Escritora tatuiana participa do ‘Festival de Poesia de Lisboa’

Trabalho escrito por Beatriz Abreu foi selecionado para evento

Tatuiana escreve sobre violência praticada durante colonização (foto: Beatriz Abreu)
Da reportagem

A professora, escritora, artista e pesquisadora tatuiana Beatriz Abreu esteve em Lisboa (Portugal), no Festival de Poesia de Lisboa, cuja sétima edição ocorreu entre 14 e 18 de setembro.

O tema do festival foi “Eu morro e remorro na vida que passa: Corpos de amor e luta” e homenageou a escritora Ana Luísa Amaral, falecida em 5 de agosto de 2022. Além disso, contou com 189 poetas lusófonos, entre inscritos e convidados.

O poema “A Violência Renasce Meus Mortos”, escrito por Beatriz, foi selecionado para compor a antologia do festival, intitulada “Corpos de Amor e Luta”, e foi apresentado no dia 15 de setembro, no espaço Valsa, na capital portuguesa.

Segundo Beatriz, trata-se de “um texto escrito em versos decassílabos e rimas predominantemente ricas”. “Apesar de seguir o estilo camoniano, o poema denuncia a violência praticada contra os povos originários do Brasil desde a colonização portuguesa”, descreve Beatriz.

“A minha ideia foi homenagear a poesia de Luís Camões, contudo, sem negligenciar o genocídio histórico sofrido pelos povos indígenas. Além do processo colonizador, outros eventos inspiraram a criticidade do poema, como o Massacre do Parelo Onze, a dizimação de indígenas durante a ditadura militar, o Massacre do Haximu e acontecimentos recentes envolvendo políticos e garimpeiros”, relatou a escritora.

“Eu estive em Lisboa para falar sobre os perigos de uma história de versão única. Se, em Portugal, existe o orgulho da expansão territorial feita através das grandes navegações, como fica o outro lado? É sobre a versão do colonizado que eu fui falar”, enfatiza Beatriz.

Durante a apresentação, a professora declarou que escrita não combina com censura e que deve ser usada para denunciar e alertar o povo. “Os brasileiros, angolanos e moçambicanos presentes sentiram-se representados pelos versos”, comenta.

Para Beatriz, os dias em que passou em Lisboa, durante o festival, foram de “reflexão, aprendizado e trocas artísticas potentes”. “Voltei ao Brasil com a sensação de ter levado a visão colonial para Portugal e tê-la partilhado com outros poetas incríveis. A minha mente está cheia de ideias”, salienta.

A escritora sugeriu também que Tatuí deveria ter um festival de poesia. “Um evento como este ajuda a fortalecer a literatura e a arte no município, tornando-o ainda mais interessante do ponto de vista do turismo cultural, já que a cidade também é conhecida como a Capital da Música, a Terra dos Doces Caseiros e tem o Prêmio Literário Paulo Setúbal, que é referência no segmento”, explanou Beatriz.

O Festival de Poesia de Lisboa teve a curadoria do poeta João Inneco, foi idealizado por Jannini Rosa e com a direção geral da Helvetia Éditions, editora suíço-brasileira.

Ao longo do festival, aconteceram workshops, oficinas, tertúlias e outras manifestações artísticas. “Foi uma excelente oportunidade para conhecer poetas de outras nacionalidades, trocar experiências, aprender e discutir os rumos da literatura contemporânea, sobretudo da poesia lusófona”, complementa Beatriz.

A escritora conta que os organizadores do evento pensaram em um circuito lisboeta, de modo que a programação ocorreu em diversos pontos turísticos e culturais da cidade, como: o Padrão dos Descobrimentos, o Instituto Camões, a Valsa, a Livraria da Travessa, o Espaço Espelho D’Água e a Fábrica Braço de Prata.


“A Violência Renasce Meus Mortos’

 

Guardo cadáveres dentro de mim

artérias inundadas pelo sangue

escorrido das matas e das virgens

veladas com palavras em latim.

Em meu corpo-terra, o sono é langue

Adormeço sonhos, acordo origens.

 

A violência renasce meus mortos

Eles não me permitem perdoar

– O perdão é a domesticação

da memória, da luta e da coragem.

A resistência não atraca nos portos

da obediência imposta além-mar.

 

Meu corpo intrépido sabe que a vida

é apressada fila para a morte

E que acertar contas com o passado

é encarar o futuro: despedida.

Dançar um amanhã mais justo e forte

para o reencontro com o sagrado.

 

Tal qual a mãe Natureza, que chora

tinta e resina dos rugosos troncos,

Choro impiedosos calendários

Lamento minha gente-fauna-flora

exterminada por brancos tronchos

Semeio impulsos revolucionários

 

O amor renasce corpos ancestrais

Meus mortos – Por eles, meu corpo luto(A).”