O Lar “Donato Flores”, instituição com 56 anos de fundação, pretende aumentar para 250 o número de meninos e meninas atendidos por projeto de inclusão social. A expansão no atendimento deve-se ao novo foco, que tem como “núcleo” a prevenção.
Desde o início do ano, a instituição não recebe crianças desabrigadas. A mudança de foco foi por conta da baixa demanda, alterações na legislação e pela concentração dos serviços de abrigo na Casa do Bom Menino, de acordo com o diretor Ubirajara Feltrin.
“Foi um acerto que fizemos com o juiz e o promotor da Vara da Infância e da Juventude. Nós ficamos com o projeto de inclusão social e a Casa do Bom Menino faz o abrigamento”, contou.
Até o ano passado, o Lar abrigava crianças do sexo feminino, em caráter “provisório e excepcional”, como manda o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Entre os casos atendidos, estavam crianças em situação de risco, vulnerabilidade e exclusão social.
Mesmo com a baixa procura nos últimos anos, uma estrutura de funcionários trabalhava 24 horas por dia para a eventualidade de um caso de criança desabrigada aparecer. No ano passado, os cinco funcionários que trabalhavam no abrigo ficaram três meses sem crianças para atender.
“O custo para atender as crianças era muito alto. Então, veio essa solução da Justiça, em concentrar no Bom Menino. A partir daí, vamos reforçar o nosso projeto de inclusão social”, afirmou Feltrin.
O projeto Lar Espaço Feliz teve início em 2003, com 30 crianças. Neste ano, são atendidas 225 crianças e adolescentes, a maioria do sexo feminino, de todas as regiões da cidade.
“Há um tempo, a Ana (Aparecida Feltrin, diretora da instituição) colocou um mapa na mesa e pediu para todos os atendidos colocarem um adesivo onde moravam. Acabaram marcando a cidade toda”, contou.
A faixa etária atendida pela instituição vai dos 10 aos 18 anos. Entre 10 e 14 anos, as crianças e adolescentes participam de atividades como aulas de judô, artesanato, dança e informática, além de aulas de reforço escolar.
Os mais velhos recebem preparação para o mercado de trabalho. Os adolescentes ganham a oportunidade de serem aprendizes em empresas instaladas em Tatuí.
O serviço de aprendizagem do Lar é registrado no Ministério do Trabalho e alia aulas teóricas – realizadas no espaço físico da instituição – e práticas.
“Aqui, nós fazemos apenas a aprendizagem da área administrativa. Atualmente, temos 96 jovens trabalhando nas maiores empresas de Tatuí. Somente na Yazaki, temos 36”, afirmou.
Cada aprendiz é contratado por dois anos, conforme a Lei da Aprendizagem, sancionada em 2000. A jornada de trabalho é de até seis horas diárias. Em um dos cinco dias de trabalho semanais, os adolescentes fazem aula no “Donato Flores”.
Para ingressar na instituição, é necessário passar por avaliação socioeconômica. A prioridade sempre é dada para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social e com famílias consideradas desestruturadas.
Segundo Feltrin, o projeto de inclusão social serve como prevenção às situações que poderiam culminar com o abrigamento de crianças e adolescentes, caso não tivesse a intervenção da instituição.
“Creio ser um grande serviço à comunidade, pois são todas crianças de baixa renda, algumas delas com casos de alcoolismo, drogas ou, até, um dos pais presos. São situações que poderiam levá-las ao abrigo”, opinou.
As crianças e adolescentes passam o contraturno escolar no Lar “Donato Flores”, o que as fazem ficar “afastadas” dos problemas familiares ou, até mesmo, fora das ruas, onde poderiam ser cooptadas pela criminalidade.
“Nós fazemos acompanhamento da família com a assistente social, o que faz amenizar os problemas e não deixa descambar para um abrigamento”.
O trabalho social do “Donato Flores” é reconhecido pela cidade, tanto que a fila de espera chega a 500 crianças e adolescentes. O número é expressivo, levando-se em conta a quantidade de atendidos, que pode chegar a 250 em 2018.
“Nós damos futuros para essas crianças e adolescentes. Alguns deles estavam em casos de famílias desestruturadas e chegaram a fazer intercâmbio, formaram-se em engenharia, administração, direito e, até, em assistência social”, relatou.
“Muitos chegaram aqui sem o mínimo de perspectiva de vida e mostramos que todos nós podemos. Quem é pobre acaba precisando fazer mais esforço, mas consegue também, tanto que temos ex-atendidos que se tornaram engenheiros, advogados e administradores”, complementou.
Ao todo, 17 funcionários mais seis voluntários fazem com que o Lar “Donato Flores” realize os atendimentos diários. Cerca de 70% dos custos da entidade são mantidos por doações e eventos, como jantares, a tradicional festa junina e bazares.
Outros 20% são de “doações” de Imposto de Renda de pessoas físicas e jurídicas. Apesar de, frequentemente, ser chamado de doação, o termo correto é destinação, pois não sai do bolso de quem doa, mas do Imposto de Renda devido. Apenas 10% da receita do lar vêm de verbas dos governos estadual e municipal.
“As duas verbas são um pouco mais do que simbólicas, pois mal dão para pagar um funcionário. Até pouco tempo, tínhamos um projeto bancado pelo HSBC, mas o banco não tem mais operações no Brasil”, explicou.
Para melhorar a arrecadação, a entidade concentrou forças na captação de recursos via Imposto de Renda. Apesar de somarem uma cota importante na receita total do Lar, as verbas federais esbarram na burocracia.
Apesar de as destinações de recursos via IR serem feitas até o dia 31 de dezembro de cada ano, o Lar recebe com meses de atraso os valores, fazendo com que parte do ano a entidade trabalhe “a descoberto”.
“O governo federal somente libera o dinheiro depois de quatro, cinco meses. Para o ano que vem, nós já temos um plano de trabalho aprovado, e estamos fazendo a captação de recursos”, contou.
Para manter as contas no azul, a administração da entidade somente realiza compras quando tem dinheiro no caixa, evitando a sobreposição de despesas com aquisições parceladas. A equipe que trabalha no local é enxuta e conta com voluntários, o que ajuda na economia.
“Trabalhamos sempre com uma reserva para cobrir gastos inesperados. Como algumas verbas atrasam frequentemente, precisamos ter esse ‘colchão’”, contou.
Apesar de contribuir com menos da metade do orçamento da entidade, as fiscalizações acontecem “em cascata”. As contas do Lar são avaliadas pela diretoria, CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente), Prefeitura e TCE (Tribunal de Contas do Estado).
“Procuramos manter, sempre, nossas contas em ordem, fazer as prestações para não corrermos o risco de o Tribunal de Contas deixar de aprovar nossa contabilidade após dois ou três anos. Nunca aconteceu, e não vamos deixar acontecer”, concluiu.