Nunca espere de artistas e cientistas, em geral, coerência entre sua vida particular e sua obra. Poderíamos desconstruir muitos deles, inclusive no Brasil. Eles não têm o condão divino da infalibilidade, são mortais, erram, e frequentemente se comprometem ou aparecem em situações que você não espera. Igualmente, nunca espere deles uma grandiosidade espiritual e generosidade a toda prova. Pessoas com extrema visibilidade são mais suscetíveis a escorregadas absurdas; algumas, imperdoáveis, como a que contarei adiante.
Com sua mente brilhante, Einstein marcou uma das reviravoltas fundamentais na história da humanidade, desde aquela pequena – porém imensa – fórmula de letras e um pequeno número sobreposto, resultado de muitos e muitos anos de esforço e estudo, muitas vezes entrecortados por algumas saudáveis pausas para seu violino, que, convenhamos, não tocava lá tão mal. A grandiosa “E=MC2”, fórmula-símbolo da teoria da relatividade especial, criada em 1905, transformou a concepção da relação espaço-tempo de Isaac Newton, acrescentando-lhe um elemento revolucionário: a temporalidade. Nunca na vida vou compreender sequer a dimensão dessa descoberta e mesmo algumas críticas posteriores vindas de colegas ou dele próprio. São raciocínios distantes galáxias do meu conhecimento e capacidade de compreensão da minha física colegial.
Mais de duas décadas adiante, as pesquisas de Albert Einstein direcionadas ao urânio levaram-no à conclusão de que seria possível construir o artefato de guerra mais poderoso e letal já inventado pelo homem. Dividiu suas ideias com os físicos Leó Szilárd e Eugene Wigner, que reforçaram suas conclusões. Uma simples carta datilografada por ele em agosto de 1939 ao então presidente Franklin Roosevelt (fonte: “President’s Secretary Files”) convenceu o mandatário da nação mais poderosa do planeta de que os nazistas já poderiam estar trabalhando na ideia do processamento do elemento químico, o que fez com que Roosevelt, plenipotenciário presidente americano, formasse o Comitê Consultivo de Urânio Briggs, de onde surgiu o famoso Projeto Manhattan, que envolveu coisa de 130 mil pessoas. Com o também físico Oppenheimer entre seus líderes, técnicos e cientistas mergulharam no estudo de projetos para a construção da maior arma de guerra jamais criada.
O projeto Manhattan foi primeiramente sediado na ilha nova-iorquina do mesmo nome, com o apoio dos EUA e Canadá. Ali, foram concebidas, gestadas e nasceram, em 1945, “Little Boy” e “Fat Man”, nomes ironicamente suaves para as terríveis bombas nucleares que destruíram Hiroshima e Nagasaki, matando e deformando centenas de milhares de vítimas com duas únicas descargas aéreas. “Little Boy” pesava 4,4 T, e foi lançada do superbombardeiro batizado pelo piloto cel. Paul Tibbets, que o escolheu, com o nome de sua mãe, Enola Gay. Um enorme B-52.
Em carta datada de 2 de agosto de 1939, que levou Roosevelt a desembolsar uma fortuna incalculável em verbas secretas para o projeto das bombas, Einstein informava que havia chegado à conclusão de que o urânio 235 “poderia se transformar em uma nova e importante fonte de energia”. E mais: que uma grande massa de urânio poderia gerar uma reação nuclear em cadeia que produziria essa energia em extrema abundância. Descreveu o poder que uma bomba desse tipo poderia, a partir de um ataque de navio a um porto, afirmando que ela simplesmente destruiria não apenas todo o cais, mas também o território de suas adjacências. A primeira bomba, lançada sobre Hiroshima, provocou um calor de 6.000o C, comparável ao da superfície do sol. Estima-se que o centro da explosão tenha chegado a absurdos um milhão de graus.
Daí, o físico passou a orientar também sobre questões estratégicas, focando no Congo Belga, uma vez que os EUA são pobres nesse minério, embora Canadá e Tchecoslováquia possuíssem urânio em maior quantidade (hoje, a maior produção é da Austrália, seguida pelo Cazaquistão). Orientou o presidente sobre como organizar estrategicamente meios para a obtenção de urânio, e sobre a necessidade de se obter verbas fora dos círculos de pesquisa universitários, cujos valores eram minguados demais para um projeto da envergadura pretendida. Em apenas duas páginas datilografadas, Einstein convenceu o presidente, seduzido pela imensa sabedoria do cientista, de que aquele seria um caminho revolucionário. Com ela, mudou-se o curso da guerra e a energia que hoje move o mundo.
Mais tarde, reconheceu que aquela carta de 1939 fora o grande erro de sua vida. Apenas 15 anos depois, Einstein chegou a negar sua posição inicial (“Eu sempre condenei o uso da bomba contra o Japão” – EINSTEIN, Albert. “Einstein on Peace”. NY: Nathan and Northen ed., 1960). Contradizem-no documentos como a carta a Roosevelt, fotos e outros. Fica a pergunta: se ele descreveu, sugeriu, alinhavou as estratégias para o uso do urânio 235, descrevendo, inclusive, o poder de destruição da bomba que preconizara em um porto e seus entornos, e depois afirmou que “sempre fui contra o uso da bomba no Japão”, para aonde a bomba que imaginara se destinaria? Alguma nação do Eixo, com certeza. Seria a Alemanha, país onde nascera em 1879, lá matando centenas de milhares de civis, seus compatriotas? Todas essas perguntas ficam sem resposta. As emendas de Einstein, com certeza, foram “piores do que o soneto”.
Depois desses conflitos, o gênio só deixou ao mundo uma certeza: já era tarde demais.