Leonardo de Moraes *
Em algum momento da nossa evolução linguística, a palavra preconceito passou a ser usada para todas os contraveses da vida, todas as rejeições que as pessoas sofrem, todos os “nãos” esfregados em suas expressões estéticas ou comportamentais.
No dicionário, preconceito significa: “1. Conceito ou opinião formados antes de ter os conhecimentos necessários sobre um determinado assunto; 2. Opinião ou sentimento desfavorável, concebido antecipadamente ou independente de experiência, ou razão; prevenção”.
Assim, o real preconceito relaciona-se à pressa de julgamento, à desconsideração de valores e motivos que levam algo ou alguém a ser de tal, ou qual jeito e, formular um raso juízo de valor.
Ser preconceituoso significa destratar, excluir, ridicularizar antes de entender razões, caminhadas que levaram alguém a se expressar daquela maneira.
Sendo assim, nem tudo é preconceito. É possível que, infelizmente, você esteja sofrendo rejeição, desdém ou desprezo mesmo… Faz parte da vida não ser gostado, não gostar, mesmo após todos os argumentos intelectuais e emocionais terem sido colocados na mesa. É possível sofrer “pós-conceito” … C’est la vie.
Recentemente, me deparei com uma reportagem em que uma mulher de corpo escultural reclamava: “Sofro preconceito por ser fisiculturista”. Outros dias, outras reportagens: “Sofri preconceito por ser muito tatuado”; “por ser vegano”; “por ser ex-BBB”; “por não levar meus filhos para vacinar”.
Há real preconceito quando a percepção inicial se desdobra em presunções tomadas por verdadeiras, sem qualquer reflexão sobre o assunto, como “tatuados estão ligados ao crime”, “fisiculturistas usam anabolizantes”, “veganos se alimentam mal”, “ex-BBBs não têm talento”.
Esse tipo de afirmação, revestida de pseudocerteza, caracterizam preconceito, mas não se pode confundir com a “livre manifestação do conceito” – alguns gostos, regras e desejos são pessoais e estão além da linha da condenação, fazem parte da própria expressão de individualidade ou pertencimento de outros grupos.
Não somos todos destinados à suprema popularidade de nossas idiossincrasias. E não vale forçar a porta de entrada da aceitação, tampouco fazer concessões ao gosto alheio – continuemos sendo quem desejamos ser, celebrando nossa liberdade individual.
É importante reservar o uso da palavra “preconceito” para questões mais sérias, inaceitáveis, que separam grupos e semeiam ódios; para questões históricas e étnicas, cuja agressão social a direitos humanos fundamentais leva vidas às sombras e à anulação de suas expressões.
O resto talvez seja simples rejeição – palavra que fere os ouvidos do vaidoso e não garante manchete. Coisas dessa sociedade de espetáculo em que vivemos, na qual o desejo de unanimidade contaminou nossos corações com a busca de um protagonismo irreal que, muitas vezes, não sofre por preconceito, mas pela negativa à sua insaciável busca por aplauso.
* Mestre em direito do Estado, professor de direitos humanos e tabelião. Nas artes, é roteirista, artista visual e autor do romance “Tia Beth”, sobre as dores e perdas da ditadura militar.