‘Devolução’ de psiquiátricos aumenta e pode gerar debate





O fechamento de 50 mil vagas em hospitais psiquiátricos em todo o país tem refletido em Tatuí. Com a lei da reforma psiquiátrica em vigor desde 2001, pacientes com problemas psicossociais que permaneciam internados estão voltando para casa.

“Sem saber o que fazer, os parentes estão batendo à nossa porta”, revelou a coordenadora do Creas (Centro de Referência Especializado em Assistência Social), Nativa Quedevez de Souza. Ela conta que o órgão tem registrado uma “demanda crescente” por internações, ou por tratamentos dos pacientes.

Apesar de entender que esse tipo de atendimento foge da alçada do órgão, Nativa afirmou que o órgão deve promover discussões com todos os agentes possíveis (entidades filantrópicas, poder público e sociedade civil) para encontrar uma saída.

De volta a Tatuí, os deficientes mentais que eram internados em instituições da região, como os hospitais psiquiátricos Teixeira Lima e Vera Cruz e Sociedade Protetora dos Insanos de Sorocaba “Jardim das Acácias” estão vulneráveis.

“A família não sabe como lidar muito bem com essa situação e acaba trazendo para nós”, disse Nativa. De acordo com a coordenadora do Creas, o órgão começou a registrar esse tipo de pedido de atendimento em fevereiro do ano passado. De agosto para cá, o número de solicitações cresceu.

“Tem aumentado, e estamos prevendo aumentar muito”, enfatizou a assistente social do Creas, Clarice Ribeiro. Conforme ela, em geral, os pedidos apresentados pelos parentes variam. Daí, o órgão não conseguir mensurar. Nos dois últimos meses, entretanto, foram três pedidos de tratamento.

Mesmo dispondo de toda a rede para oferecer atendimento, a coordenadora disse que o Creas pouco pode fazer por esse público. De modo a não deixar os pacientes sem perspectiva, Nativa informou que o órgão proporá reuniões.

Os encontros devem acontecer em breve, com agentes da equipe de saúde mental. A intenção é pensar em um trabalho que possa ajudar os pacientes e seus familiares, de modo a dar mais qualidade de vida a todos.

Inicialmente, a ideia do Creas é fazer com que a família aprenda a lidar com o doente. Por outro lado, é preciso haver trabalho junto aos pacientes. Alguns deles, conforme a coordenadora, ficaram internados por 30 anos.

Além dos cuidados, os parentes de pacientes com problemas psicossociais temem pela própria integridade. Especialmente, por conta de históricos como o de um caso ocorrido em Sorocaba. Em julho deste ano, um auxiliar de enfermagem foi morto com uma facada por um paciente com transtornos psiquiátricos.

O crime ocorreu na residência do paciente, onde o profissional, de 28 anos, havia se deslocado para o tratamento. Na ocasião, as autoridades policiais informaram que o paciente entrou em surto durante o tratamento. Ele era atendido pelo programa de desinternação, sendo colocado sob custódia após o crime.

“Acontece de os pais não saberem lidar com essa demanda dos filhos ou vice-versa, de filhos que têm pais com problemas psicossociais”, afirmou Nativa.

Conforme Clarice, a discussão sobre a reforma psiquiátrica ocorre há 20 anos. Até 2001, quando da aprovação da lei, os hospitais que cuidavam desses pacientes eram considerados “depósitos de pessoas”. “Atualmente, existe o conceito da humanização. Então, os tratamentos têm que ser terapêuticos”.

Sendo assim, o entendimento estabelecido a partir da legislação é de que o paciente com problemas severos precisa conviver com a família. Em determinados casos, ele pode frequentar espaços como o Caps (Centro de Atenção Psicossocial).

Em Tatuí, o centro funciona desde abril do ano passado, oferecendo tratamento terapêutico, psiquiátrico e atenção ao uso de álcool e drogas.

No Caps, os pacientes podem passar o dia realizando atividades e tomando medicações controladas. O espaço é uma alternativa às internações que deixam as pessoas reclusas e, com isso, longe do convívio familiar e da sociedade.

“Quem vem estudando esse assunto já provou por A mais B que internação não é viável. Na cabeça dos profissionais, a família é o melhor lugar”, disse Clarice.

Na cidade, o maior impasse nesse “novo modelo de tratamento” se dá com relação aos familiares dos pacientes. A coordenadora do Creas informou que muitas pessoas não se sentem seguras ou preparadas para lidar com os doentes mentais.

De forma a oferecer apoio aos parentes, Nativa antecipou que o centro prevê ações de orientações aos familiares. Para isso, deve discutir com as equipe de saúde mental quais atividades poderão ser realizadas. “É preciso que tenhamos apoio grande da Saúde e das pessoas para lidarmos com essa situação”, falou.

No município, os casos que chegam ao Creas são decorrentes de “devoluções” por internações temporárias. Em geral, os pacientes do municípios ficam reclusos nas instituições da região por períodos que variam de 15 a 20 dias. Depois, retornam para os seus lares. Os familiares, sem saber o que fazer, vão até a unidade para conseguir nova internação.

“Essa prática de devolver paciente já é comum, ocorre que a família não aceita muito bem o doente, porque não sabe o que fazer com ele. Então, quer internar. Daí, bate em todas as portas e vem na nossa também”, afirmou Nativa.

A questão se torna ainda mais delicada quando envolve violência. Em Tatuí, há um mês, um dos pacientes atendidos pelo Creas agrediu o pai, um senhor de idade, enquanto estava sendo medicado. Com medo da reação do filho, o homem preferiu interná-lo.

“Ele é um doente mental que, atualmente, se encontra preso e recluso num lugar com pessoas como ele. Então, essa é uma questão delicada”, disse Clarice.

A exemplo de Nativa, a assistente social defende um amplo debate em torno do assunto. Clarice afirmou que é preciso uma atenção diferenciada a esses pacientes, como vem sendo realizado com moradores de rua. Esse público tem acesso a todos os serviços oferecidos pelo município, mas não os aceitam.