Mesmo em meio aos extremismos de momento, não seria nenhuma heresia a afirmação de que, prioritária e basicamente, os pais esperam das escolas o melhor ensino possível para seus filhos. Exigem (boa) educação, portanto.
Assim acontecendo, os filhos tanto absorvem conhecimentos didáticos – necessários para a base empírica em que se consolida qualquer bom profissional – quanto formam-se como cidadãos, cientes de seus deveres e direitos.
Neste processo, delicado e imprescindível, precisam seguir inabaláveis algumas premissas, entre as quais, a de que crianças são levadas a escolas para aprender as disciplinas fundamentais do conhecimento humano, não para serem “disciplinadas” pelo estado.
Em outras palavras, crianças são levadas a unidades de ensino para tornarem-se estudantes, não soldados. Escola é uma coisa; quartel, outra – não sendo nada pertinente a confusão entre ambos.
Se em uma instituição (lembrando serem ambas necessárias aos estados soberanos) a “indisciplina” deve ser contida; em outra, ela é natural, até esperada –tendo de ser contida somente em seus excessos.
Óbvio: não confundir indisciplina com insubordinação, tampouco com insolência e agressão contra professores, sejam verbais ou físicas. Nestas situações, naturalmente, a punição deve ser automática, embora sempre com o propósito maior de “educar” – função básica da escola.
É imperioso jamais se esquecer que a indisciplina é condição essencial da infância, momento em que as crianças e até jovens ainda estão testando limites – incluindo a paciência de professores e pais. E haja paciência…
No entanto, pais e mães “normais”, a despeito dos desafios, seguem prazerosamente acompanhando a evolução e educando os filhos, sempre direcionando-os ao que entendem ser o melhor caminho.
Em paralelo, os (bons) professores, com o mesmo princípio de estimular o desenvolvimento das crianças, prestam o serviço mais essencial de todos, que é a educação formal.
Não por outro motivo, o professor guardava imenso respeito não só dos alunos, mas, acima de tudo, dos pais. E, então, o ponto crítico da questão: é urgente o resgate deste respeito. Não o contrário!
É primordial confiar nos educadores, razão pela qual as propostas insanas de colocar estudantes na condição de arapongas dentro de salas de aula para vigiá-los é subverter toda a lógica da educação.
Na prática, tanto compromete ainda mais a educação, por desprestigiar e desestimular a profissão de educador, quanto deixa de enxergar crianças como crianças, levando-as à condição de espiões cagoetas.
Impõe, por derradeiro, um clima de opressão, de medo. A escola, na verdade, precisa de um tanto de indisciplina dos alunos e muito, muito de liberdade dos professores para ensinar.
Para se melhorar a educação no Brasil, na prática, a profissão de professor jamais deve sofrer perseguição; pelo contrário, deveria ser “perseguida”, justamente por ser digna de respeito e admiração, além de render grande retorno financeiro.
A justificativa, portanto, de que o ensino no país é contaminado por ideias “marxistas” é superficial, tola e profundamente nociva. Cada educador pode e deve ter suas ideias, mas todos seguem diretrizes pré-estabelecidas, que não são políticas.
No mais, acabar com a liberdade dos professores em nome de suposta melhoria do ensino é confundir a formação de futuros cidadãos com a de futuros soldados. Aliás, se um cidadão quiser tornar-se soldado, deve fazê-lo, por ser seu direito. Errado é o estado tratá-lo como tal desde a infância.
Sim, nenhum pai ou mãe espera que seu filho vá à escola e saia de lá “com a cabeça feita pela esquerda”. Mas, ainda assim, quebrar a lógica da educação para – a bem da verdade – invertê-la ideologicamente não faria qualquer diferença.
Pior, até porque esta “ideologização” partiria do estado, de cima para baixo, e não das supostas convicções de cada professor – que são divergentes, já que cada professor é um ser humano, e ser humano é diferente um do outro.
O psicanalista Contardo Calligaris, em recente artigo na Folha de S. Paulo, reconhece falhas na educação – particularmente pública -, mas reforça a importância do livre fluxo de ideias na escola para a formação de cidadãos com ponto de vista crítico – o que deixa de existir com a forte ingerência do estado, sobremaneira quando baseado em princípios opressores.
“O ponto de vista crítico, que questiona a ordem estabelecida e o conteúdo que está sendo ensinado, é a atitude que mais leva o estudante a pensar, investigar; estudar um pouco além do que é óbvio e prescrito”, argumenta Calligaris.
Na sequência, o articulista observa exatamente o efeito contrário a se redundar dos ataques à suposta ideologização nas escolas, cujo maior efeito prático seria a “subordinação” de professores e alunos conforme outros interesses políticos, frontalmente avessos ao senso crítico.
“Os cidadãos sem senso crítico são, de fato, os militantes políticos mais perigosos: emissários e informantes da ordem estabelecida”.
“Desde a aurora do mundo moderno, o exercício efetivo da cidadania se confunde com o exercício da oposição”, lembra o psicanalista, que conclui: “… o essencial é que nossas crianças aprendam a olhar para o mundo e a entendê-lo criticando, opondo-se, imaginado e inventando outros mundos”.
Se a ideia não for usar a escola para formar uma futura nação de (“somente”) soldados subordinados, mas (“majoritariamente”) de cidadãos livres, a reforma no ensino, por consequência, só tem um caminho: mais tempo na escola, melhor formação dos profissionais, salários mais atraentes e, sobretudo, muito mais respeito aos mestres.