Em recente entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, advogado Carlos Ayres Britto – pessoa claramente equilibrada e profundo conhecedor das causas de sua profissão -, afirmou e explicou por quais razões um eventual impeachment da presidente Dilma Rousseff não seria “golpe”.
Óbvio, há argumentos adversos, especialmente por parte da classe política interessada na manutenção do poder e por parcela da população – cada vez mais ínfima – que ainda crê que esse governo tem mais interesse pelo povo que por seus líderes, ou, mesmo, ainda merece crédito pelas “conquistas sociais” ocorridas no país – de fato, em maior escala nos últimos anos, por iniciativas justamente do Partido dos Trabalhadores.
Porém, da parte de quem pode ser mais isento – como no caso de Britto -, a unanimidade está se tornando mais e mais próxima. Com a mesma celeridade, a população começa a reconhecer que as tais conquistas podem acabar todas perdidas em tempo muito inferior àquele que demoraram para ocorrer.
Fundamental, neste momento, observar, como o ex-ministro muito bem o fez, que existe todo um procedimento a ser seguido, e “legal”, posto que parte integrante da Constituição. A presidente deve ser “julgada” (esperemos que com justiça e seriedade) e, posteriormente, absolvida ou condenada a perder o mandato – e tudo bem, desde que se respeite a legislação correspondente.
Por outro lado, embora menos importante, não deixa de ser curioso observar a reação do governo – mais uma vez, correta em termos de marketing -, cuja defesa parte de uma campanha mundial de denúncia a um suposto golpe contra a democracia no país, tendo o ex-presidente Lula como seu maior garoto propaganda.
Esta correta. Não a afirmação: a ação de defesa. Afinal, é o que sobrou ao governo. Interessante, neste aspecto, é a constatação de que, como se diz, “o mundo dá voltas”…
Atenção para os argumentos: “a tentativa de impeachment de um presidente legitimamente eleito pelo povo é golpe”; “não há provas de corrupção”; “a oposição perdeu nos votos e, agora, quer ganhar no tapetão”; “o governo é vítima de uma perseguição da ‘elite’”…
Não são teses estranhas ao momento, correto? Porém, elas foram propagadas há exatos 24 anos, pelo governo do então presidente Fernando Collor de Mello, o qual acabou figurando o primeiro impeachment propriamente dito no país, com o afastamento “legal” da Presidência.
O pitoresco é que, à época, o principal partido a agir pelo impeachment era o mesmo PT de Dilma, para o qual o impedimento, então, era um dispositivo democrático, previsto na Constituição.
Agora, em lado oposto, já não é mais legal a possibilidade de afastamento, contra o qual os mesmos argumentos do antigo desafeto Collor de Mello são resgatados: golpe! Ironias do destino…
Ainda sobre a legalidade e aproveitando os ensinamentos do ex-ministro, é importante reconhecer a coerência quanto ao fato de que não basta a simples eleição para que um mandatário se mantenha no poder: é preciso uma “constante legitimação”, conforme apontado por Ayres Britto.
Perdida essa chancela, o mandato acaba, mesmo que o eleito não desocupe o cargo. E isso é tão verdade que, em meio aos argumentos contra o afastamento, não se encontra a proposta de referendo para se saber quem ainda quer a presidente Dilma em Brasília.
Todos sabem qual seria o resultado “esmagador”. E, só para ilustrar, aproveitamos para também resgatar um fato da (já) era Collor: uma enquete produzida pelo tabloide “Stopim”, junto a O Progresso.
Nela, em setembro de 1992, 74% dos tatuianos entrevistados se manifestavam a favor do impeachment, enquanto 24% eram contra e 2%, indecisos.
A situação de Dilma é bem pior, considerando-se que, na semana passada, enquete de O Progresso apurou que 84% concordam com o impeachment, diante de 16% contra.
Se haverá o afastamento, ainda não se sabe; que a imensa maioria da população o espera, não há dúvida. Agora, uma coisa é certa: para o governo, o pau que bateu em Chico Collor não é o mesmo que lanha Francisca Dilma.