O processo de “empoderamento feminino” – embora tenha o termo muito ligado ao movimento do “politicamente correto”, algo mais recente -, remonta há muito tempo, em cuja trajetória uma das conquistas mais significativas é marcada pelo direito ao voto.
No Brasil, esse direito entrou em vigor no ano de 1932, por meio do decreto 21.076, o qual instituiu a Justiça Eleitoral e os votos secreto e feminino.
Muito antes, contudo, desde o final do século retrasado, as mulheres tiveram incontáveis desafios a vencer até que, definitivamente, deixaram de ser interpretadas pela lei como cidadãs de “segunda classe”.
Nem por isso, como todos sabem, as mulheres ganharam equidade com os homens, senão na teoria legal, certamente na prática do dia a dia.
Muito pelo contrário: somente há pouco (já no período da redemocratização e, portanto, “depois do fim” da ditadura), as mulheres passaram a ser mais protegidas pelo estado – tradicionalmente machista, por certo.
Não é necessário vasculhar forçosamente a memória para recordar que, no passado nada saudoso, não era incomum mulher apanhar do marido e nada acontecer…
Até assassinatos, muitas vezes, eram impunes, a pretexto de se “lavar a honra”… Absurdos de um mundo obscuro que teima em assombrar o presente.
Agora, pelo menos – e não graças aos idólatras da violência na política, que defendem as botinadas na democracia como suposta solução a todos os problemas -, existe a Lei Maria da Penha, outro dispositivo fundamental no verdadeiro “empoderamento” feminino, ao garantir que agressores brucutus sejam punidos de fato.
Graças, acima de tudo, ao esforço das próprias mulheres, as leis modernizaram-se, os crimes passaram a ser levados a sério, os salários foram aproximando-se, as oportunidades, equiparando-se.
Óbvio existir muito ainda a se conquistar pelas mulheres e, por conseguinte, importante é não se perder tanto essa consciência quanto o ímpeto de busca por igualdade e, assim, justiça!
E é neste sentido, justamente, que algo ainda chama a atenção – negativamente, deve-se reconhecer. Afinal, não basta, após tanto esforço, ter direito a voto sem dele fazer bom uso.
Não, não se trata de questionamento quanto a essa enfadação – essa chatice! – de hipotética “esquerda” ou “direita”, até porque, no momento, o que se deve discernir é tão somente a diferença entre política “conciliatória” e “autoritária” – ou, entre liberdade e opressão, entre paz e violência, entre democracia e ditadura.
A opção por supostos lados ideológicos é só mais uma virtude da democracia a ser resguardada com todas as forças. Portanto, a observação tem a ver com o interesse e a representatividade das mulheres na política. Isto tem de aumentar, drasticamente!
Exemplo explícito pode ser notado aqui mesmo em Tatuí, onde existe um Legislativo com 17 representantes do povo, todos homens, como se o contingente feminino local fosse absurdamente menor que o masculino.
Não o sendo, seria pertinente maior equilíbrio na expressividade parlamentar – muito além dos espectros políticos e de quaisquer eventuais feminismos extremistas.
Neste particular, já de início, o próximo pleito não se apresenta como muito animador, dado o fato de, entre os 287 candidatos confirmados até esta semana, apenas 92 serem mulheres (32,1%) – número, inclusive, menor que o das eleições anteriores (reportagem nesta edição).
E esse panorama não é meramente local. Conforme dados nacionais, 2020 é o ano com o menor número de mulheres concorrendo a cargos públicos.
De acordo com pesquisa recente do Fórum Nacional de Mulheres de Instâncias de Partidos Políticos, essa queda tem relação com a pandemia do novo coronavírus.
“Além de enfrentarem resistências dentro dos partidos políticos, as mulheres afirmam que o trabalho remoto em meio às atividades de casa e os cuidados extras com os filhos diante do fechamento de escolas e creches dificultam as campanhas femininas”, aponta o estudo.
Sem dúvida, a pandemia pode estar prejudicando ainda mais o engajamento feminino, mas nem tanto. Basta lembrar que as mulheres representam 51% da população brasileira, mas foram apenas 17% dos eleitos em 2018.
Nos últimos pleitos, o percentual de candidaturas femininas ficou muito pouco acima do mínimo, de 30%, previsto na lei 9.504/1997.
Nas eleições de 2018, 9.204 mulheres se candidataram a algum cargo no Brasil, o que representou apenas 31,6% do total de candidatos (29.085). Dessas, apenas 290 foram eleitas, contra 1.391 homens, o que significa 17,25% do total de 1.681 eleitos.
Cientes da necessidade “cidadã” de mais justiça entre os sexos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Congresso Nacional (órgãos que, vejam só, até algumas mulheres torcem para que sejam fechados à força), vêm, há anos, trabalhando em conjunto para incentivar a maior participação feminina na política nacional.
O intuito é reverter o atual quadro de representação nas casas legislativas, onde as mulheres ocupam menos de 10% dos assentos.
Uma das iniciativas implementadas pelo TSE e, posteriormente, transformada em lei pelo Congresso foi a cota mínima de 30% das candidaturas para mulheres.
Além disso, devem ser reservados às candidatas do gênero feminino 30% do tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão e, ainda, a mesma proporção na distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.
A verdade é que nunca foi tão importante a mulher se dispor a tomar protagonismo na política – “legislativa”, sobretudo, -, exatamente por, a princípio, ser mais disposta ao entendimento, ao equilíbrio e até à maturidade.
Há dois anos, quando o país seguia obstinadamente resoluto a caminho do extremismo, este espaço de editorial deixou uma mensagem que ainda vale (infelizmente): “o único alento a segurar um fio de esperança é a insuspeita verdade de que as eleições serão decididas pelas eleitoras”.
“Resta saber se as mulheres têm mesmo maior apreço à conciliação, à paz e à própria vida, e, portanto, o que farão com esse tal empoderamento”.