Em Tatuí, vacina contra a selvageria machista

E parecem não ter fim as “sequelas” resultantes da pandemia, além de sua consequência mais terrível, marcada de maneira dramaticamente indelével na história com o último sopro de mais de 600 mil vidas somente no Brasil. Em Tatuí, até esta semana, eram 459.

Pode ser chato, mais uma vez, pedir – implorar – à pequena parcela que ainda se recusa à vacinação para que se sensibilize com o “próximo”, mas esta repetição tornou-se obrigação, simplesmente, porque dela depende o futuro fim da atual tragédia a se desdobrar em tantos aspectos.

Outra obviedade (repetida, com o perdão dos leitores conscientes): há, sim, indivíduos capazes de resistir ao vírus mesmo sem os imunizantes, mas não há sequer um “super-homem” no planeta com o poder de “não se infectar” e, por consequência, deixar de levar a doença para os que vão sofrer ou mesmo morrer com a enfermidade.

Ou seja, vacinar-se, por conclusão muito prática – além de humana e “cristã” – é salvar vidas, senão a do próprio recalcitrante, certamente a de seus semelhantes menos resistentes ao novo coronavírus. O inverso, portanto, seria algo como homicídio culposo – quando não há intenção de matar, mas se mata mesmo assim.

Como ainda há resistência, a despeito de tantos motivos a justificar a vital importância da vacinação –, apelemos a um outro aspecto sombrio, o qual talvez ajude a sensibilizar a parcela negacionista obstinada: a violência contra as mulheres.

O crescimento alarmante deste tipo de crime é explícito, atingindo também fortemente a cidade, conforme demonstrado em reportagem do jornal O Progresso de Tatuí, publicada na edição desta quarta-feira, 12.

A notícia aponta que o total de investigações criminais relacionadas à violência doméstica teve salto de 137,5% em outubro deste ano na comparação com o mesmo mês do ano passado. Os dados são do relatório mais recente da SSP (Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo).

De acordo com as estatísticas divulgadas pelo órgão de segurança, a Delegacia de Defesa da Mulher local instaurou 24 inquéritos por violência doméstica em outubro do ano passado. Já no décimo mês deste ano, foram 57 denúncias.

O número de prisões efetuadas no mesmo mês subiu de cinco, em 2020, para 11, em outubro de 2021. O mesmo aumento, de cinco para 11, ocorreu no número de flagrantes realizados no décimo mês de 2020 para 2021.

O levantamento da SSP ainda aponta que, no acumulado do ano, as denúncias de violência doméstica apresentaram queda em Tatuí nos dez primeiros meses deste ano na comparação com o mesmo período de 2020.

Segundo as estatísticas, a DDM local instaurou 471 inquéritos por violência doméstica de janeiro a outubro do ano passado. Já em 2021, foram 69 denúncias a menos, totalizando 402, o que representa redução de 14,64%.

Fundamental lembrar, aqui, que a imposição de maior isolamento aconteceu não por acaso no período anual em que se somaram mais registros de violência doméstica.

Está claro que, nestes anos recentes, muitos monstros saíram do armário, espalhando homofobia, racismo, xenofobia, machismo e demais preconceitos a granel pelos quatro cantos do país. Neste contexto, posicionam-se os agressores de mulheres.

Digamos que, “por alguma razão”, passaram a se sentir à vontade para expressar e – praticar- suas convicções obscuras e violentas, acreditando que não são mais elas passíveis de punição.

E isso quando não se sentem incentivados ao sectarismo pela sensação de força e invulnerabilidade garantida pelo chamado “comportamento de rebanho” (não confundir com a tal “imunidade”, que se mostrou irreal contra a Covid-19).

Exemplo: antes, uma pessoa, sozinha, afirmando ser a Terra igual a uma chapa de isopor gigante, seria motivo de piada; hoje, muitos repetindo em coro digital o mesmo disparate acabam deitando por terra (não plana, mas arrasada) todo o respeito à lógica da ciência.

E isto, afinal, sem qualquer constrangimento ou vergonha, porque a sensação é de que não se está sozinho, e sim integrando uma grande fraternidade de “iluminados” que descobriu todas as conspirações mundiais “do mal” a juntar educação, ciência, meio ambiente, direitos humanos, imprensa etc., etc…

Se parece incoerente sentir-se iluminado, “do bem”, e, ao mesmo tempo, incentivar uso de armas, golpes, preconceitos e, cada vez mais, enfiar a mão na cara de mulher, é porque há mesmo incoerência nisso.

Problema, neste ponto, é que, tal como ocorre com as mortes por Covid-19, quando a dor atinge alguém distante, não da própria casa ou família, a insensibilidade e a falta de empatia estimuladas pelo rebanho incauto leva a um sentimento de normalização, de banalização de posturas e ações que antes seriam claramente identificadas como crimes.

Contrapor-se às injustiças, por conseguinte, não se resume apenas a denunciar os crimes que ainda estão rendendo punições, mas buscar contribuir com o abreviamento da pandemia, a qual tem insuflado a escalada da desumanidade generalizada.

Por fim, é justamente em meio a essa desumanização, dessa dessensibilização do ser humano, que se encontra o aumento da violência contra as mulheres. A pandemia, por sua vez, ao forçar a maior permanência do homem em casa, levou ao aumento dos casos de violência doméstica.

Por este aspecto, vacina no braço significa não só salvar vidas – senão a sua, a dos outros -, mas também dar um tapa na cara de um covarde machista.