Nesta semana, o professor-titular da ECA/USP e presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), Paulo Nassar, divulgou artigo criticando com veemência a “falsidade” – ou, para usar o termo no topo da moda linguística – as “fake news”. Claro, o tema ganha relevância redobrada na medida em que se aproximam as eleições.
O maior receio, entre os interessados no assunto – sejam os estudiosos de comunicação, a parcela da população efetivamente formadora de opinião e os próprios políticos (só os corretos) – é de que, tal nos Estados Unidos, com a eleição de Donald Trump, as fake news venham a ser instrumento determinante para o sucesso daqueles que apostam na mentira e na manipulação para se elegerem. E eles têm razão.
O professor demonstra, particularmente, preocupação com o uso das redes sociais como meio para a propagação descontrolada das falsas informações. Mas, não apenas isso: critica ostensivamente os agentes dos conteúdos maliciosos.
Para tanto, começa lembrando o filósofo e escritor italiano Umberto Eco: “O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”.
Nassar exemplifica apontando que os “idiotas da aldeia tinham o direito à palavra em um bar, após uma taça de vinho, mas sem prejudicar a coletividade. Com o advento das redes sociais, no entanto, hoje eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel”.
A teoria de Eco é, ressalta Nassar, entre outras fontes, comprovada por um levantamento recentemente concluído pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso à Informação da USP, que antecedeu a votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, na Câmara dos Deputados, em abril de 2016.
O estudo abordou mais de 8.000 reportagens publicadas em jornais, revistas, sites e blogs no período e chegou à conclusão de que três das cinco notícias mais compartilhadas no Facebook eram falsas.
“Juntos, os textos tiveram mais de 200 mil compartilhamentos, o que nos leva a crer que mais de 1 milhão de pessoas tenha sido impactada por notícias falsas em menos de uma semana”, observa o professor.
“A má notícia (e essa não é falsa) é que a onda de inverdades não se restringiu ao processo de impeachment de Dilma Rousseff — ela está presente em nosso dia a dia e, hoje, influencia discussões nas mais diferentes áreas, da política ao esporte, passando pela economia e a cobertura ambiental”, segue o professor Nassar.
Ele sustenta que “vivemos a era do fake news”, “onde blogs com interesses escusos deturparam o princípio básico do jornalismo, que é a imparcialidade, para manipular a opinião pública de acordo com os interesses de determinados grupos”.
Também acredita o professor que, nos últimos anos, essa prática se tornou atividade altamente lucrativa — “talvez, até mais rentável que o jornalismo de verdade”. Como prova à afirmação, aponta a existência de uma “verdadeira indústria, que movimenta bilhões de dólares por ano através dos ‘fake facts’”.
No entanto, segundo o mestre, as fake news extrapolam os simples blogs. “Em um momento de debates polarizados, de ‘nós contra eles’, muitos profissionais da área têm misturado jornalismo com ativismo, levando a desinformação até mesmo aos veículos que gozam de credibilidade”, sustenta.
O resultado disto é muito grave, e o professor dá a razão: “O que pouca gente se dá conta é que notícias falsas ou coberturas jornalísticas tendenciosas podem afetar não somente a política, como também pessoas e empresas, destruindo a reputação e gerando prejuízos bilionários às corporações”.
Por consequência, Nassar defende que o jornalismo, não como empresa, mas como instituição, “precisa criar um escudo para se proteger dessas práticas obscuras e não ser predado pelo fake news”.
“É cada vez mais necessário zelar pela história, valores e princípios dos veículos tradicionais — e sobretudo pela credibilidade conquistada por eles ao longo de décadas”, acrescenta.
Algumas maneiras de se colocar em prática essa necessidade já estão ocorrendo – naturalmente, além do esmero e respeito que cada profissional da área precisa ter com seu objeto maior de trabalho, que é a correta informação.
Alguns meios de comunicação possuem os chamados “checadores de informações”, enquanto outros buscam parcerias com empresas especializadas em checagem de notícias – aliás, uma novidade que também está se tornado bastante explorada, até pela perspectiva de lucratividade.
Empresas como Facebook, Google e Twitter — que não produzem conteúdo, apenas os distribuem — vêm investindo em ferramentas de checagem, buscando reverter a falta de credibilidade que têm enfrentado.
“Mas, a busca pela verdade, é preciso dizer, não é uma tarefa exclusiva dos veículos de comunicação. Do lado do leitor, também é preciso cuidado para interpretar as notícias, avaliar a credibilidade de quem as veicula e, principalmente, não colaborar para a difusão de conteúdos falsos, uma tarefa que acaba dificultada pelo cunho ideológico dos principais virais”, avalia Nassar.
“A luta contra o fake news precisa ser encarada como uma via de mão dupla. Se por um lado é preciso criar uma relação de confiança com o leitor, esse, por sua vez, precisa valorizar as fontes confiáveis. Em tempos de pós-verdade, somente o bom jornalismo pode fazer a diferença para a sociedade. Essa é a informação que vale”, conclui o mestre.
Quanto aos profissionais da área, desnecessário lamentar o reconhecimento de que, sim, não são (tão) raros os que se deixam levar por paixões ou interesses outros, comprometendo o jornalismo – sem o qual (quando realizado com seriedade e profissionalismo) a própria democracia fica gravemente comprometida, senão inviável.
O problema, aqui, é que, novamente apelando a Umberto Eco, parece que os “idiotas” pouco se importam com a democracia, mesmo frente ao risco de ela deixar de existir a partir da eleição de algum oportunista, seja um aloprado autoritário ou irresponsável demagogo.