Conversando com um amigo jornalista, tratamos de uma questão controversa, que não se restringe apenas à área musical, que é a primeira que vem à cabeça quando ouvimos esta palavra: o plágio.
Plágio, do grego “plágios” (por meio oblíquo, velhaco), seria a apropriação indébita ou reprodução integral ou em parte de ideias, teorias, publicações e obras de arte, no caso a música. Não é raro nas universidades, quando, constatada a quebra da ética, o caso levar à demissão e “queima” do nome na comunidade. O “copia e cola” do computador tornou-se mais frequente, dos trabalhos escolares às teses acadêmicas: conheço casos de tradução parcial de um livro em francês pouco conhecido. Porém, é preciso saber quando gritar “plágio!”, porque este é um problema técnico, não simples lembranças saltando aos olhos e ouvidos do leigo. A intervenção é uma forma bem aceita, como a que Marcel Duchamp (1887-1968) na famosa “Mona Lisa” de Da Vinci: pintou bigodes na “Gioconda” e legendou a obra com L.H.O.O.Q. (letras que soam, em francês, “Elle a chaud ao cul” – “ela tem calor no…”).
T. S. Eliot (1888-1965), poeta americano, foi irônico: “Poetas imaturos imitam; poetas maduros roubam”. Já brinquei com uma frase de Lavoisier (1743-1794), “o pai da química moderna”: “Na música nada se perde, nada se cria, tudo se copia”. Não há referência a “plágio” em nosso Código Penal, e nos EUA essa “apropriação indébita” não é crime. Cai sempre na área cível, lá fora com as devidas indenizações e participações.
Quando é necessário citar a fonte, a depender do público, faço-o entre aspas com o nome do autor entre parênteses. Para frases conhecidas indico apenas as aspas para lembrar a autoria de outrem. Às vezes, nem aspas coloco: no último texto publicado neste espaço, escrevi assim mesmo: abrem alas para passar em sua sala de visitas sem lhe pedir licença. É óbvio que a frase foi tirada da marcha carnavalesca (1901), da Chiquinha Gonzaga: “Ô abre alas, que eu quero passar”.
Mozart, aos seis anos de idade, ouviu na capela um certo “miserere”; ao chegar em casa, repetiu-o ao fortepiano na íntegra. Trechos musicais penetram (genialidade de Mozart à parte) sem querer nas mentes de compositores. Já citações ou variações sobre músicas de outros autores são inúmeras (o conceito de originalidade começou a surgir em meados do século 19). Variações eram comuns, haja vista as “Variações Diabelli”, de Beethoven; “Sobre um tema de Moisés no Egito”, de Rossini, por Paganini; ou “Sobre um tema de Haydn” de Brahms. Tchaikovsky, em sua Abertura 1812, cita literal e musicalmente “A Marselhesa”. O compositor Jorge Antunes em sua ópera “Olga” faz um “intermezzo” eletrônico sobre o prelúdio de “Tristão e Isolda”, de Wagner.
Essa conversa surgiu a propósito de um suposto plágio da música “Cais”, de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, pelo cantor David Bowie, em “Sue”. Ouvi ambas e achei que, fora algumas poucas coincidências no curso da melodia na primeira parte, nada mais consta. Maria Schneider, orquestradora da música, entrevistada pelo jornalista, disse que Milton Nascimento é conhecido no mundo inteiro, mas não houve intenção de citá-lo.
Inspiração talvez seja o caso do “Samba em Prelúdio”, de Jobim e Vinícius, do tema e título do lindo “Prelúdio” da “Bachianas Brasileiras no 4”, de Villa-Lobos, que por sua vez tem algo do “Prelúdio” da “Suíte nº 2” para violoncelo solo, de Bach. E sinto familiaridade entre o coro final da “9ª Sinfonia” de Beethoven, “Ode à Alegria”, com a segunda parte do “Star Spangled Banner”, hino nacional norte-americano. Mas são apenas associações vagas que passeiam por minha cabeça.
O amigo questionou se uma música de Cole Porter, “Night and Day”, também não guardaria grandes semelhanças com o “Samba de uma Nota Só”, de Jobim. Pelo fato de o ritmo da melodia de uma coincidir com o da segunda, e a sequência de uma só nota apenas – não exatamente melódica – também, não vejo fraude, apesar das influências do jazz na obra de Jobim.
Há uns 15 anos, fui perito em um processo movido por um compositor contra uma emissora de TV, que teria utilizado uma música dele como vinheta (tema que identifica um programa) de Copa do Mundo. Depois de ouvi-las e anotá-las em partituras, concluí em parecer: uma era exatamente a outra, só mudaram a letra.
Caso semelhante aconteceu na Califórnia, onde o paulista Maurício Alberto Kaisermann (1951), de nome artístico Morris Albert, vendeu milhões de cópias de “Feelings”. A Suprema Corte da Califórnia o condenou pelo plágio de “Pour Toi” (1956), de Loulou Gasté (1888-1965), composta para sua cantora e esposa Line Rénaud. As melodias e mesmo as tonalidades são absolutamente coincidentes, e a Corte, usando a sabedoria salomônica anglo-saxônica, deu 7/8 dos royalties para Gasté, pela música, e 1/8 para Maurice, por sua letra original. Lembrança, inspiração, citação ou semelhança, são coisas comuns, em arte. Somos todos vulneráveis em nossos ouvidos. Mas plágio é plágio. É fraude premeditada mesmo, para ser mais preciso.