Dupla de Tatuí vence torneio de cururu





AI Conservatório / Kazuo Watanabe

Duplas participantes da quinta edição do certame exibem troféus conquistados em participação

 

Para ser cururueiro é preciso raciocínio rápido, bom repertório, conhecimento do “mundo caipira”, entrosamento com o ritmo da viola e uma boa dose de criatividade. Por seguirem à risca esses critérios, Buenão e Esmeraldinho, representantes de Tatuí, venceram o quinto “Torneio Estadual de Cururu”.

Na grande final, realizada na noite de domingo, 17, a dupla sagrou-se bicampeã. A disputa teve início na sexta-feira, 15, feriado nacional da Proclamação da República, atraindo oito duplas e centenas de pessoas.

Para Jaime Pinheiro, artista plástico, cenógrafo e coordenador do certame há quatro anos, o torneio trouxe bem mais que presenças. “Ele resgata a identidade do povo do município. Isso (o cururu) faz parte da nossa história”, argumentou.

O torneio registrou média de 400 pessoas nos dois primeiros dias e, conforme a assessoria de comunicação do Conservatório, levou à antiga “quadrinha” média de 600 na final.

“Teve frequência boa de pessoas de todas as faixas etárias e sociais. São pessoas que têm uma memória desse tipo de cantoria. E isso é muito bom para recuperar um pouco a nossa identidade, que está tão fragilizada”, disse Pinheiro.

Henrique Autran Dourado, diretor executivo do Conservatório e idealizador do torneio, disse que o evento representa uma “coroação ao cururu”.

Ele, que também é diretor do certame, elogiou o nível das duplas e afirmou que o cururu deve ser incentivado de maneira permanente pela escola de música.

“Tivemos casa cheia. Hoje (domingo, 17), as duplas estão espetaculares. Claro que eu estou fora do julgamento e, por esse motivo, estou torcendo por Tatuí. Mas, de qualquer jeito, acho que a quinta edição consagrou de vez o torneio”, opinou.

Dourado disse, também, que o Conservatório deve seguir aperfeiçoando o evento. A intenção é “aparelhar melhor” o torneio para que ele continue a atrair duplas consagradas e, o mais importante na avaliação do diretor, o público.

“Nós já conseguimos melhorar nesse ano. Mas queremos ter a felicidade de isso (o evento) ser para sempre, independentemente de quem estiver aqui (na direção da escola de música). O torneio não é uma coisa minha, é de quem quiser. O cururu deve ser parte permanente do Conservatório”, enfatizou.

Além das melhorias na estrutura, que contou com tendas e cadeiras para acomodar melhor o público, houve mudanças na avaliação dos jurados.

A mesa de avaliadores foi composta por Alberto Ikeda, professor e pesquisador da Unesp (Universidade Estadual Paulista), Carlos Cavalheiro, professor e pesquisador da história e do folclore da região do Médio Tietê, e Sérgio Santa Rosa, jornalista e mestre em comunicação midiática pela Unesp.

Segundo Rosa, neste ano, houve a inclusão de um sexto critério estabelecido pelo regulamento e que teve de ser seguido pelas duplas e analisado pelos jurados.

Até 2012, os cururueiros eram avaliados em baixão (abertura), afinação, interpretação, tempo e entrosamento com o violeiro. Na quinta edição, tiveram de se ater também à construção poética. “Essa foi uma das coisas que nós, no ano passado, sugerimos que fosse incluída. Vimos necessidade”, disse.

Cavalheiro, que também é licenciado em história e pedagogia e bacharel em tecnologia, explicou que os jurados dão, basicamente, notas para cada um dos critérios. Na sequência, discutem entre si e apresentam os resultados.

As avaliações, entretanto, costumam ser “difíceis” de um ano para outro, conforme afirmou Ikeda. O etnomusicólogo e estudioso das culturas populares do Brasil considerou que os cururueiros se aperfeiçoam entre uma edição e outra.

“Evidentemente, eles vão se preparando melhor na medida em que o evento vai se tornando mais conhecido e pessoas muito experientes vão se inscrevendo”, disse.

De modo geral, Ikeda disse que o aprimoramento é parte de um processo que começa com o regulamento. Na opinião dele, os critérios não engessam os participantes. Ao contrário, ajudam-lhes a melhorar os aspectos a serem avaliados.

“O regulamento é mais um instrumento de base, a partir do qual se faz as decisões, porque, normalmente, se decide de maneira conjunta”, sustentou o jurado.

Ikeda afirmou que, além dos critérios, o corpo de jurados considera muito o improviso. “Qualquer julgamento de expressão de arte humana sempre tem subjetividade, porque cada um vai julgar a partir de elementos muito particulares, mas, no fundo, tentamos fazer uma coisa de consenso”.

Na disputa da final, quatro duplas classificaram-se, apresentando repentes em três carreiras: do Divino, de São João e do Dia – tendo sete minutos em cada. Além de Buenão e Esmeraldinho, por Tatuí, competiram: Manezinho e Zé Antonio (representando Iperó e Conchas), Zé Pinto e Zacarias (também de Tatuí) e Lino Jacinto e João Zarias (de Pardinho).

As duplas terminaram, respectivamente, em primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto lugar, recebendo troféus e prêmios nos valores de R$ 1.000, R$ 800, R$ 600 e R$ 400.

A premiação aconteceu após apresentações musicais e dos “Tropeirinhos do Rancho”, grupo de crianças que preserva a dança catira, e do encerramento do 5º Concurso Nacional de Luteria “Enzo Bertelli”, na modalidade violão.

O concurso de luteria teve como vencedores: Geri Carletto (de Taquaritinga), em primeiro lugar; Marcos Roberto Portes (Santa Bárbara D’Oeste), em segundo; e Jeovanir de Souza Flor (Ituiutaba, Minas Gerais), em terceiro.

Eles receberam, respectivamente, R$ 8.000, R$ 6.000 e R$ 4.000. A organização também ofereceu menção honrosa a Américo Sánchez Loayza (de Campinas).

Antes do anúncio das duplas vitoriosas, a organização premiou três violeiros, avaliados pelo mesmo júri. Eles receberam violas premiadas no Concurso Nacional de Luteria de 2012.

Foram premiados com os instrumentos os violeiros Antônio Paes Moreira (Toninho da Viola), de Iperó; Vagner Chaves da Silva, de Conchas; e Luiz Antônio Vieira (Bob Vieira), de Itapetininga.

A entrega aconteceu no final da noite de domingo, na área da antiga quadrinha, espaço que recebeu palco e cenário montados por Jaime Pinheiro.

Buenão disse que o prêmio, o segundo recebido por conta do torneio, representou “uma das coisas mais marcantes que aconteceram na vida dele nos últimos tempos”.

“É um troféu muito valioso. É suado, é sofrido. Nós enfrentamos uma dupla muito famosa (Zé Pinto e Zacarias). A maior força do cururu paulista esteve presente nesse torneio. O troféu não é por acaso. Graças a Deus, vencemos”, afirmou.

No cururu desde os 22 anos, Buenão chegou aos 67 com dois títulos estaduais. Aprendeu o repente sozinho e se aprimorou com o passar dos anos. “Quando comecei, era ‘entrão’. Queria cantar com os melhores. Apanhava, mas batia. O cururu é assim: você cai aqui e levanta ali”, declarou.

Para disputar o torneio, Buenão buscou como parceiro um novato. “Conheci o Esmeraldinho no bairro (Congonhal). Fui buscar ele lá, mesmo quando as pessoas me falaram que ele era um moleque. Tive confiança nele”, contou.

A dupla formou-se no ano passado e, apesar de ter conquistado o torneio em 2012, não esperava vencer neste ano. Segundo Esmeraldinho, o nível dos participantes de 2013 esteve acima do esperado. “Tivemos de debater com duplas muito fortes, mas, graças a Deus, conseguimos chegar a esse ponto”, disse.

Para vencer, Esmeraldinho argumentou que é preciso uma soma de fatores. Entre elas, o “carisma do povo”. A dupla tatuiana é a que registrou “maior torcida” na final.

Presteza nas respostas aos adversários também é considerada fundamental para o cururu, segundo avaliou Buenão. “É preciso ter muita ‘ideia firme’, pensar bem nos versos que canta, porque um verso errado é fatal”, considerou.

Mais que obedecer a critérios, Buenão disse que o cururueiro precisa de dom. “Um analfabeto pode ser um profissional do cururu, mas nem sempre uma pessoa que tem todo o estudo do mundo consegue fazer o que o repentista faz. Acho que nós devemos ser valorizados pelo que somos. Um compositor tem tempo para escrever, melhorar. O cururueiro faz tudo isso na hora”.

Viabilizado por meio de patrocínio do Ministério da Cultura e Lei Rouanet, o quinto Torneio Estadual de Cururu ofereceu, neste ano, o prêmio especial “João Davi”, instituído em homenagem ao “histórico cururueiro”. O troféu foi entregue a Noel Pinto, pela participação especial na edição 2013.