brigamos para a restauração. E isso se deve à compreensão do instituto e do próprio secretário da Agricultura, que se sensibilizou e deu abertura não só para nós, mas para outras unidades”, diz. “Ficamos muito contentes com o resultado”, acrescenta.

Em termos estruturais, Ticelli antecipa que não haverá mudanças. A expectativa é que o estado possa contribuir com aumento do número de funcionários (reportagem na próxima edição). Também não estão previstas novas atribuições. “Os objetivos continuam os mesmos”, diz o diretor responsável.

Pettinelli assumiu a Estação Experimental de Tatuí no ano de 1957. “Ele pegou em uma situação deplorável, em decadência danada”, recorda o filho Pettinelli Júnior.

Na época, o engenheiro agrônomo trabalhava em outro setor da Secretaria da Agricultura. Ele estava na Casa de Sementes, mas decidiu assumir depois de saber das intenções que existiam em torno da área que abrigava a fazenda de experimentos.

“Falaram para ele que, ou ele assumia, ou aquilo viraria um presídio”, revela o filho. Na época, o estado estava equipando a região com unidades carcerárias, tendo inaugurado prisões em Guareí, Iperó e Capela do Alto.

“Meu pai falou que assumia, e, com jeito, conseguiu fazer um trabalho bonito. A única coisa que me deixa triste é a falta de recursos”, acrescenta Pettinelli Júnior.

O temor é que o trabalho do pai, dele e dos demais profissionais que atuaram por anos na unidade seja perdido. Há receio de que a então estação passe pela mesma situação que o antigo Posto de Sementes, o Expurgo, que primeiro foi desativado e, depois, demolido, exatamente por falta de investimentos. “Infelizmente, corremos o risco de estar no mesmo caminho”, lamenta.

Nesse sentido, para a família, a volta do uso do nome é vista como um misto de alegria e tristeza. Pettinelli Júnior afirma que a homenagem é merecida, pelas conquistas registradas pelo patrono, mas preocupante em função das atuais dificuldades da unidade, que necessita de reforço na mão de obra, tanto na parte de pesquisa como de manutenção (reportagem na próxima edição).

A vontade do filho é que o trabalho iniciado pelo pai – e continuado por ele – possa ser ampliado. Na época da gestão de Pettinelli, por exemplo, a Estação Experimental ganhou status de instituição renomada em termos de pesquisa.

A coleção de bambu plantada pelo engenheiro agrônomo, por exemplo, chamou a atenção do mundo todo, com visitas de pesquisadores de universidades da China.

O trabalho da unidade também estampou manchetes de jornais como Folha de S. Paulo e Estadão, além de emissoras como Globo, Band e TV Cultura, projetando as pesquisas com grãos e outras culturas no cenário internacional.

Para o filho do homenageado, que conhece a unidade desde os nove anos de idade, a volta do nome é importante, mas não a única necessidade da unidade de pesquisa.

Pettinelli Júnior explica que o NRP precisa de novos investimentos para voltar a ser o que era. “Eu vivi lá mais de 50 anos da minha vida. Conheço tudo como a palma da minha mão e me preocupo com o futuro”, diz.