José Renato Nalini *
A lição é evangélica e muito repetida em púlpitos: “Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro”.
A admoestação em Mateus, 6-24, não só foi esquecida, como sua vulneração sofisticou-se. Hoje, o terreno da política, das comunicações e da religião está dominado por pessoas que acumulam tais funções. Parecem falhar em todas elas.
Não é bom para a religião, cuja finalidade é religar a criatura com o Criador, que ela se ocupe também daquilo que é de César: o terreno tanta vez sórdido da política partidária. Que, no Brasil, se transformou em profissão.
Nem é bom para a política, ver critérios racionais substituídos por argumentação de crença. Deve-se escolher com base na honestidade, nos bons propósitos do candidato. Não elegê-lo porque o líder religioso mandou.
A comunicação também não pode estar subordinada a ditames de crença. A concessão de redes e canais tem de atender ao objetivo de uma educação de qualidade: informar a todos, com isenção, sem sectarismo. Formar consciência crítica suficiente para que se façam boas escolhas.
Nada mais fácil no Brasil de nossos dias, do que criar uma Igreja. Algo tão facilitado quanto comprar arma de fogo. E como o ser humano é criatura complexa, formada de razão, mas também de instintos, dentre os quais os mais primitivos, tudo justifica a multiplicação da oferta de credos para todos os gostos.
Dever-se-ia delimitar o espaço de cada qual. A liberdade é o primeiro dos direitos fundamentais explicitado na ordem fundante, logo após à vida que – na verdade, sequer poderia ser chamada tecnicamente de direito. É um pressuposto à fruição de qualquer direito. Portanto, veja-se a prevalência da liberdade em relação aos outros direitos fundamentais.
Mas a liberdade de religião não se confunde com a liberdade de se utilizar da religião para fazer política partidária, nem para explorar rendosos meios de comunicação ou, simplesmente, para ganhar dinheiro graças à credulidade ingênua de pessoas iletradas.
Não há receita infalível para coibir esta surreal situação tupiniquim. Mas é importante que as pessoas de bem a tenham como algo a ser encarado, se realmente se quer uma Pátria séria, fraterna e justa.
* Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022.